BAIANIDADES
episódios na nossa história? Quem ajuda a explicar isso é o professor Anderson Marinho, do Departamento de História da Arte e Pintura da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (EBA-Ufba). Segundo ele, a maior parte dos pintores baianos do século XIX produziam obras religiosas para as ordens. Mas, no final daquele século, chegou a Salvador o pintor espanhol Miguel Navarro Y Cañizares, que acabou fundando a Escola de Belas Artes. E ali as coisas começaram a mudar.
NOVOS SÍMBOLOS
Existem duas versões para essa história. A primeira é de que Cañizares começou a dar aulas no Liceu de Artes e Ofícios, criado em 1871, e que após uma briga com outro professor decidiu criar a Escola de Belas Artes. A segunda, na qual o professor Anderson tende a acreditar mais, é a de que Cañizares já tinha um projeto de fundar uma escola na Venezuela. Mas, ao chegar a Salvador, viu que existia ali um liceu que trabalhava num nível parecido com o dele. Decidiu ficar e, após um conflito por ciúmes, deixou o Liceu para criar a Escola de Belas Artes.
Era 1877 e foi ali que os principais pintores baianos daquela época foram formados. “Era um ensino baseado no modelo francês e que já tinha uma tradição do retrato. O final do século XIX é uma transição dessa arte de cunho religioso para outras obras. Quase todos os alunos dos primeiros anos começaram a pintar retratos e a atender ao mercado da Bahia”, explica Marinho.
Aquele período coincide com um momento importante: a Proclamação da República. “O símbolo da Família Real cai e o Brasil precisa de novos símbolos, que vão ser os militares, políticos, professores, os grandes nomes das ordens religiosas”, completa o professor. As pessoas começam a encomendar seus retratos e as instituições mandam fazer imagens de seus líderes e seus beneméritos.
Não é por acaso, então, que a maior parte do acervo de pinturas do IGHB seja de retratos. Das 22 telas, 15 são da pinacoteca de lá. Há até telas sem identificação dos homenageados, mas que foram pintadas por um nome: José Antônio da Cunha Couto. E foi por isso que seus retratos foram escolhidos para integrar o edital de restauro.
Cunha Couto estava lá naquelas primeiras turmas da Escola de Belas Artes, depois de ter estudado no Liceu, onde fez sua clientela. Pintava cenas bíblicas, santos e personalidades e foi um dos retratistas que mais produziu em seu tempo. Seus retratos, feitos em ateliês desde a Ladeira da Conceição até Itapagipe, eram conhecidos pelo colorido e expressões dos personagens. Ele também foi um dos fotógrafos mais conhecidos na Bahia no final do século XIX.
A Casa Pia enviou para o ateliê sete telas, a maioria de provedores, um deles pintado por Cunha Couto, outros por mais nomes importantes da época, como Vieira de Campos, Presciliano Silva, José Theófilo de Jesus e João Francisco Lopes Rodrigues. É a metade do número de quadros do IGHB, mas compensam em tamanho – têm mais de dois metros cada. Entre os retratados de lá está o Irmão Joaquim Francisco do Livramento, natural de Santa Catarina, que fundou a Casa Pia de Salvador.
SOCIEDADE VISUAL
Além da importância para o momento histórico entre o final do século XIX e o início do XX, os retratos ajudam a pensar como funcionava a sociedade da época. Ser retratado em um quadro era uma forma de ser legado para a posteridade – e nem todo mundo podia pagar por esse luxo. Por isso, ter um