Correio da Bahia

Ser, eis a questão

- Artigo Oscar Paris

Imagine acordar em um corpo que não é o seu. Um tipo físico que você não tem a menor identifica­ção e que por isso mesmo lhe confunde e aprisiona. Uma aparência que no espelho não reflete o que você é, não espelha seus desejos e sonhos, não lhe reafirma como pessoa e cidadão (ã). O pesadelo tem ainda fortes pinceladas de preconceit­o, intolerânc­ia e vulnerabil­idade social.

É claro, ninguém em sã consciênci­a desejaria viver, nem por um dia, neste estado de coisas, com dor, sofrimento e necessidad­e diária de superação. Superação sem romantismo­s, diga-se. Compreende­ndo este roteiro que parece ficção, fica fácil entender que nenhum ser humano opta por esta ou aquela identidade de gênero. Ninguém faz força para ser transgêner­o (a). A pessoa simplesmen­te nasce e desde que se reconhece por gente, apenas reza para que você e ninguém a atrapalhe. Feito isso, como diria o ditado popular, “não é preciso nem que Deus lhe ajude”. Mas infelizmen­te não é assim.

Em pleno século XXI ainda tem quem se julgue na posição de julgar o outro, de querer decidir o que se pode ou não fazer, de impor sua verdade, suas crenças, seus dogmas e conceitos pré-estabeleci­dos. De ser intolerant­e baseado em argumentos da Idade Média, no ódio, no rancor e do medo da felicidade alheia que, para muitos, pode ser perigosa e contagiant­e. Como aliás deveria ser toda felicidade que brota de algo nobre e altruísta.

O Mês da Visibilida­de Trans, numa sociedade mais inclusiva e humana, sequer existiria. Mas como ainda estamos longe desse ideário de civilizaçã­o, celebremos o janeiro como uma maneira de dar voz e vez a todos, todas e todes que olharam para dentro de si e enxergaram pessoas com potencial idades tantas, que assumir esta ou aquela identidade de gênero é apenas mais um detalhe.

E embora a estrada seja longa, muitas conquistas foram pavimentan­do a luta pela promoção da defesa e dos direitos da população LGBTQIAPN+, em especial das pessoas trans. A garantia legal de retificaçã­o de prenome e gênero, por exemplo, põe fim a situações constrange­doras e exige dos agentes públicos, em todas as instâncias - com destaque para saúde e segurança pública-, melhor preparo para o atendiment­o e encaminham­ento de demandas específica­s.

Então chegou a sua vez. Bote a mão na consciênci­a e entenda que parcela da população trans ainda sobrevive do sexo porque talvez você, seu patrão e seus colegas de trabalho jamais pensaram em oportuniza­r algo menos perigoso e insalubre.

Pior, as políticas públicas, como aquelas que possibilit­am o acesso à educação, caminho reconhecid­o como o mais eficaz para a inclusão e ascensão social, ainda são embrionári­as, insuficien­tes e muitas vezes alvo de ataques intolerant­es direcionad­os a quem não cometeu nenhum delito ou crime. Apenas nasceu do jeito que Deus lhe colocou no mundo. A sua imagem e semelhança. Entendendo isso, você estará pronto para cuidar de sua vida.

OSCAR PARIS É CEO DA PLENAMIND HUB E ASSESSOR DE COMUNICAÇíO DO CENTRO DE PROMOÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS LGBT - CPDD BAHIA.

O Mês da Visibilida­de Trans, numa sociedade mais inclusiva e humana, sequer existiria. . Mas como ainda estamos longe desse ideário de civilizaçã­o

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