Diálogo trava e ataques da Rússia se agravam
Kiev Sitiada Negociação acaba em impasse em meio a denúncias de uso de bombas de fragmentação
A primeira tentativa de conversa entre a Rússia e a Ucrânia desde a invasão russa ocorrida na última quinta-feira (24) terminou sem avanço, ontem, em Belarus [Bielorrúsia]. Uma nova rodada de negociações deve ocorrer, embora a data não tenha confirmada por nenhum dos lados, mas a tentativa diplomática não impede que as tropas de Vladimir Putin continuem a ofensiva e o cerco à capital ucraniana, Kiev, apesar do pedido do presidente Volodmir Zelenski
por cessar-fogo imediato.
Segundo agências internacionais, as forças russas continuam avançado sobre o país por uma linha contínua de 27 quilômetros, conforme mostraram imagens de satélite.
Autoridades da Ucrânia disseram que pelo menos 11 pessoas foram mortas e dezenas ficaram feridas na cidade de Kharkiv, a segunda maior do país, ontem. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), ao menos 101 civis morreram no conflito até o momento.
O ataque a Kharkiv incluiu bombardeios e combates de rua. ONGs denunciaram que a Rússia usou bombas de fragmentação na cidade. As bombas Cluster (ou de fragmentação) quando disparadas se abrem e dispersam, criando centenas de munições menores, o que aumenta o poder de alcance e destruição. Segundo a Ong Human Rights Watch, os artefatos são proibidos de serem usadas desde 2008, por um tratado internacional, justamente porque podem causar estragos generalizados, inclusive afetando a população civil.
Oleh Synehubov, chefe da Administração Estatal Regional de Kharkiv, chamou os ataques da Rússia de ‘um crime de guerra’. "O inimigo russo está bombardeando áreas residenciais inteiras de Kharkiv, onde não há infraestrutura crítica, onde não há posições das Forças Armadas
da Ucrânia que os russos possam mirar", disse ele em mensagem no Telegram.
Quando o bombardeio de4 ontem começou, muitos moradores de Kharkiv faziam fila em mercearias e outras lojas para reabastecer os suprimentos depois de ficarem trancados em casa desde o começo da guerra.
QUEBRA DE TRATADO
Mark Hiznay, diretor associado da divisão de armas da Human Rights Watch, disse ao jornal americano The Washington Post que as forças russas usaram foguetes de munição cluster smerch, que dispersam submunições ou bombas durante o ataque a Kharkiv. A Human Rights
Watch, a Anistia Internacional e o grupo de código aberto Bellingcat identificaram o uso de munições cluster em outros ataques russos na Ucrânia nos últimos dias.
"Como o plano de ‘operação especial’ de Putin para desmoralizar rapidamente o Exército ucraniano e ocupar grandes cidades sem oposição parece ter falhado, podemos ver um retorno aos bombardeios de área, que causaram tantos danos aos civis chechenos e sírios", afirmou no Twitter o Conflict Intelligence Team, um grupo de inteligência de código aberto que monitora as Forças Armadas da Rússia.
O conselheiro do Ministério do Interior ucraniano, Anton Gerashchenko, escreveu em uma publicação no Facebook, também ontem, que "Kharkiv acaba de ser atacada massivamente por graduados". Ele se referiu aos foguetes russos BM-21 "Grad" de 122 mm disparados de lançadores de foguetes múltiplos em cima de caminhões.
Kharkiv, uma cidade de 1,5 milhão de habitantes a cerca de 40 quilômetros da fronteira com a Rússia, emergiu como um dos principais alvos de Moscou para avançar além do leste e chegar a Kiev.
Os ataques ocorreram enquanto as delegações russas e ucranianas conversavam na fronteira da Ucrânia com a Bielorússia, que é uma forte aliada de Moscou.
SEM ACORDO
As conversas entre autoridades russas e ucranianas terminaram sem avanços, confirmou a agência estatal russa Tass. "As partes estabeleceram uma série de prioridades e questões que exigem algumas decisões", disse Mikhailo Podoliak, um dos negociadores ucranianos, enquanto o chefe da delegação russa, Vladimir Medinski, indicou que nova reunião acontecerá "em breve" na fronteira entre a Polônia e Belarus.
No encontro de ontem, as delegações dialogaram por mais de cinco horas. "Os partidos delinearam algumas questões prioritárias sobre as quais algum progresso está à vista", disse o assessor do gabinete presidencial ucraniano, Majail Podolyak, em um vídeo transmitido pelo Telegram, mas sem detalhar quais seriam as prioridades.
BANCOS ESTRANGULADOS
Os Estados Unidos e a União Europeia congelaram ontem os ativos do Banco Central e do Fundo Soberano da Rússia no exterior, para impedir que o presidente Vladimir Putin use esse recurso para escapar das sanções econômicas em virtude da invasão à Ucrânia. A medida, segundo economistas, tem o potencial de estrangular a economia russa.
O congelamento de ativos se segue à exclusão de bancos russos do sistema de pagamentos global Swift e do congelamento de bens dos principais membros da oligarquia russa. No fim de semana, os efeitos na economia real do país já eram visíveis, com uma corrida a caixas eletrônicos por dinheiro em espécie e o aumento expressivo de bens importados, como eletrônicos e alimentos.
No mercado financeiro, o impacto também foi grave. O rublo desabou e o país decretou feriado bancário por dois dias para evitar uma corrida aos bancos. A taxa de juros subiu de 9.5% para 20% ao ano, numa tentativa da autoridade monetária de evitar a venda de rublos por moeda forte no país. O rublo caiu 30% ontem, cotado a menos de um centavo de dólar.
Com a desvalorização do rublo, os russos estão perdendo poder de compra. "Se as pessoas acreditam numa moeda, ela existe. Se não, ela vira fumaça", disse Michael Bernstam, economista da Universidade de Stanford.
Também ontem, em uma medida inédita, a Suíça abdicou de sua histórica política de neutralidade e congelou os ativos da Rússia e também de uma série de líderes russos, como Putin, o premiê Mikhail Mishustin e o ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov.