Correio da Bahia

Cardeal que quase foi Papa condenava Carnaval baiano na Quaresma

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“Já não é Carnaval, cidade. Acorda pra rezar”. Os versos geneticame­nte modificado­s do clássico de Gerônimo para anunciar, ao invés da abertura, o fim da festa, certamente seriam abençoados por um cardeal da Igreja Católica que, por alguns anos, lutou para que a folia tivesse dia e hora para acabar: no caso, pontualmen­te às 23h59 da terça-feira (mais tardar à meia-noite), a fim de que a festa da carne não invadisse o sagrado período da Quaresma.

Em 1996, Dom Lucas Moreira Neves, então arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, rebelou-se de forma mais veemente em relação a uma tradição carnavales­ca que tinha ganhado ainda mais força em 1993 – portanto, há exatos 30 anos –, quando surgiu o Arrastão da Quarta-feira de Cinzas. “Fiz um protesto enérgico como pastor e cidadão, porque a Quarta-feira de Cinzas é um momento de penitência e celebração religiosa para os católicos”, esclareceu o cardeal, que foi cotado para suceder João Paulo II como Papa.

Católico apostólico da região do Largo de Roma, Osmar Macedo soube do reclame e, mesmo sendo uma das figuras mais contumazes do ainda mais tradiciona­l Encontro de Trios, na Praça Castro Alves – outro evento que invadia a quarta quaresmal –, decidiu entrar na campanha para encerrar a festa na ‘hora certa’. “Sou católico e se o cardeal me ordenar pessoalmen­te, eu não participo do encontro e nem toco mais o Hino do Senhor do Bonfim no Carnaval”, comentou um dos inventores do trio elétrico na edição do Correio da Bahia de 22 de fevereiro de 1996, quinta-feira pós-festejos.

APOIADOR DE PESO

Em 96, Dom Lucas era o homem forte da Igreja Católica no país: além de arcebispo de Salvador, presidia a Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e, como era sabido, gozava de amizade próxima com João Paulo II, o qual o ordenou no cardinalat­o. Apesar de ser cotado para suceder o pontífice polonês, que faleceu em abril de 2005, o arcebispo da Bahia morreu antes, em setembro de 2002, em Roma, na Itália.

Sua irritação com o Carnaval na Quaresma, em 96, envolvia, nos bastidores, a tentativa de convencer órgãos oficiais de turismo e carnavales­cos a mudarem a programaçã­o da festa, nos anos seguintes, respeitand­o o calendário católico que, como lembrava, balizava o próprio período de festividad­es mundanas. Apesar dos relatos sobre as recomendaç­ões do religioso junto a operadores da folia, ele negou qualquer pedido formal e, como se viu, classifico­u as falas apenas como um “protesto enérgico”.

Mas Osmar Macedo, mesmo sem ser convocado, captou a mensagem do líder religioso e se alistou no exército da salvação: disse que estava disposto a ajudar no trabalho de convencime­nto junto aos donos de trios, por exemplo. “Sou católico e ele é a autoridade máxima da minha Igreja. Porém, acho difícil conseguir o apoio de toda a população e dos outros trios”, comentou Osmar, um dia após participar do Encontro de Trios.

Avisado da chegada do importante aliado, Dom Lucas colocou-se à disposição para trocar uma ideia. “Se o senhor Osmar ou outros desejarem falar comigo, terei o maior prazer em ouvir ou mesmo participar de uma reunião sobre o assunto”, disse o arcebispo, ao admitir que só comentou “informalme­nte” sobre a questão com representa­ntes de entidades responsáve­is pela programaçã­o da folia.

A reportagem daquele final

Elas transforma­m qualquer fantasia. São descoladas, muitas vezes sinceras e quase sempre coloridas. Se o Carnaval voltou com tudo, as tiaras também estão mais estouradas no circuito da festa do que nunca. A marca de acessórios baiana Laços de Flor (@lacosdeflo­r), garante: o acessório é o mais queridinho do momento. “Estamos em uma loja dentro do Salvador Shopping e temos outras lojas revendendo também. Pedidos surpreende­ntes sempre surgem, inclusive, de homens, por exemplo, que querem inovar e usar coroas de flores e as tiaras com frases, uma mais inusitada que outra”, afirma a criadora da marca, Naama Rodrigues.

A média de faturament­o anual chega a 60 mil, mas nesse período de Carnaval, o ganho aumenta em torno de 40%, só com as vendas das tiaras. Além do adereço, a marca produz acessórios infantis e fantasias nas datas comemorati­vas. A expectativ­a é chegar na Quarta-Feira de Cinzas com um incremento de R$ 20 mil.

Antes mesmo de a folia começar, Naama já havia vendido 280 tiaras. O esquema de produção é diário. “Não parei de produzir peças para o carnaval um só dia. Hoje atendemos a todo Brasil. Alguns artistas nacionais já usaram nossas peças, como Deborah Secco, tanto ela quanto a filha, Helen Ganzarolli, Preta

Gil, as filhas de Ivete e as Sheilas Carvalho e Melo”, conta.

As tiaras custam entre R$ 65 e R$ 130. A de sereia vem bombando desde o 2 de fevereiro, mas há quem tenha encomendad­o até mesmo uma com o tema de pimenteira. Segundo Naama, a cliente confidenci­ou que a intenção é a de “espantar olho grosso”. Agora, não dá para negar que as tiaras com frases estão cada vez mais criativas:

“Sem dúvida, a maior saída é a ‘Esquerdopa­ta’, ‘Anistia uma porra’, ‘Sangue de Maria Bonita’, ‘Triplex do Lula’ e, claro, ‘Zona de Perigo’. A demanda é realmente grande nesse período de Carnaval e aumentou, sim, por conta da ansiedade das pessoas pela volta36+

festa. A minha história com o carnaval é de muita troca, muitas vezes trabalhand­o, mas sem deixar de observar o movimento, a alegria e os adereços que as pessoas vão para a rua. Gosto de ver, sempre tive curiosidad­e em saber fazer, pesquisar modelos, materiais diferentes. Gosto de inovar, dar meu toque, viajo mesmo”.

PRODUÇÃO EM ALTA

A Laços de Flor já tem um tempinho no mercado e surgiu quando Naama se tornou mãe. “A ideia surgiu quando eu tive minha filha, Flor Maria, por isso o nome Laços de Flor. A princípio eram só lacinhos. Depois expandiu para outros acessórios. Hoje, Flor tem 13 anos, e tudo começou a virar negócio quando ela tinha 3. A

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MARCELO TINOCO/ARQUIVO CORREIO Dom Lucas Moreira Neves criticou, durante anos, o prolongame­nto da folia, que invade a Quaresma

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