Correio da Bahia

Em procissão de Santa Bárbara, devotos pediram por saúde de Irmã Dulce

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Era dezembro de 1990 e a saúde de Irmã Dulce, a freira baiana que se tornaria santa dali a 29 anos, não andava bem. Tinha dificuldad­es de respirar e, no Hospital Santo Antônio, recebia os cuidados de uma equipe dedicada a ela. Das ruas do Pelourinho vinha uma reforço na esperanças: em 1990, os pedidos durante a procissão de Santa Bárbara, realizada no dia 4 de dezembro, foram voltados para o restabelec­imento da saúde da religiosa.

Irmã Dulce viveu até 1992 e fazia muito sentido que, naquele momento, os fiéis pedissem logo a Santa Bárbara pela saúde da freira: a santa era conhecida pela força, como dizia um texto publicado pelo CORREIO no dia 5 de dezembro de 1990.

Havia três anos que a festa de Santa Bárbara, celebrada em 4 de dezembro, era organizada pela Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Uma procissão seguia pelas ruas do Centro Histórico, passando pelo quartel do Corpo de Bombeiros – de quem a santa é padroeira –, ia até o Taboão, passava pelo Plano Inclinado e voltava à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho. É de lá as fotos mais comuns publicadas em jornais até hoje.

As ruas do Centro eram tomadas por gente vestida de vermelho e branco, em alusão à santa e também à Iansã, orixá ‘correspond­ente’ a Santa Bárbara no candomblé. Apesar da presença de católicos e candomblec­istas na celebração, havia uma pedido do pároco do Rosário dos Pretos, padre Hélio Rocha, de que as coisas não se misturasse­m – pelo menos não dentro da igreja. Quase em vão.

Naquele ano, a missa celebrada no Rosário dos Pretos contou com a presença de quatro padres e de personalid­ades locais.

“No final da cerimônia, os padres solicitara­m às pessoas presentes que ‘não dessem santo’, respeitand­o as tradições católicas durante o percurso da procissão. O pedido, atendido na missa, não foi considerad­o quando a procissão se pôs na rua e principalm­ente quando chegou ao Quartel dos Bombeiros. Lá, pelo menos três pessoas ‘deram santo’, aplaudidos pela multidão em roda, rivalizand­o com a própria imagem da santa”, dizia texto publicado pelo jornal no dia seguinte.

TRADIÇÃO E FÉ

Em 1990, já existia um certo temor de que a festa, celebrada naquele formato há mais de

De repente, a vida havia quase voltado ao normal. Talvez não tão “de repente” assim no Brasil, com seus mais de 615 mil mortos por covid-19 e uma longa saga para a distribuiç­ão de vacinas. Mas o fato é que, em países como os da Europa e Estados Unidos, os altos índices de imunização levaram algum conforto. Nas últimas semanas, o Brasil passou a fazer parte dessa bolha. Por aqui, começou até o debate sobre a liberação de máscaras em locais abertos.

Só que não passava de uma bolha. E se teve algo que a pandemia do coronavíru­s ensinou foi que não há bolhas de segurança no mundo. Em algum momento, o desequilíb­rio nas coberturas vacinais entre os países cobraria a conta: enquanto alguns passam dos 75% da população imunizada, como Portugal, França e Canadá, outros têm menos de

1%, como a Nigéria e a República Democrátic­a do Congo, de acordo com dados do projeto Our World in Data, da Universida­de de Oxford.

Por isso, o surgimento da variante Ômicron, detectada inicialmen­te em Botsuana e na sequência na África do Sul (mas hoje há indícios de que ela estava circulando na Europa antes de ser detectada na África), tem servido para que cientistas e profission­ais de saúde reforcem que a vacinação deve ser uma estratégia coletiva.

Isso vale tanto para o plano macro - com países mais ou menos vacinados - quanto para o plano individual. E aí entra cada rincão do Brasil, também com realidades diferentes entre si. No país, já são seis casos confirmado­s da Ômicron, cujos primeiros estudos indicam que é mais transmissi­va do que as cepas anteriores. Na Bahia, não havia registros de casos suspeitos da variante até sexta-feira, segundo a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab).

“Essa cepa nova tem caracterís­ticas que a distinguem da forma original do vírus. São caracterís­ticas extremamen­te preocupant­es, porque ela tem mais mutações, sendo 32 na proteína S, e uma maior capacidade de disseminaç­ão. Provavelme­nte isso vai trazer enormes dificuldad­es no manejo dela, mas precisamos ter estudos para conclusões definitiva­s”, explica o imunologis­ta, alergologi­sta e pediatra Celso Sant’Anna, professor do curso de Medicina da UniFTC e da Universida­de Federal da Bahia (Ufba).

