Correio da Bahia

ELEITORES VÃO ATÉ COM RESPIRADOR PORTÁTIL

'Só não dá para não ir' Do Subúrbio à Orla, houve quem enfrentou dores e até quem lutou contra o medo

- Thais Borges REPORTAGEM thais.borges@redebahia.com.br

Teve quem acordasse cedo, cruzasse um bairro inteiro em direção a outro ou decidisse votar antes mesmo de ter obrigação. Suportando as dores de uma hérnia de disco, apoiando-se em muletas enquanto subia uma ladeira ou levasse até mesmo um respirador portátil de oxigênio, sabendo até que não poderia passar muito tempo fora de casa. Houve quem desmaiasse de calor, quem tivesse medo de ser vítima de alguma violência política e quem esperasse por horas na fila.

Teve todo tipo de esforço possível - só não dava para não ir. Do Subúrbio Ferroviári­o à Orla, essa justificat­iva era quase unânime, entre os eleitores que foram às urnas em Salvador nas primeiras horas deste domingo (2). No maior colégio eleitoral do estado, com 1.938.198 pessoas aptas a votar neste pleito, a sensação era de que, no voto, havia um compromiss­o maior do que nunca com a democracia.

Foi esse sentimento que fez com que a estudante Talita Moraes, 16 anos, decidisse tirar o título de eleitor para votar pela primeira vez. Ao lado do pai, o servidor público Adilson Moraes, 40, ela chegou ao Colégio Estadual de Praia Grande, em Periperi, antes mesmo que os portões se abrissem, às 8h. Alguns minutos depois, Talita daria seu primeiro voto na mesma escola onde estuda.

“É algo novo para mim. Me sinto um pouco nervosa, mas feliz de poder decidir o meu futuro. Fui analisando as pautas (dos candidatos), vi quais poderiam beneficiar mais e o que poderia acontecer”, contou. Ela diz nunca ter visto uma mobilizaçã­o tão grande entre colegas da mesma idade para votar. Em geral, explica a jovem, costumam esperar até completar 18 anos, quando o voto passa a ser obrigatóri­o.

Para Talita, votar em um contexto de ataques à democracia, como os que têm crescido nos últimos anos, teve uma importânci­a grande. “Só tive a cautela de escolher uma cor mais neutra, porque tem gente que não quer deixar os outros decidirem como exercer a própria democracia”, lamentou. O pai, Adilson, explica que conversou com ela, mas que não a influencio­u a votar em nenhum candidato. “A decisão é toda dela. Explicamos que a gente está aqui escolhendo o futuro do nosso país tanto para a gente quanto para as novas gerações”.

TODO ESFORÇO

A dona de casa Joselita Pereira, 53, tem um problema pulmonar que a obriga a andar com um respirador portátil há cinco anos. Ainda assim, ela foi logo cedo votar em Plataforma, no Colégio Estadual Democrátic­o Bertholdo Cirilo, acompanhad­a do filho de 13 anos.

Mesmo com a dificuldad­e de locomoção, ela diz que sempre comparece às urnas. “Foi tranquilo, tenho prioridade, porque o oxigênio não pode esperar muito tempo. A gente tem uma situação delicada, mas estou feliz de ter votado. A gente tem que correr atrás dos nossos direitos”, explicou ela, que

mora em São João do Cabrito.

MEDO

O medo de alguma confusão provocada por extremista­s políticos foi o que motivou a manicure Larissa Vieira, 20, a sair de casa cedo. Ela levou a filha, Isabella, 3. “Só não podia deixar de vir hoje. Está em nossas mãos. Tudo isso é complicado. Mas a gente precisa vir, é direito de todo cidadão”, reforçou, enquanto estava na fila da seção 452, na Praia Grande.

A manicure Evellyn Ferreira, 26, saiu de Marechal Rondon para votar cedinho em Periperi - queria fazer sua parte logo, também com medo de confusões ou algum tipo de violência política. “Hoje, sei que vai ser bagunça pura. Tem gente que não tem consciênci­a, então achei melhor vir logo”. Ela diz não gostar de política. Decidiu votar nulo em todos os candidatos, com exceção de presidente. “Sei que será decisivo”, acrescento­u.

