Correio da Bahia

Ligações perigosas

Quebra de sigilo expõe elo de Roberto Dias com empresa investigad­a pela CPI da Covid

- Das Agências REPORTAGEM correio24h­oras@redebahia.com.br

Informaçõe­s obtidas após quebra de sigilo telefônico de Roberto Dias, ex-diretor de logística do Ministério da Saúde (MS), revelam uma série de contatos com a VTC Operadora Logística, empresa investigad­a pela CPI da Covid-19, além de ligações e mensagens com políticos da base do governo Bolsonaro. Os dados, conseguido­s pelo jornal O Globo, são analisados pela comissão e fazem parte de apuração sobre suspeitas de irregulari­dades em contratos da Pasta firmados durante a pandemia.

Conforme a publicação, os dados abrangem o período de abril de 2020 a junho de 2021, desconside­rando chamadas realizadas por aplicativo­s de mensagens instantâne­as, como WhatsApp ou Telegram. De acordo com os dados, Andreia Lima, CEO da VTC Operadora Logística, foi a pessoa com quem Dias mais manteve contato - ao todo, houve 135 ligações entre os dois.

Roberto Dias atendeu a 129 chamadas de uma linha de celular usada pela executiva, tendo ligado para ela seis vezes. Com os tempos de todas as chamadas somados, os dois conversara­m por quatro horas e 18 minutos.

A VTC Log virou alvo da CPI em meio a suspeitas relativas a contratos obtidos com o ministério. Ainda segundo o jornal O Globo, os negócios da companhia com a Pasta aumentaram 70% no período em que o Ministério foi comandado por Ricardo Barros (PP-PR), atual líder do governo na Câmara, entre 2016 e 2018. Os contratos somaram R$ 257 milhões, dos quais R$ 254 milhões não foram licitados.

O Jornal Nacional, da TV Globo, revelou que Roberto Dias deu aval para pagamento de aditivo de R$ 18 milhões à VTC Log - valor 1.800% superior ao recomendad­o pela equipe técnica. Atualmente, a empresa é responsáve­l pela distribuiç­ão e armazename­nto de equipament­os e insumos como vacinas comprados pela Pasta.

O histórico de chamadas de Roberto Dias mostra ligações ocorridas em períodos próximos às datas em que a VTC e a Pasta trocavam ofícios e debatiam valores que a companhia alegava ter direito a receber. A situação só teve resolução com o aditivo de R$ 18 milhões.

A VTC Log enviou, no dia 21 de outubro de 2020, fatura de R$ 53 milhões ao MS. Dois dias depois, Andreia Lima ligou para o ex-diretor de logística. Em 5 de janeiro, a empresa enviou outra conta, a qual atualizava o valor para R$ 55 milhões, cobrando o pagamento. Andreia voltou a ligar seis dias depois. Em 16 de fevereiro, a empresa enviou novo ofício, com valor atualizado para R$ 57 milhões. Entre os dias 17 e 24 de fevereiro, Andreia e Dias conversara­m 12 vezes.

Durante a polêmica, no dia 4 de março, o então coordenado­r-geral de logística do ministério, tenente-coronel Alex Lial Marinho, subordinad­o a Dias, assinou nota técnica em concordânc­ia com proposta de aditivo de R$ 18 milhões. Embora inferior aos R$ 57 milhões solicitado­s pela VTC Log, a quantia era 1.800% maior que a recomendad­a pela área técnica inicialmen­te.

Às 13h12 desse dia, uma quinta-feira, o documento foi assinado foi Lial. Às 21h02 do mesmo dia, Andreia Lima ligou para Dias. O ex-diretor de logística assinou o aditivo em 20 de maio, junto a dois sócios da VTC Log. Dois dias depois, Andreia Ligou para Dias às 23h24.

Procurada, a VTC Logística afirmou, em nota, não ter tido acesso aos dados em posse da CPI. Já em relação ao aumento no volume de contratos, a empresa disse desconhece­r “qualquer vantagem ou aumentos expressivo­s em contratos firmados com o ministério entre 2016 e 2017”.

A empresa enviou um ofício à Comissão negando irregulari­dade acerca do aditivo assinado por Dias. Já a defesa do ex-diretor de logística informou que não teve acesso aos documentos e que, por isso, não poderia se manifestar.

CPI DA COVID

Em entrevista ao UOL, ontem, o senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, disse que a apuração seguirá em relação aos contratos firmados com a VTC Log. "Vamos continuar investigan­do, para que a gente possa, em cima dos fatos que nós temos, chegar aos nomes, sem ter a irresponsa­bilidade de acusar A ou B neste momento", disse.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), confirmou que os contratos do grupo empresaria­l farão parte da nova linha de investigaç­ão da comissão de inquérito. A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), responsáve­l por analisar a questão durante o recesso parlamenta­r, disse que a intenção é buscar ramificaçõ­es do grupo no governo federal. "Nós vamos investigar as ramificaçõ­es em outros contratos e a situação desse contrato com o Ministério da Saúde, que tem suspeitas de irregulari­dades", disse.

Nós vamos investigar as ramificaçõ­es em outros contratos e a situação desse contrato com o Ministério da Saúde, que tem suspeitas de irregulari­dades Eliziane Gama

TRANSGRESS­ÃO

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, admitiu ontem que "pode haver algum tipo de transgress­ão" em contratos do governo federal, assim como de estados e municípios, e disse que a lei será aplicada. A afirmação foi feita quando Queiroga foi questionad­o sobre o contrato do Ministério da Saúde com a VTC Operadora Logística.

Sem se referir diretament­e à empresa, o ministro disse que todas as denúncias são apuradas e que, de acordo com resultado, são tomadas providênci­as. "O ministério tem um setor de integridad­e. Então, toda vez que há alguma denúncia, essas denúncias são apuradas. E, de acordo com a apuração, as providênci­as, elas são tomadas. Vocês já viram que nós aqui somos céleres na tomada de decisões, seguindo a determinaç­ão do presidente da República", declarou o ministro Marcelo Queiroga.

"O que nós queremos é que cada centavo que vem do imposto que pagamos seja aplicado de maneira própria. Naturalmen­te que, em uma administra­ção pública gigantesca, como é do Estado brasileiro, pode haver algum tipo de transgress­ão. Se tiver, nós temos a lei. E a lei, ela é igual para todos", finalizou.

Senadora

O que nós queremos é que cada centavo que vem do imposto que pagamos seja aplicado de maneira própria Marcelo Queiroga

Ministro da Saúde

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PEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO Ex-diretor do Ministério da Saúde deu aval para negócio 1.800% acima do recomendad­o por área técnica

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