Movida pela emoção e pelo desafio
Despedida O carisma foi a principal marca de Glória Maria, a primeira jornalista negra da televisão brasileira
“Não é exagero dizer que ela é o maior nome feminino do telejornalismo brasileiro”. Foi assim que a jornalista Vera Magalhães, apresentadora do Roda Viva, abriu o programa quando entrevistou a colega Glória Maria, em março de 2022. E muito provavelmente, não é exagero mesmo. Afinal, estamos falando de uma profissional que, no dia daquela entrevista, já tinha mais de 50 anos de jornalismo e havia participado de momentos históricos, como a cobertura da Guerra das Malvinas e a posse de Jimmy Carter em Washington (EUA). Foi também apresentadora de dois dos programas jornalísticos de maior importância da Globo: Fantástico e Globo Repórter.
E era uma mulher corajosa e persistente, como observaram muitos colegas em sua despedida. Glória Maria morreu ontem, no Hospital Copa Star, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Em 2019, ela foi diagnosticada com um câncer de pulmão e fez um bem-sucedido tratamento com imunoterapia. A idade não foi revelada, respeitando a uma vontade expressada ao longo da vida pela primeira jornalista negra da televisão brasileira.
Tempos depois, ocorreu metástase no cérebro e a jornalista teve de passar por cirurgia, que também teve êxito. Em meados do ano passado, Glória Maria começou uma nova fase do tratamento para combater novas metástases cerebrais. A jornalista deixa duas filhas, Maria, de 15 anos, e Laura, de 14. As informações sobre o enterro ainda não haviam sido divulgadas até o fechamento desta edição.
PIONEIRISMO
Glória Maria Matta da Silva nasceu no Rio, em uma família simples e de pouco estudo. Era filha do alfaiate Cosme Braga da Silva e da dona de casa Edna Alves Matta. Aluna de colégios públicos, tinha bom desempenho em línguas e dizia que venceu vários concursos de redação. Na escola, aprendeu francês, inglês e latim. Quando entrou na Faculdade de Jornalismo da Pontifícia Universidade
lugares exóticos. Também realizou entrevistas com celebridades como Michael Jackson, Harrison Ford, Nicole Kidman, Leonardo Di Caprio e Madonna, marcadas pela espontaneidade e pelo jogo de cintura.
Glória confessou que ficou muito nervosa quando foi entrevistar Madonna, a maior estrela feminina do pop mundial por cerca de duas décadas. “Diziam que a Madonna era difícil. Foi antipaticíssima com a Marília Gabriela e debochou do seu inglês”. Ao chegar, Glória foi informada de que tinha quatro minutos para entrevistar a cantora. Apesar do pânico, falou: “Olha, Madonna, eu tenho quatro minutos, vou errar no inglês, estou assustada, acho que já perdi os quatro minutos.” Para sua surpresa, a estrela virou-se para a equipe técnica e disse: “Dê a ela o tempo que ela precisar.”
Em 2008, Glória pediu uma licença de dois anos da Globo, quando foi ser voluntária na Nigéria e na Índia. Ao retornar, em 2010, pediu para atuar no Globo Repórter e teve o desejo atendido. Lá, realizou viagens que marcaram sua carreira e até geraram memes na internet, como a inesquecível visita a uma comunidade rastafári jamaicana. Lá, fumou maconha, que “bateu onda” e sua reação divertiu a internet.
Mas, apesar da fama de corajosa e valente, Glória confessou ao site Memória Globo que era movida pelo susto: “Eu sou uma pessoa movida pela curiosidade e pelo susto. Se eu parar para pensar racionalmente, não faço nada. Tenho que perder a racionalidade para ir, deixar a curiosidade e o medo me levarem, que aí eu faço qualquer coisa”.
Eu nunca tinha pensado em ter filhos até que vi as duas pela primeira vez e tive certeza que elas eram minhas filhas. Isso é uma coisa que não sei explicar. É uma viagem incomparável Glória Maria Sobre a adoção de Maria e Laura