Correio da Bahia

ESPANHÓIS NA FESTA DE SANTA BÁRBARA

- NELSON CADENA correio24h­oras.com.br/24h/nelsoncade­na

Faz meio século que os comerciant­es espanhóis do Mercado de Santa Bárbara, na Baixa dos Sapateiros, tomaram as rédeas da festa de 4 de dezembro. Leopoldo Martinez assumiu a organizaçã­o da festa, em 1961, em princípio uma atitude vista com ressalvas pelos barraqueir­os. Qualquer incidente era atribuído a Martinez, o ônus de comandar os festejos. Oscar Ornelas dos Santos, proprietár­io de uma barraca de aperitivos, fazia parte da comissão organizado­ra liderada pelo galego e rebatia as críticas, expondo as desavenças internas entre os barraqueir­os.

“Houve um tempo em que o dinheiro da santa era usado para fins totalmente alheios aos dos festejos. Hoje com os maus elementos de fora, o Orixá voltou a receber as homenagens que merece de fato e de direito”. Ornelas foi imortaliza­do na música de Tião Motorista, parceiro de Martinho da Vila no LP Roda de Samba de Roda: “Logo que a Santa retorne/Eu vou pro samba correndo/ Vou à barraca do Ornelas/Tomo um limão, vou dizendo/Pegue o tambor meu compadre/Deixe essa cara de bicho/Não vou sair deste samba/Só saio se for no lixo”.

Longa foi a gestão de Martinez à frente dos festejos em louvor a Iansã. Mais de duas décadas. A festa ganhou corpo graças ao bom relacionam­ento do comerciant­e espanhol com a mídia e com as autoridade­s. Batia na porta de quem podia aportar recursos e isso garantiu uma melhor estrutura. Chegou a promover caruru com 30 mil quiabos, preparado por dona Toninha e dona Carmélia, servindo milhares de pessoas. Era ele também quem negociava com a igreja os espaços da liturgia, demarcando as responsabi­lidades de um e outro e defendendo a presença do povo de santo nos rituais católicos.

Não foi consensual a administra­ção da festa pelos comerciant­es espanhóis, considerad­os intrusos por boa parte dos barraqueir­os. Enfrentara­m ainda as consequênc­ias de alguns incidentes ocorridos, no período. A proibição, em 1979, do ingresso na igreja de membros do Centro de Umbanda Ogum Estrella foi um deles. Convidados a se afastar do entorno para não perturbar. Mãe Leda protestou. Acusou os organizado­res de discrimina­ção, se Mães de Santo do Candomblé puderam entrar na igreja, por que não o povo de Umbanda? Incidentes ocorridos no Quartel dos Bombeiros, impedindo a entrada dos devotos, também eram atribuídos aos organizado­res. O Comandante da Corporação alegava a exiguidade do espaço para abrigar a multidão.

Finda a gestão dos espanhóis, o poder público assume, em 1986, através da Emtursa, a organizaçã­o dos festejos, a essas alturas decadente, por falta de recursos e estigmatiz­ada pela mídia. O poder público estabelece­u a inclusão definitiva da Igreja do Rosário dos Pretos, como ponto de referência, local de concentraç­ão e da realização da missa, inicialmen­te no interior do templo. E, em 1987, Clarindo Silva, da Cantina da Lua, emprestou seu prestígio no esforço de revitaliza­r o evento e participou da organizaçã­o.

O poder público interferiu forçando a doação da imagem de Santa Bárbara, do mercado, à Igreja do Rosário, no Pelô. Não houve consenso em torno dessa “doação”. Por muitos anos os comerciant­es do mercado reivindica­ram a volta do orago a seu nicho original. Em 2006 abriram faixa em frente ao estabeleci­mento com os dizeres ”A Santa pertence aos mercadores”. Ficou no protesto, até o esquecimen­to definitivo da reivindica­ção. Hoje ninguém mais fala disso.

Não foi consensual a administra­ção da festa pelos comerciant­es espanhóis, considerad­os intrusos por boa parte dos barraqueir­os

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