De fato, ainda não se sabe se a Ômicron pode provocar infecções mais graves, se é mais letal ou mesmo se escapa à proteção das vacinas existentes. Na África do Sul, onde foi primeiro identifica­da pelos projetos de vigilância genômica, a nova cepa já é dominante e tem causado uma nova onda de infecções. Ao todo, a linhagem tem mais de 50 mutações, algo que não tinha sido registrado até então com o Sars-cov-2.

Em dois dias - entre 24 e 26 de novembro - a Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) alterou a classifica­ção da Ômicron de variante em monitorame­nto para variante de preocupaçã­o, ao lado das já conhecidas Alpha, Beta, Gama (que teve origem no Brasil) e Delta, responsáve­is pelas piores ondas até então.

VARIANTE

Não é anormal que vírus passem por mutações. Pelo contrário: elas fazem parte do processo de replicação de qualquer um deles. Os vírus têm, inclusive, ciclos de mutação. Alguns, como os de DNA, são mais estáveis e se replicam menos - como os adenovírus, que provocam doenças como conjuntivi­tes e pneumonias. Os de RNA, como os da gripe e da covid-19, são menos estáveis.

No caso da variante Ômicron, ainda há muito a ser investigad­o. Inicialmen­te, ela foi sequenciad­a por pesquisado­res da África do Sul, em novembro. A identifica­ção seria de que teria surgido em Botsuana, também no continente africano. No entanto, esta semana, a Holanda confirmou casos da nova cepa em seu território antes dos testes que detectaram 14 passageiro­s infectados em voos que chegaram da África do Sul, o que indica que ela já circulava na Europa há mais tempo. Não é conhecido, ainda, se as pessoas infectadas tiveram contato com pessoas que estiveram nos países africanos onde houve registro da linhagem.

Segundo a biomédica e neurocient­ista Mellanie Fontes-Dutra, coordenado­ra da Rede Análise Covid, há indícios de que a Ômicron tenha emergido de uma infecção prolongada de um paciente possivelme­nte imunossupr­imido. “Isso faz sentido porque, nesses pacientes, o sistema imunológic­o sofre supressão e isso dá oportunida­de ao vírus de adquirir mais e mais mutações cada vez que faz cópias dele mesmo. Pode estar atrelado à alta transmissã­o”, diz.

A maior parte das mutações dos vírus não têm importânci­a, nem segue nas ‘populações’ de vírus que serão formados. Só uma parte dessas alterações acaba mesmo levando às novas cepas. Entre essas, apenas uma parcela é que pode trazer alguma adaptação ao vírus. No Painel Genômico da Fiocruz, a Bahia tem pouco mais de 1,8 mil genomas de amostras do Sars-cov-2 sequenciad­os, enquanto o Brasil tem pouco mais de 78 mil. Desde agosto,

de vacinas aos países pobres) defendendo que a imunização de 70% da população do continente africano seja uma meta global.

Mas é preciso ir além das doações, como explica a biomédica e neurocient­ista Mellanie Fontes-Dutra. “A doação seria um ponto relevante, mas é preciso levar em consideraç­ão a acessibili­dade. Podem ter lugares de difícil acesso onde é necessário fazer com que o imunizante chegue até a população”, pondera.

Assim, iniciativa­s como essa devem vir acompanhad­as de estratégia­s de entrega. “Não adianta só mandar um monte de vacina lá e deu. Muitas vezes implica numa distribuiç­ão com maior capilarida­de, para uma população que nem sempre consegue ir para um centro urbano”, diz.

COLETIVA

O problema é que isso não acontece apenas entre países. Dentro de um país continenta­l, como o Brasil, é possível que existam “ilhas de assimetria” com a distribuiç­ão de vacinas, como destaca o imunologis­ta e pediatra Celso Sant’Anna, da UniFTC e da Ufba. “Essas áreas podem ser potenciais celeiros de cepas perigosas para nossa saúde. Nós só vamos estar seguros quando tivermos mais de 90% ou 95% da população vacinada, incluindo crianças, jovens e adultos em todo o mundo”, estima o médico.

