Correio da Bahia

FUNÇÃO VEIO COM A CRIAÇÃO DOS CEMITÉRIOS

- Paula Fróes foto paulafroes@ gmail.com

É difícil dizer exatamente quando a profissão de coveiro passou a existir. É possível, porém, fazer uma relação com a história do surgimento dos cemitérios enquanto instituiçã­o, segundo a historiado­ra Luciana Onety, doutoranda em História Social pela Ufba e coordenado­ra do curso de História e Letras da Unijorge.

“Até a Idade Média, o comum era enterrar perto da família. Só que vão haver decretos exigindo o afastament­o das imediações da urbi (cidade). Eles vão entender que o morto tem que ser enterrado fora da cidade e aí vão começar a surgir os primeiros cemitérios”, explica ela, que estuda representa­ções da morte.

Mas ainda prevalecia a crença de que a pessoa deveria ser enterrada o mais próximo possível que de um ‘campo santo’, que era a igreja. O primeiro cemitério ‘extra muros’ oficial da Bahia foi justamente o Campo Santo, em 1836. No entanto, esses seriam os coveiros ligados aos cemitérios.

Ao mesmo tempo, não é difícil de imaginar que sempre existiu alguém que fizesse o serviço de enterrar os mortos. “A morte sempre foi tabu. O coveiro é um trabalho muito importante, mas ainda não é bem visto, ainda que essencial. Mas imagine o que seria de nós, se não fosse o coveiro, nessa situação que vivemos hoje”, pondera.

Estudos sobre esses profission­ais costumam indicar maior vulnerabil­idade física e psíquica pelas condições de trabalho, como aponta a psicóloga Jeane Tavares, doutora em Saúde Pública e professora da Universida­de Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). “O estresse gerado pela exposição continuada à violência, à morte e ao sofrimento soma-se à falta de suporte social e cuidados cotidianos, à precarizaç­ão do trabalho, às cobranças de familiares e superiores e, por fim, potenciali­zam adoeciment­os e complicaçõ­es nos processos de luto dos profission­ais”, analisa.

Em tempos como a pandemia, com maior demanda de trabalho, uma eventual sobrecarga pode contribuir até para o aumento de acidentes, como a contaminaç­ão. O esforço físico e a ansiedade, de acordo com a professora, podem levar a um estado de exaustão que inclui sintomas físicos, afetivos e cognitivos. “A proteção da saúde destes trabalhado­res envolve questões externas ao ambiente de trabalho como tempo para descanso, lazer, alimentaçã­o adequada, ter uma rede de suporte social que possa apoiá-lo”.

feito pelo Laboratóri­o de Psiquiatri­a Molecular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), com a Unidade de Pesquisa do Centro Fòrum, Parc de Salut Mar, em Barcelona, na Espanha.

Foram avaliadas variáveis sociodemog­ráficas e saúde mental, tendo como achados mais comuns: ansiedade (81,9%), depressão (68%), sintomas somáticos (62,6%) e prejuízo do sono (55,3%). “Os números sinalizam o impacto negativo da pandemia na saúde mental da população, portanto, sendo considerad­o um problema de saúde pública no nosso país”, analisa.

O relações públicas Tiago Carapiá, de 38 anos, é daqueles que utilizam álcool gel em excesso, fazem parte da turma da limpeza exagerada e só andam em posse de muitas máscaras. Para ele, todo cuidado é pouco. Até que um dia, bateu uma falta de ar, sudorese demasiada, corpo exaurido. Não pensou duas vezes e muito assustado correu para a emergência certo de que tinha pego covid.

“Desenvolvi processos sintomátic­os e suspeitei ter me infectado. Veio uma angústia e eu só pensava na responsabi­lidade de ter uma filha para cuidar.

Fiz o teste e, graças a Deus, deu negativo. O médico me disse que, provavelme­nte, os sintomas que tive decorreram do stress desencadea­do pela pandemia”, conta.

O luto coletivo de mais de 430 mil mortes se soma aos efeitos do agravament­o da crise econômica, política, no sistema de saúde e, enfim, de uma incerteza imensa com relação ao futuro e ao andamento do processo de vacinação da população. “Inevitavel­mente apresentei quadro de ansiedade, fruto de tudo isso”, complement­a Carapiá.

SOFRIMENTO

Os sintomas psicossomá­ticos ocorrem quando algo acaba afetando emocionalm­ente. O psicólogo Iury Florindo, da plataforma de terapia online Zenklub, pontua que a ansiedade favorece a somatizaçã­o. Na plataforma que tem, atualmente, 120 mil clientes atendidos e realiza uma média de 50 mil sessões por mês, o aumento na procura pela psicoterap­ia cresceu 515% durante a pandemia. Ao todo, são 4 mil profission­ais que prestam esse serviço no Zenklub, disponível para em 124 países, entre eles o Brasil.

“A ansiedade funciona como uma espécie de alerta, aumentando a intensidad­e do que estamos sentindo. Ficamos

Psiquiatra e coordenado­ra do Centro de Estudos da Holiste

mais vulnerávei­s e sensíveis”, afirma. “A pessoa com sintomas psicossomá­ticos pode ficar mais impulsiva, recorrendo à automedica­ção, por exemplo. Os sintomas permanecem e quanto mais tempo, maior o medo e a ansiedade por não ter uma resposta com um diagnóstic­o”, completa.

A aposentada Iracema Plácido, de 59 anos, começou a apresentar quadro de angústia e insônia frequente. Ficou praticamen­te seis meses sem sair, e, nas primeiras vezes em que saiu, a vontade era de voltar correndo para casa. Um dia, acordou sentindo congestão nasal, coriza, dor de cabeça e cansaço. “Acreditei firmemente que estava com covid. Entrei em pânico. Fiz cinco dias de isolamento no meu quarto mesmo sem o resultado do teste ter saído. Já me imaginei hospitaliz­ada e pensei inclusive que poderia morrer”.

Em janeiro, a Associação Brasileira de Psiquiatri­a (ABP), em conjunto com a Associação Brasileira de Impulsivid­ade e Patologia Dual (ABIPD), Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), a Universida­de do Texas e a Mackenzie divulgaram os resultados da pesquisa Saúde Mental e Covid-19: Como Você Está Se

Adaptando?, que constatou que o medo foi o principal sentimento dos brasileiro­s ao longo do primeiro semestre de convivênci­a com a pandemia.

O estudo ouviu mais de 200 mil profission­ais da área de saúde e mais 8 mil pessoas de outros segmentos, via a aplicação de um questionár­io na internet. No final do ano passado, o levantamen­to iniciou uma nova fase, em que pretende mapear esse novo momento da pandemia e analisar como as pessoas estão sobreviven­do ao processo, além de medir os impactos na saúde mental dos brasileiro­s.

Quanto maior a sensação de vulnerabil­idade, mais ansiosas as pessoas ficam e isso amplia qualquer coisa que ela sinta, como pontua Florindo. “Isso significa que a pessoa fica muito focada em seus pensamento­s e medos. Os sintomas psicossomá­ticos trazem muitos problemas. A performanc­e no trabalho pode ser afetada, a qualidade do sono e a sensação de pensamento acelerado trazem muita fadiga mental e no corpo. Em algumas situações, leva até à depressão”.

Para a professora do Instituto de Saúde Coletiva da Ufba, Carmen Teixeira, vencer esse sofrimento psíquico é um grande desafio atual e será o principal

Professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universida­de Federal da Bahia (Ufba)

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