Fazenda Coutos na mira dos tiroteios
Bairro registra mais de quatro ocorrências por mês, sendo um dos mais violentos
"Não é como se fosse um bang-bang. Todo mundo aqui vive, trabalha, circula. Porém, vez ou outra, acontece de ter troca de tiros", conta um morador de Fazenda Coutos que prefere não se identificar. Nesse ritmo descrito por quem vive no bairro, só no 2º semestre de 2022, foram 27 tiroteios, que deixaram seis mortos e dois feridos.
De acordo com levantamento feito pelo Instituto Fogo Cruzado, o bairro é o que mais registrou ocorrências desse tipo em Salvador e fica à frente de São Cristóvão (20), Águas Claras (20), Lobato (19) e Engenho Velho da Federação (17), que completam as cinco localidades consideradas as mais violentas, por ações armadas, na capital.
Em média, Fazenda Coutos registrou de junho a dezembro do ano passado, 4,5 tiroteios por mês. O maior vetor do problema, diz a população, é o conflito entre grupos criminosos rivais. "É guerra de facção, como ocorre em outros bairros. Um grupo tenta pegar o território do outro. Para isso, precisam matar", conta outro morador.
As fontes ouvidas pela reportagem preferem não revelar seus nomes por medo. As informações, porém, se confirmam nos dados do Fogo Cruzado, que também apura os motivos de cada ocorrência registrada. Segundo o instituto, dos 27 tiroteios em Fazenda Coutos, 18 foram causados por disputas de território por grupos armados.
AUSÊNCIA DO ESTADO
Resumir a causa da violência que incide sobre o bairro às facções, no entanto, é redutivo, diz o comandante da 19ª Companhia da Polícia Militar
Dos 27 conflitos armados em Fazenda Coutos no 2º semestre de 2022, 18 foram briga de facções
da Bahia (CIPM), Everaldo Maciel, que é responsável pelo policiamento ostensivo no bairro. Ele confirma a existência dos conflitos entre as facções, mas pondera que as razões para isso são diversas. "Existe um conflito, isso é real. No entanto, para quebrar esse ciclo vicioso, não é só polícia, precisa de política pública. O problema de Fazenda Coutos, assim como de qualquer bairro popular, é a ausência do poder público em nível municipal, estadual e federal", afirma.
"Você tem aqui uma área extremamente carente, com problemas sociais agudos. Não tem, por exemplo, creches públicas e escolas suficientes para as crianças. Isto facilita o trabalho do crime organizado para cooptar essas pessoas", continua o tenente-coronel da PM.
A prevenção da violência passa pela garantia de direitos como saúde, educação e espaços de lazer e cultura. Os bairros que não recebem esses investimentos também são os que registram os maiores índices de violência. É o que defende o cofundador da Iniciativa Negra por Uma Nova Política de Drogas e coordenador da Rede de Observatórios da Segurança Pública na Bahia, Dudu Ribeiro.
ESTIGMA E RACISMO
Outro ponto que reforça a incidência de violência nas localidades é a opção do Estado pelo modelo de guerra às drogas, em vez de investir em políticas públicas. “Nossa preocupação é mostrar que há outras opções, mas que não são feitas porque são bairros de maioria negra. É uma escolha com influência histórica, enraizada no racismo estrutural”, afirma Dudu Ribeiro. Assim, antes de serem violentos, estes são bairros violentados e, consequentemente, estigmatizados, continua o especialista. “À medida que fecham escolas, postos de saúde, não constroem teatros, uma quadra de esportes, nem desenvolvem incentivos que possam reforçar a garantia de direitos que combatem a violência, temos este resultado”, diz o coordenador da Rede de Observatórios da Segurança Pública na Bahia.
Tanto a gestão municipal de Salvador como a administração estadual da Bahia foram questionadas sobre a presença em Fazenda Coutos através de creches, escolas públicas, unidades de saúde e políticas públicas que afirmassem a presença do Estado na região. No entanto, até o fechamento desta edição, às 23h de ontem, os órgãos não deram retorno sobre os equipamentos e serviços prestados à população do bairro.
Sobre o policiamento, a Polícia Militar da Bahia (PMBA) disse que ele é realizado pela 19ª CIPM, que emprega viaturas em rondas e abordagens com o objetivo de prevenir delitos na região. A PM também destacou que a área conta ainda com apoio de equipes da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT)/Rondesp BTS.