CARNAVAL POR TODO LUGAR
Democrático, o Carnaval de Salvador foi ao encontro de foliões que não tinham recursos para se deslocar ou que simplesmente queriam uma festa mais sossegada e entre conhecidos.
No Nordeste de Amaralina, o blogueiro Rafael Carvalho escolheu o abadá de um bloco com trio. Batizado de Mestre Bimba, o circuito é oficial, mas ainda é visto como alternativo. Apesar de receber um investimento menor, não deixa a desejar em nada para os moradores. "Aqui tem tudo. E o melhor, dá para qualquer pessoa vir e curtir com segurança, registrando todos os momentos, sem medo de ficar com o celular na mão", se gabou o folião de 27 anos.
O circuito Mestre Bimba abre portas para artistas menos conhecidos e manifestações culturais locais. Mas cantores famosos também puxam trios no circuito. Este ano, compareceram a cantora baiana, Dama do Pagode e o cantor 7. Mas a maioria das atrações são moradores do próprio bairro. Há 8 anos, Rita Braz criou o Afro e Arte. O grupo é formado por 15 pessoas e durante o ano promove oficinas profissionalizantes e de sustentabilidade para a comunidade.
‘TRANQUILO’
Outro local que também está na rota ‘alternativa’ é o Centro Histórico. Lá, desfilam principalmente blocos afros. Abrange os circuitos Batatinha (Pelourinho) e Contrafluxo (entre as praças Tomé de Souza e Castro Alves). Ali tem menos foliões, mas atrações de sobra, e para todas as idades. Genivaldo Sampaio, 47 anos, Ailton Oliveira, 61 e Valney Lima, 49, viajam de Alagoinhas para Salvador há cinco carnavais, fantasiados de repórteres. Mas essa foi a primeira vez que passaram pelo Pelourinho. "O circuito Batatinha é lindo e já se tornou o nosso amor. É tranquilo e cheio de atrações que impressionam", diz Ailton.
O Carnaval ainda se espalhou por outros sete bairros: Liberdade, Periperi, Plataforma, Boca do Rio (suspenso na segunda e na terça por causa do mal tempo), Itapuã, Pau da Lima e Cajazeiras. Na lista de apresentações estavam os cantores Lincoln, Daniel Vieira, Ana Mametto, Márcia Freire, Lafuria, Ana Catarina, Tati Quebra Barraco e a Dama do Pagode.
Dá para qualquer pessoa vir e curtir com segurança, registrando todos os momentos, sem medo de ficar com o celular na mão Rafael Carvalho, blogueiro, morador do Nordeste de Amaralina
Com o perdão do inevitável clichê, temos que reconhecer que o Carnaval da Bahia não seria o mesmo se não fosse Daniela Mercury. Talvez depois dela até tenham surgido artistas do axé que ganharam mais projeção e popularidade, mas, quando ela estourou com o álbum e a canção homônima ‘O Canto da Cidade’, em 1992, houve uma revolução na indústria do Carnaval e da música baiana, que dominaria as rádios e a TV naquela década.
Por isso, nada mais justo que ela comemorar com todas as pompas os 30 anos daquele clássico disco e seus 40 anos de trio elétrico, já que ela começou ainda como backing vocal e passou por Banda Eva e Companhia Clic, como vocalista.
“Os mais jovens veem Daniela ser considerada a Rainha do Axé e às vezes não entendem por que. Perguntam por que não é Ivete ou Claudia Leitte... O problema é que as pessoas esquecem ou não conhecem a história!”, diz, com um tom um tanto indignado, o bailarino André Ortins, fã de Daniela, que estava na terça-feira de Carnaval a postos, esperando o último dia da pipoca da cantora, no Campo Grande.
Ortins, como dezenas de outros fãs dela, estava vestindo uma camiseta com a foto de Daniela estampada. Na imagem, a cantora usava as luvas uma vermelha e a outra, azul como
Desta vez, homenageou os 200 anos da Independência do Brasil e destacou a importância de mulheres que participaram da Independência da Bahia: Maria Felipa, Joana Angélica e Maria Quitéria
as que exibia na capa de O Canto da Cidade.
Como de costume, Daniela escolheu um tema para a festa deste ano e mergulhou fundo nele. Desta vez, homenageou os 200 anos da Independência do Brasil e destacou a importância de mulheres que participaram da Independência da Bahia, como Maria Felipa, Joana Angélica e Maria Quitéria. De vez em quando, parava e dava uma aulinha de história e feminismo, com seus discursos habituais - importantes e necessários, para este jornalista, mas dispensável para muitos foliões.
Mas, é verdade, um prato cheio para quem gosta de criticá-la. “Daniela fala, quando quer entrar numa briga. Por exemplo, para falar de democracia e de diversidade. Muitos amigos dizem que ela é chata por isso. Mas acho o contrário”, defende o fã André.
