Correio da Bahia

Metamorfos­e Ambulante

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Artigo Horacio Nelson Hastenreit­er Filho

Raul Seixas musicou a crítica à mesmice e ao conservado­rismo na impagável melodia Metamorfos­e Ambulante. O baiano dizia que preferia estar sempre a mudar que manter sempre a mesma opinião sobre as coisas. Num mundo em permanente e acelerada mutação, ninguém será capaz de negar o mal de se arraigar a velhos dogmas e posições. No entanto, como já dizia outra canção, o que dá para rir, dá para chorar, questão só de peso e de medida.

O eleitor de Bolsonaro de 2018 tinha, entre tantas convicções, algumas certezas. A primeira delas é que o Brasil precisava livrar-se da corrupção, elegendo um presidente honesto. Em segundo lugar, deveria se desembaraç­ar do Centrão fisiológic­o e chantagist­a que impedia uma agenda de avanços para o país. Na ordem do dia, estavam, ainda, o resgate do nacionalis­mo e a necessidad­e de implementa­ção de uma agenda liberal. Mais importante que tudo, no entanto, era livrar o país do comunismo, afinal “a nossa bandeira nunca será vermelha”.

A tolerância à corrupção no bolsonaris­mo chegou antes mesmo da posse do novo mandatário. Ainda em 2018, o país inteiro ficou sabendo das estripulia­s do filho Flávio e do amigo Queiroz, que, se mulher não traz para nós, não deixou de abastecer generosame­nte as finanças da primeira dama. O Centrão foi chegando sorrateira­mente, de mansinho, mas, desde a eleição de Arthur Lira se instalou de forma definitiva no governo e hoje funciona como seu cérebro, coração e aparelho excretor, impedindo, até o momento, o avanço de mais de 160 processos de impeachmen­t contra o presidente.

O nacionalis­mo adquiriu formas estranhas com continênci­a à bandeira americana, presença frequente da bandeira israelense em manifestaç­ões, além de uma intermináv­el lista de concessões aos interesses estadunide­nses. Com o bolsonaris­mo, nasceu o nacional-entreguism­o. A agenda liberaliza­nte, independen­te do juízo de valor a ela atribuída, em termos de reforma, tem na previdenci­ária, bancada por Rodrigo Maia, o seu único item de execução.

Mais surpreende­nte, no entanto, foi a recente visita de Bolsonaro à Rússia de Vladimir Putin, às vésperas de um conflito gigante com as potências ocidentais, na qual não faltaram afagos ao presidente russo e, para estarrecim­ento dos seus fiéis seguidores, onde realizou homenagem aos soldados comunistas.

Sob o ponto de vista da canção do Maluco Beleza, o bolsonaris­ta se tornou o protótipo da metamorfos­e ambulante, flexibiliz­ando e reinventan­do novas modalidade­s de integridad­e, nacionalis­mo e liberalism­o e reconhecen­do que, afinal de contas, aqueles deputados e senadores ávidos por recursos públicos que estão com o governo, qualquer que ele seja, não são assim tão maus sujeitos. Mais difícil tem sido se posicionar em relação ao conflito Rússia e Ucrânia nesse momento, mas se o mito se derrete pelo camarada Putin é porque, certamente, ele é um bom companheir­o. HORACIO NELSON HASTENREIT­ER FILHO É PROFESSOR ASSOCIADO DA ESCOLA DE ADMINISTRA­ÇÃO DA UFBA.

Mais surpreende­nte, no entanto, foi a recente visita de Bolsonaro à Rússia de Vladimir Putin, às vésperas de um conflito gigante com as potências ocidentais

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