Correio da Bahia

TRÊS FATOS SOBRE O ILÊ

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vô pensou em fazer isso nos 50 anos do bloco, no Carnaval de 2024. Não seria uma abertura para todos os brancos, mas uma flexibiliz­ação por conta dos muitos pedidos que ele vem recebendo. Porém, as pressões foram muito grandes”, acrescenta.

Apesar do bloco ter anunciado a desistênci­a de abrir o desfile para pessoas brancas, o debate se instaurou. A maioria dos blocos afro aceita a presença de brancos. No próprio Ilê é possível encontrar alguns não negros, geralmente pardos, mas a entidade é majoritari­amente preta, e a única que ainda segue firme nesse propósito.

A fundadora do bloco afro Ara Ketu, Vera Lacerda, defende a flexibiliz­ação. “Criei o Ara Ketu porque, na época, tentei fazer parte do Ilê e me disseram que eu não era negra o suficiente para poder desfilar. Então, criei um bloco onde todos que se identifica­m com as causas negras poderiam participar. Sou a favor dessa abertura. Fico feliz”.

Um internauta que aprovou a ideia logo que ela foi divulgada, destacou a importânci­a da miscigenaç­ão. “Há anos, Menininha do Gantois abriu para brancos e revolucion­ou o Candomblé. Espero que a decisão seja da mesma natureza que anos atrás”.

Mas, parte consideráv­el do público acredita que a presença de pessoas brancas vai descaracte­rizar o bloco e compromete­r a identidade e a linguagem do Ilê. Para a professora Isabel

Nascimento, 55 anos, mais do que uma questão estética, a discussão envolve uma reafirmaçã­o cultural. “Negros foram e ainda são historicam­ente excluídos de muitos espaços. O Ilê representa um local de acolhiment­o e empoderame­nto da nossa gente. É uma referência, um espaço nosso, onde não temos que disputar com brancos. Então, sou contra a abertura. Existem vários blocos miscigenad­os. O Ilê é afro”, afirmou.

A atriz e apresentad­ora Luana Xavier também se manifestou. “Acho bom tomar logo meu remédio de pressão, porque talvez a próxima notícia seja que mulheres não negras poderão concorrer à Deusa do Ilê”, escreveu, em referência ao concurso anual que elega a Deusa do Ébano, a rainha do Ilê, que surgiu justamente para enaltecer a mulher preta, sempre preterida em concursos de beleza de padrões eurocêntri­cos.

ESPAÇO DO POVO PRETO

Uma internauta e leitora do CORREIO comentou a polêmica no perfil do jornal no Instagram e concordou com a decisão do bloco de desistir da ideia de flexibiliz­ar: “Brancos como eu têm espaço em todos os lugares. O Ilê tem que seguir sua tradição”. Outra internauta publicou que tinha o sonho de sair no Ilê, mas entende a restrição. “Acompanho há mais de 40 anos. Mas entendi há muito tempo as razões, justíssima­s, de não permitir o ingresso de pessoas brancas. Continuo acompa

1. O desfile do “Mais belo dos belos” começa muito antes do bloco entrar na avenida, mais precisamen­te ainda na ladeira do Curuzu, no bairro da Liberdade. A comunidade, associados e visitantes assistem à cerimônia de abertura dos caminhos, quando são feitos pedidos de permissão aos donos da rua, de paz e de felicidade aos orixás. O cortejo sai em seguida. A saída do Ilê é um dos momentos de destaque do Carnaval de Salvador e sempre conta com a presença de artistas e outros famosos que são admiradore­s do bloco ou representa­ntes da cultura negra;

2. Em 1979, foi criado o concurso para a escolha da Deusa do Ébano (nome dado à Rainha do Ilê Aiyê), em contrapont­o aos tradiciona­is concursos de beleza, onde a maioria das candidatas premiadas são não negras. A rainha do Ilê é eleita durante a Noite da Beleza Negra, evento realizado antes do Carnaval e que enaltece as mulheres pretas. O que define a vencedora é a força da candidata, que envolve a plateia e os jurados durante a apresentaç­ão, e não padrões de idade ou de medidas estéticas;

3. Em 1985, o bloco trouxe outra novidade com a criação do Grupo de Dança do Ilê Aiyê, entidade de referência da cultura negra e que está na ativa até hoje. A Senzala do Barro Preto, sede da Associação Cultural Ilê Aiyê, no Curuzu, costuma ficar lotada durante os ensaios de Verão que antecedem o Carnaval; nhando com o coração batendo forte de amor e admiração. Salve o meu querido Ilê!”, enfatizou.

O estudante Daniel Sena, 23 anos, fez uma brincadeir­a. “Imagine, o povo branco, maioria turista, cantando ‘Que bloco é esse?’. Dizendo ‘somos crioulo doido, somos bem legal, temos cabelo duro, somos Black Power’. Não tem como não rir”, comentou, fazendo referência à música tema do Ilê Aiyê, composta por Paulinho Camafeu, em 1974, para o primeiro desfile do bloco, em 1975.

O ator Sulivã Bispo brincou com a personagem Koanza, mulher de forte identidade negra que interpreta nos palcos. “Me ligou chorando, ela está sem acreditar”, disse, ao saber da possibilid­ade de abrir o Ilê para pessoas brancas participar­em.

Sulivã destacou a importânci­a do bloco como local de referência para o povo preto, onde turbantes, tecidos, cores e outros elementos da cultura africana podem ser usados sem julgamento­s, ataques ou comentário­s racistas. O ator também afirmou que o ‘Mais Belo dos Belos’ é espaço para celebrar a beleza negra.

“O Ilê é quilombo. Ele é a extensão do terreiro de candomblé, por isso, é um bloco de negão. É um processo de reafirmaçã­o da nossa ancestrali­dade e da nossa autoestima, através da simbologia das danças, das vestes e dos cantos. Quando a gente abre para outra cultura, a gente perde esse lugar de pertença e o resgate dessa autoestima. Enquanto houver racismo a gente vai precisar de um bloco exclusivam­ente afro”, opinou Sulivã.

Negros foram e ainda são historicam­ente excluídos. O Ilê representa um local de empoderame­nto da nossa gente Isabel Nascimento Professora

HOMENAGENS À NEGRITUDE

Depois de dois anos de pandemia de covid-19, o Ilê Aiyê voltou às ruas para desfilar no Carnaval deste ano, com uma honenagem ao centenário do angolano Agostinho Neto. Conhecido como Manguxi, Agostinho foi presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola e responsáve­l pela libertação do país, tendo presidido Angola. Manguxi foi contemporâ­neo de Hilda Dias dos Santos, mais conhecida como Mãe Hilda Jitolú, ialorixá que é a mentora espiritual do Ilê.

O bloco tem tradição em homenagear personalid­ades ou momentos das história em perpectiva mais afrocentra­da, ou seja, com foco em heróis, heroínas e momentos de protagonis­mo negro.

Segundo um perfil do bloco na Enciclipéd­ia Itaú Cultural, desde o primeiro desfile, o Ilê busca a valorizaçã­o de populações negras da África e da diáspora africana nas Américas. O bloco também influencio­u ao longo dos anos diversos artistas como Gilberto Gil, Margareth Menezes e Carlinhos Brown.

Há anos, Menininha do Gantois abriu para brancos e revolucion­ou Candomblé. Espero que a decisão seja da mesma natureza Internauta Sobra a polêmica

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