Sobre a defesa da democracia, André tem razão: provavelmente, foi a palavra que a cantora mais repetiu naquele trecho inicial do desfile, antes de entrar na região do Forte São Pedro. “Depois do aprendizado, do susto que a gente tomou, garantimos a democracia”, foi uma das frases dela logo após o início da apresentação, por volta das 15h15 - um atraso de mais de duas horas, como todas as outras atrações.
Preocupada com o assédio às mulheres no Carnaval, ela solta essa, quando vê o movimento Respeita as Mina na avenida: “Pode me paquerar, mas não venha me pegar! Se me pegar, jogo minha capoeira”, protestou a cantora, em tom bem sério. E assim ela seguiu, com seu tom político habitual: falou sobre respeito ao meio-ambiente, trabalho escravo e o orgulho de ser baiano, em referência à xenofobia contra nordestino: “Salve o Nordeste! A gente só faz baianada por aí”.
E AS MÚSICAS?
“Ok, mas teve música?”, deve estar se perguntando a esta altura o leitor. Sim, Daniela cantou muitos clássicos dela e, também, novidades, como Macunaíma e Soteropolitanamente na Moral, do álbum mais recente. Essas últimas só despertavam o público mais fiel da cantora, mas era quando puxava os refrãos de clássicos como O Canto da Cidade e O Mais Belo dos Belos que o público realmente se envolvia.
Para quem está de fora, olhando a passagem de Daniela pela Avenida, talvez fique a impressão de que é uma apresentação morna ou irregular, excessivamente interrompida pelos discursos da cantora. Mas o que dizer aos fãs, que a acompanharam nesses seis dias de Carnaval, diariamente em sua pipoca ou no Crocodilo? Eles estão felizes da vida, curtindo muito e não se preocupam nem um pouco com essas críticas ao engajamento supostamente excessivo da cantora.
Aliás, para muitos deles, trata-se de uma virtude da artista. E, se pregamos tanto a diversidade no Carnaval, essa diversidade precisa estar também no trio: se de um lado há artistas que se mantém distantes das questões políticas e nem por isso deixam de ser importantes para a festa -, do outro, felizmente, existem Danielas, que são vozes necessárias à folia e, mesmo com um tropeço aqui ou ali, podem revolucionar essa festa.
Os mais jovens veem Daniela ser considerada a Rainha do Axé e às vezes não entendem por que. Perguntam por que não é Ivete ou Claudia Leitte... O problema é que as pessoas esquecem a história! André Ortins, fã de Daniela
Não precisa de nenhuma pesquisa do IBGE para saber qual é a frase mais dita na quarta-feira de cinzas: “nunca mais eu bebo". Este ano, tivemos cerveja, príncipe maluco e outras bebidas de procedência incerta, como sempre. Contudo, três cavaleiros do apocalipse foram os campeões da manguaça e os queridinhos das mulheres: as beats senses, sabor caipirinha e a famigerada GT (gin e tônica). Quem comeu água com estes verdadeiros portais para Nárnia, com certeza passou aperto ou tem muitas histórias para contar. Se lembrar...
“Quer uma mistura explosiva? Beats caipirinha com Príncipe Maluco. Misture ambos e é como entrar no armário para Nárnia”, receita é o teor alcoólico das beats. Cerveja é 4,8%
7,9%
a foliona Sabrina Cunha. “Você não sabe onde está, nem como chegou em casa. De repente, estou aqui em Ondina, daqui a pouco eu já estava na Barra, sem saber como fui parar lá. É nessa pegada”, completa Sabrina, que no domingo de carnaval, do nada, resolveu ir andando para sua residência. O detalhe é que ela mora no Rio Vermelho. “Quando me dei conta, já estava perto de casa”, lembra.
O teor alcoólico dos beats, de 269 ml, chega a 7,9%, muito maior que o da cerveja vendida na festa (4,8%). É unanimidade que foi a bebida das mulheres. Agora, imagine misturando com outras ´bombas’, como o Príncipe Maluco, que tem o teor de álcool desconhecido. Geralmente, a receita vem com guaraná em pó, canela, mel, cravo, catuaba, vodka e cachaça. Uma bomba que derruba e dá muito trabalho aos módulos de saúde. Percorremos postos instalados no circuito Barra-Ondina. Bastou meia-hora para ver 10 mulheres entrarem no módulo, além de dois homens, somente no Farol. Todos alegaram terem misturado bebidas quentes com as beats.
“Ela tomou Beats e misturou com o Whisky que eu trouxe. Não aguentou", resumiu Carlos, namorado de Roberta, que vomitava copiosamente na frente do posto no Farol. “Ela não quer entrar para tomar glicose”, acrescenta o namo