Operação ou chacina?
Lacunas alimentam dúvidas sobre a ofensiva da polícia do Rio de Janeiro que deixou, até a sexta, 28 mortos
Na mais letal operação policial da história do Rio de Janeiro, uma série de lacunas mal explicadas deixa dúvidas se a ofensiva no Jacarezinho que terminou, até a noite de sexta, com 28 mortos foi apenas uma incursão das forças de segurança ou se houve também matança sem o amparo da lei. A começar pelo choque de versões sobre as justificativas para o cerco que resultou na quinta-feira de sangue na favela.
Ao apresentar o balanço da operação, o delegado Felipe Cury, diretor do Departamento Geral de Polícia Especializada da Civil, escalado para falar com imprensa, deu uma versão contestada horas depois para explicar o porquê de tantos mortos. A apuração, declarou, tinha como foco combater crimes graves ligados ao tráfico: homicídios, aliciamento de menores, roubos e ataques a composições da Supervia, a rede de trens urbanos do Rio.
O contraponto surgiu em reportagem publicada pela Folha de São Paulo na tarde de sexta-feira. De acordo com o jornal, a justificativa do pedido feito pela Polícia Civil ao Ministério Público do Rio de Janeiro que serviu como base para a ação no Jacarezinho não citava nenhum desses crimes. A denúncia citava somente o cumprimento de mandados de prisão contra 21 acusados de associação para o tráfico, crime que prevê o máximo e 10 anos de reclusão.
As provas anexadas ao pedido eram basicamente as mesmas no descritivo da ação: fotos compartilhadas em redes sociais em que o suspeitos apareciam armados. Aí é que surgem novos furos. Das 20 imagens de supostos soldados da tráfico, quatro delas não exibiam armas nas mãos dos “profissionais” do tráfico responsáveis pela segurança da boca e pelo combate a inimigos, incluindo a polícia. Em outra, o rosto de denunciado é coberto por um emoticom.
O saldo da operação também abre espaço para desconfianças. Dos 25 mortos, um era agente da Civil e apenas três figuravam entre os alvos dos mandados. Ocorreram somente três prisões de acusados que constava na relação enviada à Justiça. A conta não bate. A imensa maioria das vítimas sequer constava na lista de suspeitos