Legados da folia depois da ausência
Após dois anos de lacuna, o Carnaval que se encerrou, de fato, no início da tarde da Quarta-Feira de Cinzas, deixou lições que devem ser objeto de atenção para as próximas edições da festa. Entre as mais importantes, está a configuração atual dada à festa pelo Poder Público municipal, que impulsionou a folia para uma nova era e permitiu avançar em conquistas essenciais para a sobrevivência do evento, tanto nos aspectos tangíveis quanto intangíveis. No primeiro grupo, está o efeito econômico benéfico sobre negócios dos quais Salvador possui vocação natural. Especialmente, o turismo e a gama de segmentos que compõem a cadeia da chamada economia criativa.
A radiografia feita pela prefeitura aponta que, do início ao fim, a festa injetou mais de R$ 2 bilhões na capital, soma acima das projeções iniciais, que indicavam movimentação na ordem de R$ 1,8 bilhão, segundo estimativas compiladas em 1º de fevereiro pela Confederação
Nacional do Comércio, a partir de dados fornecidos pelas administrações de grandes municípios com tradição na folia. O fluxo de dinheiro circulante nos dez dias de evento, contando o período extraoficial, não serve apenas para irrigar a arrecadação dos cofres públicos e vitaminar setores que lucram no clímax da alta temporada turística em Salvador.
Caso da indústria hoteleira, que chegou à quarta-feira com índice médio de ocupação em 96,5%, do alvorecer ao ocaso do Carnaval de 2023, e picos de 100% em todos os mais requisitados empreendimentos da cidade entre sábado e terça-feira. Desempenho este superior ao de 2020, último ano antes da pandemia. Para além das cifras monumentais, o dinheiro despejado é o que garantiu 50 mil empregos diretos e indiretos e o estímulo financeiro fundamental para talentos da gigantesca rede de criação carnavalesca, da música à moda, do audiovisual à engenharia de som, da dança às artes visuais.
Fora os reflexos econômicos positivos, a boa aceitação ao processo para tornar o Carnaval da cidade mais democrático e diverso é outro ensinamento de valor deixado pelo Carnaval. Nisso, a bem da verdade, a prefeitura acertou em cheio ao apostar grande parte das fichas em atrações de destaque sem corda para a pipoca, como se diz no jargão da folia. E melhor: para variados gêneros. Ao mesmo tempo, multiplicou os espaços nos circuitos do Centro, criando ilhas de excelência musical e artística em vários pontos da região, que exibiu um brilho como há tempos não se via, mas sem os danos colaterais resultantes da anacrônica ideia de repetir lá o modelo que se vê hoje no trecho na Barra à Ondina.
Ainda restam falhas a corrigir, como os sempre conflituosos esquemas de transporte e trânsito, mesmo que intervenções tenham sido feitas ano a ano para eliminar dois grandes gargalos no reinando momesco. No saldo final, entretanto, Salvador sobrou. Sobrou nas ruas, nas telas e nas redes sociais, por onde circulou um dos mais viralizados memes carnavalescos deste ano, baseado na nova música de Saulo Fernandes: "Deus me livre de não ser baiano".
O Carnaval deste ano deixou lições sobre como fazer uma festa mais viável economicamente, democrática, diversa e criativa