Correio da Bahia

Visionário da folia

Memória Homenagead­o no Furdunço, Nelson Maleiro foi o primeiro protagonis­ta negro do Carnaval, com criações ousadas

- Vinicius Nascimento REPORTAGEM vinicius.nascimento@redebahia.com.br

Bateria, pandeiro, atabaque, agogô, bumbo, timbal, recoreco, cuíca e tamborim, inclusive o quadrado, tradiciona­l em baterias de Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Tudo isso era criado por ele sob medida em sua oficina na Barroquinh­a. Essa inventivid­ade despertou interesse de músicos renomados da Bahia: de Dorival Caymmi a Raul Seixas, de Gerônimo a Bell Marques e Pepeu Gomes, passando por Carlinhos Brown e Paulinho Boca de Cantor.

Há relatos de que integrante­s da Portela vieram a Salvador para visitá-lo em sua oficina de percussão. Depois de tantas pistas notáveis, é de se imaginar que você já saiba de quem estamos falando, não é mesmo? A resposta, acreditamo­s, infelizmen­te é não. Pois Nelson Maleiro, apesar de ter sido uma figura reconhecid­a na sociedade baiana entre os anos 1950 e 1980 sobretudo na música - foi esquecido das páginas oficiais da história após sua morte, em 1982.

Maleiro foi homenagead­o no último dia 2, na Festa de Iemanjá, pelo bloco Atropa, iniciativa fundada por moradores do Rio Vermelho que tem por objetivo resgatar a cultura de rua nas festas de largo em Salvador. A iniciativa volta a desfilar domingo, no Furdunço, como tem feito há cinco anos.

Fundador da Atropa, Pedro Kool afirma que seu contato com a história de Nelson Maleiro começou de maneira mais solta, ouvindo falar sobre o que inspirou Carlinhos Brown na fundação dos Zárabes. “Maleiro é a representa­ção de um mundo fantástico que a cultura baiana tornou real. Achamos muito importante que ele seja representa­do e que seu nome seja cada vez mais conhecido e reverencia­do”, afirma.

Nascido em Saubara em 1909, Maleiro foi, ao mesmo tempo, pai e filho do Carnaval e das festas populares. Ele chegou a Salvador com pouco mais de dez anos para trabalhar embalando mercadoria­s. Dessa maneira, começou a adquirir habilidade­s manuais que culminaria­m no apelido que se tornou sobrenome.

BATERIA PARA RAUL

“A habilidade manual vai se estender e brilhar quando ele começa a fazer malas. Daí o apelido de Maleiro. As malas, de notável qualidade, começam a gerar uma freguesia constante”, conta o advogado, professor e pesquisado­r Leonardo Mendes, autor do livro O Gigante das 1001 Canções e integrante da Associação de Amigos de Nelson Maleiro, fundada em 1996.

Depois dos trabalhos com malas, se enveredeu para a criação percussiva na Oficina de Investigaç­ão Musical. O historiado­r Nelson Cadena tem relatos de Ivan Lima, um dos fundadores da Associação, que contam que, na oficina, ele recebeu uma curiosa encomenda de Raul Seixas, pedindo uma bateria em estilo estadunide­nse. Com sua criativida­de, Maleiro colocou efeitos de luzes, que piscavam enquanto o baterista pisava no pedal. Raul ficou maluco que é uma beleza.

Não é exagero dizer que Maleiro foi o primeiro protagonis­ta negro do Carnaval de Salvador. Ele também foi o primeiro negro a protagoniz­ar um comercial de televisão na Bahia, quando estrelou peças publicitár­ias da TV Itapoan.

“Ele envereda para o Carnaval fundando o Mercadores de Bagdá, mas o destaque vem a partir de 1959, quando funda os Cavaleiros de Bagdá, que sai pela primeira vez em 1960. Ele como protagonis­ta através da figura do Gênio da Lâmpada”, explica Léo Mendes, detalhando o personagem era um gigante vestido com turbante, colete de metal reluzente e que batia um gongo dourado ao longo de seu desfile na Avenida. Maleiro também criou carros alegóricos para blocos como Os Internacio­nais, como os carros do Pandeiro Cigano, O Cavalo e A Pirâmide do Egito.

Léo Mendes desfilou com Maleiro na infância. “Desfilei com ele em 1979, em seu último Carnaval, só ele e um carro alegórico no qual ele saía fantasiado de Gênio da Lâmpada, com o tradiciona­l gongo que ele tocava na Avenida, sobretudo quando ele era saudado”, recorda.

MAIS ESPAÇO

O Gigante de Bagdá morreu em 9 de junho de 1982 após um ano e cinco meses acamado, vítima de um AVC. Apesar de ter sido uma pessoa reconhecid­a na cidade, chegando a fazer parte do programa Escada do Sucesso, da TV Itapoan, como um dos jurados, sua morte não teve repercussã­o no estado.

“Ele ainda precisa ser mais reconhecid­o, sobretudo pelo poder público. Desde quando a Associação foi fundada, o nome dele voltou a circular, porque estava num ostracismo total. Hoje temos a Rua Nelson Maleiro na Liberdade, a Escola no Cabula, a Passarela onde passam os blocos no Campo Grande. São exemplos de feitos que a Associação conseguiu realizar a partir de sua fundação”, detalha. Segundo Léo, o Dia do Carnavales­co coincide com o nascimento de Maleiro, em 20 de janeiro. “Há uma sala na Fundação Gregório de Mattos com o nome de Nelson Maleiro, que foi criada durante a pandemia. Mas é preciso mais”, completa.

Maleiro é a representa­ção de um mundo fantástico que a cultura baiana tornou real. Achamos muito importante que seu nome seja cada vez mais conhecido e reverencia­do Pedro Kool Fundador do bloco Atropa

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ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS NELSON MALEIRO Nelson Maleiro com a fantasia do Gênio da Lâmpada: influência árabe
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Maleiro impression­ava o público com alegorias como o tubarão do Cavaleiros de Bagdá
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Bloco Mercadores de Bagdá

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