O irreconhecível ministro novo
Bolsonaro fez até o momento. Nem ele, nem seu sucessor. Tampouco seu antecessor Sergio Moro. O Ministério da Justiça nesta administração não fez um único gesto por demarcação de terra indígena e mantémumaFunaiaparelhadacom bolsonaristas, que teve, inclusive, um missionário no departamento de índios isolados.
Em abril, ao defender a abertura dos templos, o então advogado-geral da União fez uma defesa baseada no texto bíblico e usando argumentosreligiosos.Dissequeos fiéis estavam dispostos a morrer pela “liberdade de culto”. Não se tratava,claro,deameaçaàliberdade de culto, mas de medida protetiva da saúde coletiva. Na sustentação, tropeçou curiosamente na própria Bíblia, ao citar um versículo de Mateus. “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estarei eu no meio deles”. Ora, isso ilumina a ideia de que não é preciso estar na Igreja, muito menos aglomerado. Bastam “dois ou três”. E a fé.
Aquestãoreligiosasecolocanão por ser ele evangélico, mas porque Bolsonaro o escolheu por essa razão e usou isso politicamente. Em agosto, o presidente, falando numa convenção da Assembleia de Deus, disse o seguinte: “Tenho conversado muito com o pastor Mendonça, porque a vida dele vai mudar. Fiz um pedido a ele, ou melhor, dei uma missão a ele. E ele se comprometeu acumprir.Todaaprimeirasessãoda semana no STF ele pedirá a palavra e iniciará os trabalhos após uma oração.” Bolsonaro fala isso para manipular a fé das pessoas.
Na Comissão de Constituição e Justiça, o novo ministro negou que vá julgar conforme a sua visão religiosa. Disse que é presbiteriano, igreja que nasceu na Reforma Protestante, que tem um dos seus pilares na separação entre Estado e Igreja. O Estado laico é também um comando constitucional. Se ele agir no STF como agiu na AGU estará rasgando a Constituição.
Seu divórcio com o que defendera no passado continuou durante toda a sessão, na qual ele foi aprovado. Por pressão do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), Mendonçavoltouatrásnadefesaquefizera, como AGU, de que homofobia não é crime. Contarato conseguiu que ele corrigisse até o que dissera naprópriasabatina.Mendonçafizera uma falsificação histórica ao dizer que a democracia não havia custado vidas. Negou a repressão. Perguntado pelo senador capixaba, ele disse que na verdade se referia a outros momentos da História em que não houve derramamento de sangue e deu o exemplo da República e da Independência. Mendonça precisa urgentemente informar-se com os historiadores porque, pelo visto, acredita em mitos.
Ele negou que tivesse perseguido jornalistas, mas os perseguiu. Foram muitos. O grande escritor Ruy Castro é apenas um exemplo. Deu uma alegação curiosa para os seus atos. Disse que estaria prevaricando se não iniciasse processos contra os jornalistas, já que a Lei de Segurança Nacional estava em vigor tipificando o crime de ataque à honra do presidente da República, que, na opinião dele, esses jornalistas haviam cometido. Ora, outros presidentes antes dele foram criticados com a caduca LSN ainda em vigor. E não houve essa reação.
Mendonça pôde desfazer os seus feitos e desdizer os seus ditos impunemente, porque passou com facilidade pela CCJ e no fim do dia foi aprovado no plenário. Seguiu com suas contradições para suas quase três décadas de decisões supremas.