CINCO DIAS DE CARNAVAL
Os mais velhos sabem que o Carnaval era uma festa de três dias: domingo, segunda e a terça-feira que antecediam o período quaresmal. Foi assim por séculos, no Brasil e no mundo. Mas foi a Bahia quem inventou o Carnaval de cinco dias, hoje são dez, doze, se a gente contar direito. Os mais velhos não vivenciaram isso, os mortos sim. Aconteceu em 1727. Os baianos se excederam nas comemorações do Carnaval, e, pela primeira vez, antecipando uma tendência, as festas de rua invadiram a Quarta-Feira de Cinzas e o dia seguinte, ou seja, cinco dias de Carnaval, considerados a partir do chamado Domingo Gordo, quando a folia começava.
A invasão da Quarta-Feira de Cinzas na Bahia, já era uma invasão anunciada, em função do caráter carnavalesco, performático, que a data religiosa antigira na prática, com rituais assemelhados: andores representando a Paixão de Cristo, porta-estandartes, coral de ladainhas, um auto de rua alegórico. De modo que a Procissão de Cinzas, com o tempo, acabou sendo enxergada pelo povo como uma prorrogação do entrudo, inclusive incorporando máscaras no cortejo, provocando ações repressoras das autoridades e, na segunda metade do século XIX, a definitiva separação entre uma coisa e outra.
A Igreja se esforçava em se distanciar do Carnaval e nessa intenção criou alternativas litúrgicas no período - a exposição do Santíssimo Sacramento nas igrejas, uma delas - visando assim demarcar posição e atrair foliões-fiéis, ou fiéis-foliões. A Igreja e o Rei Momo nunca mais se entenderam ao respeito, e há relatos nos jornais do século XIX e século XX de protestos formais da Cúria perante as autoridades e alguns entreveros por conta dos foliões que insistiam em profanar o ritual de quarta-feira, fazendo música na porta das igrejas ou no seu entorno.
E até a elite baiana não hesitou um dia em sair do Clube Fantoches da Euterpe ao raiar do sol da Quarta-Feira de Cinzas com animada charanga, conduzindo centenas de fantasiados em ruidosa romaria, pela Praça da Piedade. O arcebispo não deixou o episódio passar em branco. Fez um escarcéu na mídia e junto às autoridades. “Dominica de carne levario, on de carne levanda” era a palavra de ordem da Igreja Católica. Marcava o início da abstinência da carne. O Padre Mariano, no Noticiador Católico, criticava e considerava indignos “os bandos desenfreados que se espalham pelas ruas munidos de uma liberdade que lhes dá o divertimento... a se atirarem sem respeito de pessoas, ou de sexos, a uns e outros”. E rogava a Deus “para o bem de seus filhos, que o Carnaval, ou entrudo, venha finalmente a terminar”.
Não terminou. E se popularizaram os caretas de rua que se distinguiam pela máscara: a comum de pobre, improvisada com uma fronha usada, com dois buracos nos olhos e um na boca e a máscara fina e elegante, das elites, que representava personagens da “Comedia Dell‘Arte”. Os caretas no Carnaval de rua sofriam os abusos da molecada mal-educada e impiedosa como registrou, certa feita, numa crônica, a folclorista Hildegardes Vianna. O bordão era “careta malagueta”. Os moleques na primeira oportunidade, provocavam com a rima “careta, meta o cu na greta” e se mandavam às pressas para não apanhar.
O Carnaval baiano de cinco dias se consolidou a partir da década de 1960 e o Rei Momo que desfilava em carro aberto recebia as chaves da cidade na sexta-feira e, na década seguinte, na quinta-feira. Já eram cinco a seis dias e daí por diante vieram os puxadinhos, opções de entretenimento, para acomodar o público no apertado espaço da rua e atender às demandas do turismo e dos patrocinadores.
Aconteceu em 1727. Os baianos se excederam nas comemorações do Carnaval, e, pela primeira vez, antecipando uma tendência, as festas de rua invadiram a Quarta-Feira de Cinzas e o dia seguinte, ou seja, cinco dias de Carnaval