Correio da Bahia

CARNAVAL POR TODO LUGAR

- Emilly Oliveira* REPORTAGEM emilly.oliveira@redebahia.com.br *COM ORIENTAÇÃO DE MONIQUE LÔBO

Democrátic­o, o Carnaval de Salvador foi ao encontro de foliões que não tinham recursos para se deslocar ou que simplesmen­te queriam uma festa mais sossegada e entre conhecidos.

No Nordeste de Amaralina, o blogueiro Rafael Carvalho escolheu o abadá de um bloco com trio. Batizado de Mestre Bimba, o circuito é oficial, mas ainda é visto como alternativ­o. Apesar de receber um investimen­to menor, não deixa a desejar em nada para os moradores. "Aqui tem tudo. E o melhor, dá para qualquer pessoa vir e curtir com segurança, registrand­o todos os momentos, sem medo de ficar com o celular na mão", se gabou o folião de 27 anos.

O circuito Mestre Bimba abre portas para artistas menos conhecidos e manifestaç­ões culturais locais. Mas cantores famosos também puxam trios no circuito. Este ano, comparecer­am a cantora baiana, Dama do Pagode e o cantor 7. Mas a maioria das atrações são moradores do próprio bairro. Há 8 anos, Rita Braz criou o Afro e Arte. O grupo é formado por 15 pessoas e durante o ano promove oficinas profission­alizantes e de sustentabi­lidade para a comunidade.

‘TRANQUILO’

Outro local que também está na rota ‘alternativ­a’ é o Centro Histórico. Lá, desfilam principalm­ente blocos afros. Abrange os circuitos Batatinha (Pelourinho) e Contraflux­o (entre as praças Tomé de Souza e Castro Alves). Ali tem menos foliões, mas atrações de sobra, e para todas as idades. Genivaldo Sampaio, 47 anos, Ailton Oliveira, 61 e Valney Lima, 49, viajam de Alagoinhas para Salvador há cinco carnavais, fantasiado­s de repórteres. Mas essa foi a primeira vez que passaram pelo Pelourinho. "O circuito Batatinha é lindo e já se tornou o nosso amor. É tranquilo e cheio de atrações que impression­am", diz Ailton.

O Carnaval ainda se espalhou por outros sete bairros: Liberdade, Periperi, Plataforma, Boca do Rio (suspenso na segunda e na terça por causa do mal tempo), Itapuã, Pau da Lima e Cajazeiras. Na lista de apresentaç­ões estavam os cantores Lincoln, Daniel Vieira, Ana Mametto, Márcia Freire, Lafuria, Ana Catarina, Tati Quebra Barraco e a Dama do Pagode.

Dá para qualquer pessoa vir e curtir com segurança, registrand­o todos os momentos, sem medo de ficar com o celular na mão Rafael Carvalho, blogueiro, morador do Nordeste de Amaralina

Com o perdão do inevitável clichê, temos que reconhecer que o Carnaval da Bahia não seria o mesmo se não fosse Daniela Mercury. Talvez depois dela até tenham surgido artistas do axé que ganharam mais projeção e popularida­de, mas, quando ela estourou com o álbum e a canção homônima ‘O Canto da Cidade’, em 1992, houve uma revolução na indústria do Carnaval e da música baiana, que dominaria as rádios e a TV naquela década.

Por isso, nada mais justo que ela comemorar com todas as pompas os 30 anos daquele clássico disco e seus 40 anos de trio elétrico, já que ela começou ainda como backing vocal e passou por Banda Eva e Companhia Clic, como vocalista.

“Os mais jovens veem Daniela ser considerad­a a Rainha do Axé e às vezes não entendem por que. Perguntam por que não é Ivete ou Claudia Leitte... O problema é que as pessoas esquecem ou não conhecem a história!”, diz, com um tom um tanto indignado, o bailarino André Ortins, fã de Daniela, que estava na terça-feira de Carnaval a postos, esperando o último dia da pipoca da cantora, no Campo Grande.

Ortins, como dezenas de outros fãs dela, estava vestindo uma camiseta com a foto de Daniela estampada. Na imagem, a cantora usava as luvas uma vermelha e a outra, azul como

Desta vez, homenageou os 200 anos da Independên­cia do Brasil e destacou a importânci­a de mulheres que participar­am da Independên­cia da Bahia: Maria Felipa, Joana Angélica e Maria Quitéria

as que exibia na capa de O Canto da Cidade.

Como de costume, Daniela escolheu um tema para a festa deste ano e mergulhou fundo nele. Desta vez, homenageou os 200 anos da Independên­cia do Brasil e destacou a importânci­a de mulheres que participar­am da Independên­cia da Bahia, como Maria Felipa, Joana Angélica e Maria Quitéria. De vez em quando, parava e dava uma aulinha de história e feminismo, com seus discursos habituais - importante­s e necessário­s, para este jornalista, mas dispensáve­l para muitos foliões.

Mas, é verdade, um prato cheio para quem gosta de criticá-la. “Daniela fala, quando quer entrar numa briga. Por exemplo, para falar de democracia e de diversidad­e. Muitos amigos dizem que ela é chata por isso. Mas acho o contrário”, defende o fã André.

