Ser, eis a questão
Imagine acordar em um corpo que não é o seu. Um tipo físico que você não tem a menor identificação e que por isso mesmo lhe confunde e aprisiona. Uma aparência que no espelho não reflete o que você é, não espelha seus desejos e sonhos, não lhe reafirma como pessoa e cidadão (ã). O pesadelo tem ainda fortes pinceladas de preconceito, intolerância e vulnerabilidade social.
É claro, ninguém em sã consciência desejaria viver, nem por um dia, neste estado de coisas, com dor, sofrimento e necessidade diária de superação. Superação sem romantismos, diga-se. Compreendendo este roteiro que parece ficção, fica fácil entender que nenhum ser humano opta por esta ou aquela identidade de gênero. Ninguém faz força para ser transgênero (a). A pessoa simplesmente nasce e desde que se reconhece por gente, apenas reza para que você e ninguém a atrapalhe. Feito isso, como diria o ditado popular, “não é preciso nem que Deus lhe ajude”. Mas infelizmente não é assim.
Em pleno século XXI ainda tem quem se julgue na posição de julgar o outro, de querer decidir o que se pode ou não fazer, de impor sua verdade, suas crenças, seus dogmas e conceitos pré-estabelecidos. De ser intolerante baseado em argumentos da Idade Média, no ódio, no rancor e do medo da felicidade alheia que, para muitos, pode ser perigosa e contagiante. Como aliás deveria ser toda felicidade que brota de algo nobre e altruísta.
O Mês da Visibilidade Trans, numa sociedade mais inclusiva e humana, sequer existiria. Mas como ainda estamos longe desse ideário de civilização, celebremos o janeiro como uma maneira de dar voz e vez a todos, todas e todes que olharam para dentro de si e enxergaram pessoas com potencial idades tantas, que assumir esta ou aquela identidade de gênero é apenas mais um detalhe.
E embora a estrada seja longa, muitas conquistas foram pavimentando a luta pela promoção da defesa e dos direitos da população LGBTQIAPN+, em especial das pessoas trans. A garantia legal de retificação de prenome e gênero, por exemplo, põe fim a situações constrangedoras e exige dos agentes públicos, em todas as instâncias - com destaque para saúde e segurança pública-, melhor preparo para o atendimento e encaminhamento de demandas específicas.
Então chegou a sua vez. Bote a mão na consciência e entenda que parcela da população trans ainda sobrevive do sexo porque talvez você, seu patrão e seus colegas de trabalho jamais pensaram em oportunizar algo menos perigoso e insalubre.
Pior, as políticas públicas, como aquelas que possibilitam o acesso à educação, caminho reconhecido como o mais eficaz para a inclusão e ascensão social, ainda são embrionárias, insuficientes e muitas vezes alvo de ataques intolerantes direcionados a quem não cometeu nenhum delito ou crime. Apenas nasceu do jeito que Deus lhe colocou no mundo. A sua imagem e semelhança. Entendendo isso, você estará pronto para cuidar de sua vida.
OSCAR PARIS É CEO DA PLENAMIND HUB E ASSESSOR DE COMUNICAÇÃO DO CENTRO DE PROMOÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS LGBT - CPDD BAHIA.
O Mês da Visibilidade Trans, numa sociedade mais inclusiva e humana, sequer existiria. . Mas como ainda estamos longe desse ideário de civilização