FUNÇÃO VEIO COM A CRIAÇÃO DOS CEMITÉRIOS
É difícil dizer exatamente quando a profissão de coveiro passou a existir. É possível, porém, fazer uma relação com a história do surgimento dos cemitérios enquanto instituição, segundo a historiadora Luciana Onety, doutoranda em História Social pela Ufba e coordenadora do curso de História e Letras da Unijorge.
“Até a Idade Média, o comum era enterrar perto da família. Só que vão haver decretos exigindo o afastamento das imediações da urbi (cidade). Eles vão entender que o morto tem que ser enterrado fora da cidade e aí vão começar a surgir os primeiros cemitérios”, explica ela, que estuda representações da morte.
Mas ainda prevalecia a crença de que a pessoa deveria ser enterrada o mais próximo possível que de um ‘campo santo’, que era a igreja. O primeiro cemitério ‘extra muros’ oficial da Bahia foi justamente o Campo Santo, em 1836. No entanto, esses seriam os coveiros ligados aos cemitérios.
Ao mesmo tempo, não é difícil de imaginar que sempre existiu alguém que fizesse o serviço de enterrar os mortos. “A morte sempre foi tabu. O coveiro é um trabalho muito importante, mas ainda não é bem visto, ainda que essencial. Mas imagine o que seria de nós, se não fosse o coveiro, nessa situação que vivemos hoje”, pondera.
Estudos sobre esses profissionais costumam indicar maior vulnerabilidade física e psíquica pelas condições de trabalho, como aponta a psicóloga Jeane Tavares, doutora em Saúde Pública e professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). “O estresse gerado pela exposição continuada à violência, à morte e ao sofrimento soma-se à falta de suporte social e cuidados cotidianos, à precarização do trabalho, às cobranças de familiares e superiores e, por fim, potencializam adoecimentos e complicações nos processos de luto dos profissionais”, analisa.
Em tempos como a pandemia, com maior demanda de trabalho, uma eventual sobrecarga pode contribuir até para o aumento de acidentes, como a contaminação. O esforço físico e a ansiedade, de acordo com a professora, podem levar a um estado de exaustão que inclui sintomas físicos, afetivos e cognitivos. “A proteção da saúde destes trabalhadores envolve questões externas ao ambiente de trabalho como tempo para descanso, lazer, alimentação adequada, ter uma rede de suporte social que possa apoiá-lo”.
feito pelo Laboratório de Psiquiatria Molecular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), com a Unidade de Pesquisa do Centro Fòrum, Parc de Salut Mar, em Barcelona, na Espanha.
Foram avaliadas variáveis sociodemográficas e saúde mental, tendo como achados mais comuns: ansiedade (81,9%), depressão (68%), sintomas somáticos (62,6%) e prejuízo do sono (55,3%). “Os números sinalizam o impacto negativo da pandemia na saúde mental da população, portanto, sendo considerado um problema de saúde pública no nosso país”, analisa.
O relações públicas Tiago Carapiá, de 38 anos, é daqueles que utilizam álcool gel em excesso, fazem parte da turma da limpeza exagerada e só andam em posse de muitas máscaras. Para ele, todo cuidado é pouco. Até que um dia, bateu uma falta de ar, sudorese demasiada, corpo exaurido. Não pensou duas vezes e muito assustado correu para a emergência certo de que tinha pego covid.
“Desenvolvi processos sintomáticos e suspeitei ter me infectado. Veio uma angústia e eu só pensava na responsabilidade de ter uma filha para cuidar.
Fiz o teste e, graças a Deus, deu negativo. O médico me disse que, provavelmente, os sintomas que tive decorreram do stress desencadeado pela pandemia”, conta.
O luto coletivo de mais de 430 mil mortes se soma aos efeitos do agravamento da crise econômica, política, no sistema de saúde e, enfim, de uma incerteza imensa com relação ao futuro e ao andamento do processo de vacinação da população. “Inevitavelmente apresentei quadro de ansiedade, fruto de tudo isso”, complementa Carapiá.
SOFRIMENTO
Os sintomas psicossomáticos ocorrem quando algo acaba afetando emocionalmente. O psicólogo Iury Florindo, da plataforma de terapia online Zenklub, pontua que a ansiedade favorece a somatização. Na plataforma que tem, atualmente, 120 mil clientes atendidos e realiza uma média de 50 mil sessões por mês, o aumento na procura pela psicoterapia cresceu 515% durante a pandemia. Ao todo, são 4 mil profissionais que prestam esse serviço no Zenklub, disponível para em 124 países, entre eles o Brasil.
“A ansiedade funciona como uma espécie de alerta, aumentando a intensidade do que estamos sentindo. Ficamos
Psiquiatra e coordenadora do Centro de Estudos da Holiste
mais vulneráveis e sensíveis”, afirma. “A pessoa com sintomas psicossomáticos pode ficar mais impulsiva, recorrendo à automedicação, por exemplo. Os sintomas permanecem e quanto mais tempo, maior o medo e a ansiedade por não ter uma resposta com um diagnóstico”, completa.
A aposentada Iracema Plácido, de 59 anos, começou a apresentar quadro de angústia e insônia frequente. Ficou praticamente seis meses sem sair, e, nas primeiras vezes em que saiu, a vontade era de voltar correndo para casa. Um dia, acordou sentindo congestão nasal, coriza, dor de cabeça e cansaço. “Acreditei firmemente que estava com covid. Entrei em pânico. Fiz cinco dias de isolamento no meu quarto mesmo sem o resultado do teste ter saído. Já me imaginei hospitalizada e pensei inclusive que poderia morrer”.
Em janeiro, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em conjunto com a Associação Brasileira de Impulsividade e Patologia Dual (ABIPD), Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), a Universidade do Texas e a Mackenzie divulgaram os resultados da pesquisa Saúde Mental e Covid-19: Como Você Está Se
Adaptando?, que constatou que o medo foi o principal sentimento dos brasileiros ao longo do primeiro semestre de convivência com a pandemia.
O estudo ouviu mais de 200 mil profissionais da área de saúde e mais 8 mil pessoas de outros segmentos, via a aplicação de um questionário na internet. No final do ano passado, o levantamento iniciou uma nova fase, em que pretende mapear esse novo momento da pandemia e analisar como as pessoas estão sobrevivendo ao processo, além de medir os impactos na saúde mental dos brasileiros.
Quanto maior a sensação de vulnerabilidade, mais ansiosas as pessoas ficam e isso amplia qualquer coisa que ela sinta, como pontua Florindo. “Isso significa que a pessoa fica muito focada em seus pensamentos e medos. Os sintomas psicossomáticos trazem muitos problemas. A performance no trabalho pode ser afetada, a qualidade do sono e a sensação de pensamento acelerado trazem muita fadiga mental e no corpo. Em algumas situações, leva até à depressão”.
Para a professora do Instituto de Saúde Coletiva da Ufba, Carmen Teixeira, vencer esse sofrimento psíquico é um grande desafio atual e será o principal
Professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (Ufba)