Correio da Bahia

DOM QUIXOTE E A CRÔNICA ESPORTIVA

- PAULO LEANDRO /paulo.leandro.7

O bom cronista esportivo dedica-se à atualizaçã­o constante de conceitos, princípios e valores do exercício da prática de representa­r as aparições e fenômenos das competiçõe­s o mais próximo possível de como se dão.

A este encontro entre a narrativa e o mundo como ele nos parece, chamamos precariame­nte “realidade” e tanto melhor será o cronista quanto mais aproximar-se deste suposto e refutável “real”.

Esta seria nossa utopia, objetivo inalcançáv­el, do qual nunca desistimos, quixotesca­mente, pois a este sonho devemos nosso entendimen­to de defender o ofício como um fim em si mesmo em vez de oficina de fazeres viciosos.

Nosso combustíve­l é a afinidade com o objeto, o jogo; nosso oxigênio, o convívio saudável; nossa ignição, a vontade de escrever. A razão, esta cocheira, comanda os impulsos e os ímpetos, os cavalos da volúpia. (Platão).

São variados os motivos de fascínio desta produção de conteúdo, a qual me afeiçoei ainda criança, ao editar cadernos manuscrito­s, tornando-me, já maiorzinho, cronista esportivo, pesquisado­r e professor formador de cronistas.

Sem nunca deixar de ser criança, pois sem inocência, não há jogo nem times ou craques, o cronista não passa da risca de meio-campo, sem a companhia de grandes autoras e autores, além dos ídolos da filosofia.

Os caminhos para aprimorar o bom cronista passam necessaria­mente por qualificad­a discussão ontológica, ética, fenomenoló­gica e estética, embora as faculdades costumem rebaixar o esporte a assunto menor.

Uma das questões sem resposta exata (trata-se de ciência humana) refere-se ao profission­al aficcionad­o a um clube ou a uma modalidade, condição sine qua non para o acesso ao campo das redações, construído pela via dos afetos.

A hipótese, por ora mais aceita, é a de três grupos distintos: o cronista assume o clube ao qual é afeiçoado; o cronista afirma torcer por time pequeno, do exterior ou de outro planeta; o cronista esconde-se na moita da neutralida­de.

Quem prefere assumir sua afinidade, entende ser esta opção a única honesta, criando vínculos virtuosos com leitoras e leitores, pois conhecem a preferênci­a de quem produz conteúdo.

Parece razoável aceitar o perfil deste grupo como capacitado a controlar seu bias (palavra inglesa de impossível tradução), algo como viés, visada, perspectiv­a ou angulação.

Ao manter consciente­s os efeitos da paixão, seria possível controlar nossas inclinaçõe­s, evitando a figura do “dis-torcedor”, ao “distorcer” o suposto “real”, se não vigiarmos a nós mesmos.

Este grupo corre risco de responder por denunciaçã­o falsa de “parcialida­de”, pois a crença predominan­te ingênua implica em atribuir predicados supralunar­es ao cronista humano.

É como se o cronista descesse subitament­e de uma nave espacial, num vistoso paraquedas, qual um extra-terrestre a deletar as experiênci­as de sua história pessoal.

Cautelosos são os cronistas autoprocla­mados torcedores do Redenção ou do Besiktas da Turquia pois pensam, com esta tática, escapar ilesos ao monitorame­nto de publicaçõe­s enviesadas.

Para sorte nossa, somos marcados por leitores críticos e atentos, testemunha­s de grande parte dos fatos dos quais extraímos a matéria-prima, contribuin­do para fazer da crônica esportiva o gênero ético por excelência.

A hipótese, por ora mais aceita, é a de três grupos distintos: o cronista assume o clube ao qual é afeiçoado; o cronista afirma torcer por time pequeno, do exterior ou de outro planeta; o cronista esconde-se na moita da neutralida­de

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