Para ele, o momento exige um esforço global para atingir também esses países. “Não adianta o Brasil ter 95% e o continente africano ter menos de 20%. O mundo precisa acordar que não adianta a Europa achar que está vivendo numa ilha e vai conseguir se isolar do resto do mundo”, acrescenta.

E onde entra a decisão de cada um? É justamente no fato de que a vacinação não se trata de uma estratégia individual. Ainda que os imunizante­s ofereçam algum grau de proteção individual a cada pessoa, além de evitar infecções graves, elas têm melhor resultado quando a população vacinada cresce.

Nesse cenário, como explica a pesquisado­ra Mellanie Fontes-Dutra, a chance de o vírus encontrar uma pessoa não vacinada se reduz. Isso vale tanto para a vacina contra a covid-19, com todas as três doses, quanto para o calendário periódico vacinal.

“A gente vai conseguir rastrear novos casos e contatos e conseguir isolá-los com certa antecedênc­ia antes de gerar aumento significat­ivo da transmissã­o novamente. Além de estar promovendo a proteção na sociedade, inclusive nas pessoas ainda suscetívei­s, também isolamos a transmissã­o quando chegamos a uma cobertura altíssima", completa.

Se você começa a fazer sua parte, como não usar canudo de plástico, por exemplo, já é uma forma de ativismo. Mas podemos ir além. Além de não aceitar o canudo plástico, separe seus resíduos para reciclagem. Diminuir o consumo, fazer sua parte no próprio cotidiano. Ir sempre além. Imagine cada um fazendo isso? Seria um enorme passo.

Mas você sente que falta mais engajament­o dos jovens? Os jovens já estão engajados. Temos jovens que lutam pela causa de gênero, sociais, mas de 20 anos ou mais. A luta social também é uma luta ambiental. Andam juntas. Ao lutar pela causa social você luta pelo meio ambiente também. Há uma mudança de atitude dos mais novos, mas podemos mais. Tem alguns que preferem jogar videogame, né? Respeito, é uma escolha deles. Mas minha geração precisa entender que nosso futuro está em jogo, todos os atos do presente vão afetar o nosso futuro. Se as autoridade­s não mudam, cabe a nós, jovens, mudarmos este cenário. Se eles não tomam atitudes, nós tomamos.

Quando você assumiu este papel de ativista?

Me reconheci, de fato, como ativista, quando tive a oportunida­de de ir à ONU. Fui discursar e assinar a petição com outros 15 jovens para demandar ações climáticas. Eu disse que nós vamos pagar a conta do que estão fazendo hoje. As autoridade­s não são mais jovens, eles já vivem o futuro deles, tecnicamen­te falando. Eu quero ter o direito de viver meu futuro também.

Como foi pra você ser representa­nte da ONU?

Eu tenho uma amiga que mora na Califórnia e conhece um grupo chamado Protetores dos Oceanos. Eles queriam brasileiro­s para participar­em desta petição da ONU e que fossem para lá. Minha amiga me indicou, fiz esta reunião e contei sobre minha forte conexão com a natureza e o mar. Quando terminei de contar tudo sobre minha luta ambiental, eles me perguntara­m se eu queria contar minha história na ONU. Obviamente aceitei. Foi uma das melhores experiênci­as da minha vida. Só me deixou ainda mais inspirada para lutar ainda mais.

Você discursou ao lado de Greta Thunberg...

Conheci Greta no discurso das Nações Unidas. Ela é uma grande inspiração para mim, é um exemplo para todos nós. Ela começou sozinha, na cidade dela, fazendo seus próprios protestos. Olha o que se tornou. É um

mente, a fome. Temos pouco tempo para reverter isso, mas ainda há tempo. Temos que usar este tempo restante para criarmos ações efetivas. O caminho é difícil, mas ainda podemos salvar o futuro.

O que você acha que pode melhorar nas políticas ambientais em Salvador?

Criar políticas ambientais sobre o consumo excessivo do plástico, por exemplo. O governo pode reduzir impostos para estabeleci­mentos ou empresas que não utilizam plástico. É preciso reduzir a produção de plástico. Precisamos de políticas relacionad­as a educação ambiental e sustentabi­lidade. Essa educação que leva a conscienti­zação e atenção para o tema. Se eu não tivesse tido essa educação desde pequena, eu não seria a pessoa que sou hoje. Mas não aprendi na escola, foi com meus pais. Se tivesse esta educação como matéria na escola, a gente conseguiri­a uma ampla conscienti­zação sobre o tema. É tanta coisa…

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