ESPANHÓIS NA FESTA DE SANTA BÁRBARA
Faz meio século que os comerciantes espanhóis do Mercado de Santa Bárbara, na Baixa dos Sapateiros, tomaram as rédeas da festa de 4 de dezembro. Leopoldo Martinez assumiu a organização da festa, em 1961, em princípio uma atitude vista com ressalvas pelos barraqueiros. Qualquer incidente era atribuído a Martinez, o ônus de comandar os festejos. Oscar Ornelas dos Santos, proprietário de uma barraca de aperitivos, fazia parte da comissão organizadora liderada pelo galego e rebatia as críticas, expondo as desavenças internas entre os barraqueiros.
“Houve um tempo em que o dinheiro da santa era usado para fins totalmente alheios aos dos festejos. Hoje com os maus elementos de fora, o Orixá voltou a receber as homenagens que merece de fato e de direito”. Ornelas foi imortalizado na música de Tião Motorista, parceiro de Martinho da Vila no LP Roda de Samba de Roda: “Logo que a Santa retorne/Eu vou pro samba correndo/ Vou à barraca do Ornelas/Tomo um limão, vou dizendo/Pegue o tambor meu compadre/Deixe essa cara de bicho/Não vou sair deste samba/Só saio se for no lixo”.
Longa foi a gestão de Martinez à frente dos festejos em louvor a Iansã. Mais de duas décadas. A festa ganhou corpo graças ao bom relacionamento do comerciante espanhol com a mídia e com as autoridades. Batia na porta de quem podia aportar recursos e isso garantiu uma melhor estrutura. Chegou a promover caruru com 30 mil quiabos, preparado por dona Toninha e dona Carmélia, servindo milhares de pessoas. Era ele também quem negociava com a igreja os espaços da liturgia, demarcando as responsabilidades de um e outro e defendendo a presença do povo de santo nos rituais católicos.
Não foi consensual a administração da festa pelos comerciantes espanhóis, considerados intrusos por boa parte dos barraqueiros. Enfrentaram ainda as consequências de alguns incidentes ocorridos, no período. A proibição, em 1979, do ingresso na igreja de membros do Centro de Umbanda Ogum Estrella foi um deles. Convidados a se afastar do entorno para não perturbar. Mãe Leda protestou. Acusou os organizadores de discriminação, se Mães de Santo do Candomblé puderam entrar na igreja, por que não o povo de Umbanda? Incidentes ocorridos no Quartel dos Bombeiros, impedindo a entrada dos devotos, também eram atribuídos aos organizadores. O Comandante da Corporação alegava a exiguidade do espaço para abrigar a multidão.
Finda a gestão dos espanhóis, o poder público assume, em 1986, através da Emtursa, a organização dos festejos, a essas alturas decadente, por falta de recursos e estigmatizada pela mídia. O poder público estabeleceu a inclusão definitiva da Igreja do Rosário dos Pretos, como ponto de referência, local de concentração e da realização da missa, inicialmente no interior do templo. E, em 1987, Clarindo Silva, da Cantina da Lua, emprestou seu prestígio no esforço de revitalizar o evento e participou da organização.
O poder público interferiu forçando a doação da imagem de Santa Bárbara, do mercado, à Igreja do Rosário, no Pelô. Não houve consenso em torno dessa “doação”. Por muitos anos os comerciantes do mercado reivindicaram a volta do orago a seu nicho original. Em 2006 abriram faixa em frente ao estabelecimento com os dizeres ”A Santa pertence aos mercadores”. Ficou no protesto, até o esquecimento definitivo da reivindicação. Hoje ninguém mais fala disso.
Não foi consensual a administração da festa pelos comerciantes espanhóis, considerados intrusos por boa parte dos barraqueiros