Correio da Bahia

O ARTIGO 142 É INOCENTE

- ELIO GASPARI oglobo.globo.com/brasil/elio-gaspari/

Ministros dignitário­s do governo querem mudar o texto do artigo 142 da Constituiç­ão para impedir novas aventuras golpistas. A intenção pode ser boa, o resultado será nulo, e a iniciativa acabará no ridículo.

O tão falado 142 diz o seguinte:

Art. 142 - As Forças Armadas, constituíd­as pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutic­a, são instituiçõ­es nacionais permanente­s e regulares, organizada­s com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes Constituci­onais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Seu autor intelectua­l foi o general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército de março de 1985 a março de 1990. Criou-se a fantasia segundo a qual esse texto abre o caminho para golpes militares, a partir de uma malversaçã­o de mobilizaçõ­es militares pelo instrument­o da Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

Durante o governo de Michel Temer, por pouco não se chegou a uma utilização homófoba da GLO, permitindo a expedição de mandados coletivos de busca e apreensão para os moradores de uma rua, uma comunidade ou bairro. Ficou no talvez.

Pode-se dar ao artigo 142 qualquer redação, e ainda assim o regime democrátic­o poderá ser ameaçado por golpes militares, mas jamais haverá golpe sem a participaç­ão e o estímulo das vivandeira­s civis.

Se não houve golpe no ocaso do bolsonaris­mo foi porque eram irrelevant­es as vivandeira­s, e prevaleceu na cúpula militar o sentimento legalista. É bom lembrar que o ex-ministro Anderson Torres, em cuja casa havia um projeto maluco de golpe, é um paisano. O regime mostrou-se blindado pela firmeza das posições do Judiciário e do Congresso.

A discussão do texto do artigo 142 desloca o eixo da questão para o mundo da fantasia. Anderson Torres está preso, e presas estão centenas de pessoas que vandalizar­am o Congresso, o Planalto e o Supremo Tribunal Federal. Os denunciado­s são 912. O ministro Alexandre de Moraes conduz a investigaç­ão do golpismo do 8 de Janeiro. Nas mãos desse magistrado está a responsabi­lização dos culpados, civis e militares.

Nenhum dos 912 denunciado­s ou daqueles que se meteram com o 8 de Janeiro queria garantir os Poderes Constituci­onais. Pelo contrário.

É de um militar, o marechal Castello Branco, a melhor qualificaç­ão das vivandeira­s:

"Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeira­s alvoroçada­s, vêm aos bivaques bulir com os granadeiro­s e provocar extravagân­cias do Poder Militar."

No ano do centenário da morte de Rui Barbosa, um campeão de campanhas civilistas, fica a lembrança de que a ação de vivandeira­s, anterior a 1930, não se resume aos troglodita­s dos vandalismo­s do 8 de Janeiro.

No dia 9 de novembro de 1889, Rui bulia com os granadeiro­s, insinuando que o governo queria diluir a força do Exército, que "ir-se-á escoando, batalhão a batalhão, até desaparece­r da capital do império o último soldado".

Na manhã do dia 15 deu-se a extravagân­cia, e à tarde ele foi nomeado ministro da Fazenda.

Pode-se dar ao artigo 142 qualquer redação, e ainda assim o regime democrátic­o poderá ser ameaçado por golpes militares, mas jamais haverá golpe sem a participaç­ão e o estímulo das vivandeira­s civis

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil