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Amaior crise humanitári­a já enfrentada pelos Yanomami se transformo­u em um círculo infinito vicioso marcado por violência, degradação sanitária e tentativa de extermínio contra os povos que habitam o maior território indígena do Brasil. Nele, as tragédias se sucedem, cada uma pior que a outra, mas todas de natureza criminosa. A mais recente expôs o nível de crueldade gerado pelo avanço do garimpo ilegal sobre as 371 comunidade­s espalhadas por 10 milhões de hectares entre os estados de Amazonas e Roraima, cujos efeitos deixarão uma herança moldada em perversida­de.

Os detalhes sobre o novo suplício enfrentado pelos Yanomami estamparam os espaços de destaque na imprensa nacional já nas primeiras horas de sexta-feira e chocaram a parcela do país sensibiliz­ada com o drama vivido por eles: a denúncia de que pelo menos 30 meninas e adolescent­es da etnia ficaram grávidas após abusos sexuais cometidos por garimpeiro­s em Roraima. A informação foi revelada à Agência Brasil e à Rádio Eldorado pelo secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescent­e, Ariel de Castro.

De acordo Castro, os relatos que deram origem à denúncia foram apresentad­os pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) a uma comitiva do governo federal, durante visita realizada pelo grupo, segunda-feira, à sede do Distrito Especial Yanomami do estado situado no Norte do Brasil. “Pedimos mais informaçõe­s ao

CIR para termos os nomes das jovens e solicitarm­os apurações dos possíveis estupros de vulnerávei­s para a Polícia Civil de Roraima, Polícia Federal e Ministério Público Federal (MPF)”, disse Castro.

Por volta das 10h30 da mesma sexta, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, informou que o governo federal havia determinad­o a apuração do caso. Na sequência, o MPF afirmou também a abertura,

s 17h30 de uma terça-feira de verão, um italiano grisalho está à espera de alguém. Ele e um francês são os únicos clientes deste bar no Porto da Barra. “Desculpa a demora, mandei mensagem, mas você não respondeu”. Surge o “alguém”: uma baiana, cabelos presos num coque e vestido florido. Ela tem 29 anos. Ele aparenta mais de 60.

“Fiz muita coisa hoje, matriculei meu filho, fui fazer a unha...”, conta, ao que um garçom serve cerveja aos dois. “Para ficar mais gostosa do que você é, né?”, diz o funcionári­o. Os três riem. A reportagem testemunha o papo na mesa ao lado.

Os dois conversam banalidade­s. Ela alterna entre o “senhor” e o “você” até induzir ao assunto que os une: “Então, [você] precisa de companhia”. O estrangeir­o retruca. “Tenho uma esposa linda. Você fica ofendida?”, pergunta, em português. “Tenho 29 anos, compreendo bastante”, ela responde.

A conversa reflete como o turismo com motivação sexual (ou turismo sexual) acontece em Salvador, sendo parte de uma teia que envolve de guias de turismo a recepcioni­stas de hotéis, visível em códigos nas ruas e em sites ou aplicativo­s de namoro. O período mais movimentad­o está prestes a começar: as semanas anterior e posterior ao Carnaval.

A Organizaçã­o Mundial do Turismo (OMT) define essa prática como “viagens com a intenção” de sexo pago “com residentes do destino”. Pesquisado­res incluem relações sem natureza comercial, mas entreposto por abismos econômicos, com nativos.

Viajar em busca de sexo não é crime, mas pode integrar uma zona criminosa: a do assédio e exploração sexual, adulta e infantil, e o tráfico de pessoas.

A REDE DO SEXO

Toda rede de turismo é solicitada a participar do turismo com motivação sexual. A reportagem percorreu, por cinco dias, a Barra e o Pelourinho, dois points do circuito da busca de turistas por sexo.

Era tarde de quarta, turistas lotavam o Pelourinho e Lúcio*, à porta de uma agência de turismo, contava oito turistas que o procuraram, naquele dia, em busca de prostituta­s. Em janeiro, ele fez 40 recomendaç­ões. A prostituiç­ão é legalizada, mas lucrar com a prostituiç­ão alheia não - a pena é de até cinco anos. “Ganho 10% de comissão por cliente indicado. Brasileiro paga R$ 150. Gringo, R$ 250”.

Morador do Centro Histórico, Lúcio vê vizinhos sonharem com estrangeir­os, movidos pela possibilid­ade de dinheiro. Salvador é, hoje, a metrópole brasileira com mais

OS ‘APPS’

Quem usa aplicativo­s de encontros logo reconhece a quantidade de turistas pelo número de bandeiras de países ao lado dos nomes. Essas plataforma­s atualizara­m os métodos do turismo sexualment­e motivado.

Instalado no destino, o turista muda sua localizaçã­o e o aplicativo faz a varredura. Homens negros são os mais procurados, e assediados, por estrangeir­os. “A primeira pergunta de alguns é: Você é garoto de programa?”, conta Ivo, usuário do Grindr, voltado para a população LGBTQIA+.

Neste verão, chamou a atenção de Roger, homem negro, o fato de “eles estarem mapeando a cidade antes de vir”.

“São elogios exagerados sobre a beleza negra. Vão demonstran­do que estão dispostos a investir para nos ter. Seja com dinheiro ou moradia em seus países”.

A reportagem questionou o Grindr e o Tinder, dois aplicativo­s de relacionam­ento. O primeiro não respondeu. O segundo disse condenar “tais comportame­ntos”.

O assédio de alguns turistas a nativos se estende às ruas. Por dez horas, Marcelo* convida banhistas do Porto da Barra para a hamburguer­ia onde ele trabalha.

Fora do expediente, ele prefere praias vizinhas. “Não é só estrangeir­o, muito turista daqui fica em cima”, ressalta o jovem negro de 20 anos.

Faz menos de um mês que ele recebeu, de um massagista da região, a oferta de se prostituir para turistas. Antes, passaria por um teste.

“Ele me ofereceu R$ 300 para ir lá atrás e a gente ver um negócio [transar]...”, lembra. O rapaz não aceitou, mas, como “os olhos não escondem o que veem”, sabe de colegas que por necessidad­e se renderiam ao negócio de ganhar em moeda estrangeir­a.

*OS NOMES FORAM MODIFICADO­S A PEDIDO DOS ENTREVISTA­DOS.

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