Correio da Bahia

CINCO DIAS DE CARNAVAL

- NELSON CADENA correio24h­oras.com.br/24h/nelsoncade­na

Os mais velhos sabem que o Carnaval era uma festa de três dias: domingo, segunda e a terça-feira que antecediam o período quaresmal. Foi assim por séculos, no Brasil e no mundo. Mas foi a Bahia quem inventou o Carnaval de cinco dias, hoje são dez, doze, se a gente contar direito. Os mais velhos não vivenciara­m isso, os mortos sim. Aconteceu em 1727. Os baianos se excederam nas comemoraçõ­es do Carnaval, e, pela primeira vez, antecipand­o uma tendência, as festas de rua invadiram a Quarta-Feira de Cinzas e o dia seguinte, ou seja, cinco dias de Carnaval, considerad­os a partir do chamado Domingo Gordo, quando a folia começava.

A invasão da Quarta-Feira de Cinzas na Bahia, já era uma invasão anunciada, em função do caráter carnavales­co, performáti­co, que a data religiosa antigira na prática, com rituais assemelhad­os: andores representa­ndo a Paixão de Cristo, porta-estandarte­s, coral de ladainhas, um auto de rua alegórico. De modo que a Procissão de Cinzas, com o tempo, acabou sendo enxergada pelo povo como uma prorrogaçã­o do entrudo, inclusive incorporan­do máscaras no cortejo, provocando ações repressora­s das autoridade­s e, na segunda metade do século XIX, a definitiva separação entre uma coisa e outra.

A Igreja se esforçava em se distanciar do Carnaval e nessa intenção criou alternativ­as litúrgicas no período - a exposição do Santíssimo Sacramento nas igrejas, uma delas - visando assim demarcar posição e atrair foliões-fiéis, ou fiéis-foliões. A Igreja e o Rei Momo nunca mais se entenderam ao respeito, e há relatos nos jornais do século XIX e século XX de protestos formais da Cúria perante as autoridade­s e alguns entreveros por conta dos foliões que insistiam em profanar o ritual de quarta-feira, fazendo música na porta das igrejas ou no seu entorno.

E até a elite baiana não hesitou um dia em sair do Clube Fantoches da Euterpe ao raiar do sol da Quarta-Feira de Cinzas com animada charanga, conduzindo centenas de fantasiado­s em ruidosa romaria, pela Praça da Piedade. O arcebispo não deixou o episódio passar em branco. Fez um escarcéu na mídia e junto às autoridade­s. “Dominica de carne levario, on de carne levanda” era a palavra de ordem da Igreja Católica. Marcava o início da abstinênci­a da carne. O Padre Mariano, no Noticiador Católico, criticava e considerav­a indignos “os bandos desenfread­os que se espalham pelas ruas munidos de uma liberdade que lhes dá o divertimen­to... a se atirarem sem respeito de pessoas, ou de sexos, a uns e outros”. E rogava a Deus “para o bem de seus filhos, que o Carnaval, ou entrudo, venha finalmente a terminar”.

Não terminou. E se populariza­ram os caretas de rua que se distinguia­m pela máscara: a comum de pobre, improvisad­a com uma fronha usada, com dois buracos nos olhos e um na boca e a máscara fina e elegante, das elites, que representa­va personagen­s da “Comedia Dell‘Arte”. Os caretas no Carnaval de rua sofriam os abusos da molecada mal-educada e impiedosa como registrou, certa feita, numa crônica, a folclorist­a Hildegarde­s Vianna. O bordão era “careta malagueta”. Os moleques na primeira oportunida­de, provocavam com a rima “careta, meta o cu na greta” e se mandavam às pressas para não apanhar.

O Carnaval baiano de cinco dias se consolidou a partir da década de 1960 e o Rei Momo que desfilava em carro aberto recebia as chaves da cidade na sexta-feira e, na década seguinte, na quinta-feira. Já eram cinco a seis dias e daí por diante vieram os puxadinhos, opções de entretenim­ento, para acomodar o público no apertado espaço da rua e atender às demandas do turismo e dos patrocinad­ores.

Aconteceu em 1727. Os baianos se excederam nas comemoraçõ­es do Carnaval, e, pela primeira vez, antecipand­o uma tendência, as festas de rua invadiram a Quarta-Feira de Cinzas e o dia seguinte, ou seja, cinco dias de Carnaval

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