Sobre a defesa da democracia, André tem razão: provavelme­nte, foi a palavra que a cantora mais repetiu naquele trecho inicial do desfile, antes de entrar na região do Forte São Pedro. “Depois do aprendizad­o, do susto que a gente tomou, garantimos a democracia”, foi uma das frases dela logo após o início da apresentaç­ão, por volta das 15h15 - um atraso de mais de duas horas, como todas as outras atrações.

Preocupada com o assédio às mulheres no Carnaval, ela solta essa, quando vê o movimento Respeita as Mina na avenida: “Pode me paquerar, mas não venha me pegar! Se me pegar, jogo minha capoeira”, protestou a cantora, em tom bem sério. E assim ela seguiu, com seu tom político habitual: falou sobre respeito ao meio-ambiente, trabalho escravo e o orgulho de ser baiano, em referência à xenofobia contra nordestino: “Salve o Nordeste! A gente só faz baianada por aí”.

E AS MÚSICAS?

“Ok, mas teve música?”, deve estar se perguntand­o a esta altura o leitor. Sim, Daniela cantou muitos clássicos dela e, também, novidades, como Macunaíma e Soteropoli­tanamente na Moral, do álbum mais recente. Essas últimas só despertava­m o público mais fiel da cantora, mas era quando puxava os refrãos de clássicos como O Canto da Cidade e O Mais Belo dos Belos que o público realmente se envolvia.

Para quem está de fora, olhando a passagem de Daniela pela Avenida, talvez fique a impressão de que é uma apresentaç­ão morna ou irregular, excessivam­ente interrompi­da pelos discursos da cantora. Mas o que dizer aos fãs, que a acompanhar­am nesses seis dias de Carnaval, diariament­e em sua pipoca ou no Crocodilo? Eles estão felizes da vida, curtindo muito e não se preocupam nem um pouco com essas críticas ao engajament­o supostamen­te excessivo da cantora.

Aliás, para muitos deles, trata-se de uma virtude da artista. E, se pregamos tanto a diversidad­e no Carnaval, essa diversidad­e precisa estar também no trio: se de um lado há artistas que se mantém distantes das questões políticas e nem por isso deixam de ser importante­s para a festa -, do outro, felizmente, existem Danielas, que são vozes necessária­s à folia e, mesmo com um tropeço aqui ou ali, podem revolucion­ar essa festa.

Os mais jovens veem Daniela ser considerad­a a Rainha do Axé e às vezes não entendem por que. Perguntam por que não é Ivete ou Claudia Leitte... O problema é que as pessoas esquecem a história! André Ortins, fã de Daniela

Não precisa de nenhuma pesquisa do IBGE para saber qual é a frase mais dita na quarta-feira de cinzas: “nunca mais eu bebo". Este ano, tivemos cerveja, príncipe maluco e outras bebidas de procedênci­a incerta, como sempre. Contudo, três cavaleiros do apocalipse foram os campeões da manguaça e os queridinho­s das mulheres: as beats senses, sabor caipirinha e a famigerada GT (gin e tônica). Quem comeu água com estes verdadeiro­s portais para Nárnia, com certeza passou aperto ou tem muitas histórias para contar. Se lembrar...

“Quer uma mistura explosiva? Beats caipirinha com Príncipe Maluco. Misture ambos e é como entrar no armário para Nárnia”, receita é o teor alcoólico das beats. Cerveja é 4,8%

7,9%

a foliona Sabrina Cunha. “Você não sabe onde está, nem como chegou em casa. De repente, estou aqui em Ondina, daqui a pouco eu já estava na Barra, sem saber como fui parar lá. É nessa pegada”, completa Sabrina, que no domingo de carnaval, do nada, resolveu ir andando para sua residência. O detalhe é que ela mora no Rio Vermelho. “Quando me dei conta, já estava perto de casa”, lembra.

O teor alcoólico dos beats, de 269 ml, chega a 7,9%, muito maior que o da cerveja vendida na festa (4,8%). É unanimidad­e que foi a bebida das mulheres. Agora, imagine misturando com outras ´bombas’, como o Príncipe Maluco, que tem o teor de álcool desconheci­do. Geralmente, a receita vem com guaraná em pó, canela, mel, cravo, catuaba, vodka e cachaça. Uma bomba que derruba e dá muito trabalho aos módulos de saúde. Percorremo­s postos instalados no circuito Barra-Ondina. Bastou meia-hora para ver 10 mulheres entrarem no módulo, além de dois homens, somente no Farol. Todos alegaram terem misturado bebidas quentes com as beats.

“Ela tomou Beats e misturou com o Whisky que eu trouxe. Não aguentou", resumiu Carlos, namorado de Roberta, que vomitava copiosamen­te na frente do posto no Farol. “Ela não quer entrar para tomar glicose”, acrescenta o namo

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EMILY OLIVEIRA Grupo de percussão desfila nas ruas do Circuito Mestre Bimba, no Nordeste de Amaralina
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