Empreendedorismo também é desigual
Mulheres negras têm mais dificuldade para acessar crédito e cursos de qualificação
e sustentáveis. “Tenho formação em gestão ambiental e, quando me desempreguei na pandemia não queria ficar sem rumo, então comecei a fazer profissionalmente esses produtos que eu já criava para presentear amigos”.
Depois que formalizou o negócio como uma Microempreendedora Individual (MEI), Claudia percebeu que não dava para tocar o empreendimento apenas com base na intuição. “Tocar um negócio é difícil, mas parece que é ainda mais difícil para quem é negro. Eu sou totalmente estatística”, diz. Mulher, negra e da periferia. Segundo Claudia, muitas vezes em encontros onde vai, sente dificuldade de encontrar outras empreendedoras negras. “É tão raro que quando acontece, formamos logo um núcleo. Quando a gente interage com as outras, vemos que elas têm funcionários, acesso a empréstimos e muito mais facilidade que nós. Por que não temos incentivos?”, diz.
Ela acredita que com capital para investir poderia começar a ter retorno em seu negócio. “Hoje eu me movo basicamente pelo meu propósito, é artesanato, são produtos ecológicos, então é algo em que acredito, mas me pego pensando se vale a pena”.
SEM ESCOLHAS
Karine Oliveira, empresária, CEO da Wakanda Educação Empreendedora acredita que a explicação para as dificuldades enfrentadas pelas mulheres têm relação com questões raciais e sociais. “A maior parte destas mulheres procuram estes trabalhos porque costumam ser as últimas escolhidas no mercado formal de trabalho. Muitas vezes, estamos falando de empreendimentos que elas investem por falta de uma outra escolha”, diz. “São muitas empresas, mas com um faturamento muito baixo. Tanto que essas donas de negócios às vezes nem se enxergam como empresárias”.
Ela diz que uma das dificuldades desse público é separar a realidade da empresa e da vida pessoal. “O espaço para atendimento, logística, para cuidar das questões tributárias é na casa em que elas vivem e o faturamento da empresa é direcionado inicialmente para a sobrevivência. Muitas vezes o grande objetivo financeiro é sustentar toda uma família e essa conta geralmente não fecha”.
Para Karine, dentre todas as iniciativas que podem ser adotadas para melhorar a realidade das empresárias está o acesso a crédito. “É importante fornecer linhas específicas para investimentos e alavancar a pequena empresa (de empreendedoras negras). A inadimplência entre as mulheres é bem menor que entre os homens, mas elas estão no público que menos tem acesso a crédito”. Ela destaca a oferta de programas para a formação empresarial e realização de rodadas de negócios.
Karine lembra que a Wakanda está oferecendo cursos gratuitos para mulheres, em parceria com a Prefeitura, através do Acelera Salvador. Ela lembra ainda que o Sebrae também oferece diversas oportunidades para as empreendedoras negras.
CUSTO BRASIL EXTRA
Além de enfrentar todas as dificuldades comuns a qualquer outro empreendedor no Brasil – custos tributários, burocracia excessiva, dificuldades de acesso a crédito e mercados – as empreendedoras negras ainda precisam lidar com a indesejável herança do racismo, pondera Rosangela Gonçalves, gestora estadual do programa Sebrae Delas. “Quando a gente vai entender um pouco da pirâmide social do Brasil, vemos que num recorte de raça e gênero as mulheres negras estão na base da pirâmide. Temos uma herança de racismo e machismo”, aponta.
Ela lembra que buscar instituições e iniciativas que trabalham para dar visibilidade a estas questões pode ajudar bastante. E defende ainda a necessidade de se buscar capacitação para empreender.