Dialogar é a única saída
Responsável pelos pilares que sustentam a ciência política moderna e autor de aforismas eternizados desde o Renascimento, o filósofo italiano Nicolau Maquiavel sintetizou uma condição essencial para qualquer governante: “A política tem pelo menos duas caras. A que se expõe aos olhos do público e a que transita nos bastidores do poder”. Embora a expressão pareça, em análise superficial, apenas artifício de sarcasmo, ela faz referência à necessária arte de dialogar longe do escrutínio de quem desconhece como é construída e concretizar a agenda de projetos prioritários e a fundamental governabilidade em países regidos pelo sistema de democracia representativa.
A disputa pelo comando das duas casas do Parlamento federal mostrou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não terá vida fácil no Congresso e precisará exercitar bastante a segunda face da política desnudada por Maquiavel para conseguir colocar a roda no giro certo. O que vai exigir trânsito fluido e bem azeitado nos círculos do poder. De início, a vitória maiúscula do deputado Arthur Lira (PP-AL), com recorde de 464 votos ante 513 possíveis, em quase nada se deve ao apoio de Lula à reeleição do alagoano na Câmara.
Na verdade, a bênção presidencial ocorreu diante do inevitável triunfo de Lira, àquela altura já consolidado por uma frente elástica. Caso deixasse suas digitais de fora do processo, Lula criaria arestas dispensáveis nas relações com o Legislativo e, por efeito conexo, poderia atrapalhar o andamento de propostas de interesse do Executivo. A segunda etapa da sucessão no Congresso deixou ainda mais evidente a importância de apostar alto na tarefa do diálogo sem descanso.
Ao contrário do seu par na Câmara, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), candidato apoiado pelo presidente, garantiu o segundo mandato por um placar bem menos folgado no duelo com Rogério Marinho (PL-RN) - 49 votos contra os 32 obtidos pelo representante do bolsonarismo na batalha pelo controle da Casa. Em ambos os casos, o resultado reforça o obrigatório empenho da nova gestão em manter as portas abertas para conversar com parlamentares e demais agentes políticos. Quando maior for a dedicação para negociar, maiores serão as chances de assegurar a governabilidade pelos próximos quatro anos.
O presidente não pode esquecer de que herdou o Brasil rachado, após uma corrida eleitoral decidida por vantagem apertadíssima nas urnas. Ao mesmo tempo, Lula tem consciência de que está longe de possuir maioria segura para efetivar projetos de grande impacto. Lista que inclui a definição de uma nova âncora fiscal e reformas urgentes para a retomada do desenvolvimento econômico do país. Especialmente, a tributária.
Mesmo que tenha atraído para o ministério quadros de três grandes partidos de centro-direita - União Brasil, MDB e PSD -, o Planalto sabe que o acerto não é de porteira fechada. Ou seja, não agrega apoio majoritário dos deputados e senadores dessas legendas. Assim, vale ouvir com atenção o conselho de outro lendário frasista, o ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill, célebre pela habilidade: “Não adianta tentar negociar com o tigre quando sua cabeça já está dentro da boca dele”.
A disputa na Câmara e no Senado mostra que a governabilidade de Lula só virá por meio da arte de negociar