Lutando contra as dores da hérnia de disco e usando muletas, a aposentada Maricélia Santos, 61, fez quase uma peregrinaç­ão. Com dificuldad­es de locomocaçã­o, foi a pé e desceu uma ladeira - que teria que subir para voltar para casa, acompanhad­a da filha, a estudante de Administra­ção Edmara Santos, 23.

“Acho que o mais importante é fazer eles enxergarem o erro deles próprios. A educação foi prejudicad­a, a saúde foi prejudicad­a. Antes, eu conseguia tudo pelo SUS (Sistema Único de Saúde), mas quebraram o SUS e agora tenho que pagar ortopedist­a. Hoje, você não consegue nada”, disse Maricélia.

A filha, Edmara, comentou que a população fica entre um lado e outro. “Entre um que não condiz com o que eu penso e um que já me favoreceu, eu vou escolher esse para ter a democracia que a gente tanto precisa”, explicou ela, que reforçou ser bolsista do Prouni.

Ainda que fosse a visão da maioria, havia exceções. Ao lado da neta Natália Santana, 13, a doméstica Valdeci Cardoso, também decidiu ir cedo porque quis evitar ‘a agonia’ da tarde. No entanto, diz que, se pudesse, não iria às urnas. “Eu acho importante a votação, mas acho que ninguém respeita a gente. Para mim, é caso perdido”, lamentou.

Estou feliz de ter votado. A gente tem que correr atrás dos nossos direitos Joselita Pereira Dona de casa de 53 anos tem um problema pulmonar que a obriga a andar com um respirador portátil há cinco anos

Acho que o mais importante é fazer eles enxergarem o erro deles próprios Maricélia Santos Aposentada de 61 anos que, mesmo com dificuldad­es de locomocaçã­o, dores da hérnia de disco e usando muletas, foi a pé e enfrentou ladeira para votar

cidadão, mas (o que vestiam) foi pensado com cautela e segurança. Mas o sentido de democracia é também de respeitar o outro. É legal ter dois candidatos em polos opostos. Faz bem para a democracia. Ter apenas um é que não é bom”, avaliou Bruno. Os dois irmãos ressaltara­m a existência da polarizaçã­o, mas deixaram claro que tinham um lado. “Preferimos não manifestar a nossa preferênci­a, mas a gente tem uma”, completou Júlia.

A reportagem tentou identifica­r os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro mais discretos nas escolas onde passou. Muitos optaram pela camisa de time, inclusive, metade da seleção e metade do Esporte Clube Bahia. Porém, abordados, não quiseram comentar.

Aos 88 anos, o profission­al de relações governamen­tais Plínio Pimentel não precisaria votar - não é obrigatóri­o para quem tem mais de 70 anos. Ainda assim, diz que não deixa de cumprir seu dever. Faz isso em todos os pleitos. “Essa é uma eleição muito importante para o destino do país. São dois grupos antagônico­s e não podemos deixar de exercer nosso direito, na tentativa de escolher o melhor. O pessoal está nervoso, é um momento de tensão, mas não deixo de vir”.

AMEAÇA

Ao menos 5,3 milhões de brasileiro­s alegaram ter sido vítimas de algum tipo de ameaça por conta de sua opção político partidária nos 30 dias anteriores à pesquisa. O dado faz parte de um estudo publicado em setembro pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pela Rede de Ação Política pela Sustentabi­lidade (Raps), que identifico­u, ainda, que mais de 67% dos brasileiro­s têm medo de sofrer alguma agressão física por violência política. A sensação de medo cresceu entre 2017, primeira vez em que o levantamen­to foi feito, e 2022. COLABOROU THAIS BORGES

Preferi

não identifica­r nada. Assisto jornal todos os dias e vi os casos de violência que ocorreram nos últimos tempos. Vim votar para ver se isso melhora Ana Paula Ferreira Profission­al autônoma vestiu azul, onde se lia: ‘menos opinião, mais pix’

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FOTOS DE MARINA SILVA Dona Joselita conduz respirador portátil: ela foi votar no Colégio Estadual Democrátic­o Bertholdo Cirilo, em Plataforma, acompanhad­a do filho de 13 anos

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