‘Precisamos que a Justiça se importe com pobre’
Defensoria Pública Nova defensora geral, Firmiane Venâncio encara o desafio de aumentar o orçamento e interiorizar mais o órgão
Quando uma vítima de violência se senta à mesa para falar da sua dor, Firmiane Venâncio sabe que a escuta ultrapassa o aconselhamento burocrático – em todos os casos. “O melhor formato é ouvir o que a pessoa tem a dizer”, acredita a mulher que, nos próximos dois anos, ocupará o papel de defensora pública geral da Bahia com o propósito de construir a emancipação de quem desconhece a palavra justiça.
Há 23 anos, Firmiane trabalha na Defensoria Pública da Bahia. Às 17h da última quinta-feira, dia 2, ela assumiu a coordenação da instituição que, gratuitamente, auxilia judicial ou extrajudicialmente a população. “Não discuto com o destino”, diz Firmiane, em paráfrase a um poema de Paulo Leminski. Quando se inscreveu para o concurso público do órgão, em 1999, ela nem podia pagar a inscrição, custeada por um tio.
Natural de Campo Formoso, no norte da Bahia, Firmiane toma posse sem que tenham sido superadas dificuldades históricas da instituição. Depois de 38 anos de existência, a Defensoria ainda recebe o orçamento mais baixo do sistema judiciário no estado. A Bahia tem, hoje, 407 defensores - o mínimo necessário seriam 583.
“É a estrutura que dá corpo ao fazer instituição. Tudo isso está ligado com a valorização da instituição, senão a defesa vai ficar no lugar do favor”, afirma. “Sempre me tocou muito a falta de acesso à justiça na Bahia, principalmente no interior”, diz.
Firmiane acredita ter uma missão: “É contra a desigualdade que vamos trabalhar”. Ao falar das dificuldades básicas, dos problemas sociais que anulam o sentido de justiça, ela chora. Para um sistema de justiça que ouça, é preciso sensibilidade. “O sistema judiciário tem?”, perguntamos.
“Não, mas precisamos encontrar pessoas com sensibilidade. É preciso construir isso dentro da própria Defensoria. Fazer uma petição é simples, difícil é se disponibilizar para ir a uma comunidade que está sofrendo com problemas relacionados à violência. É uma percepção que aprendi das relações com o feminismo”, responde.
O feminismo, inclusive, será norteador das suas ações. Firmiane é doutoranda pelo Programa de Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Na gestão dela, há a pretensão de “construir a nomeação do maior número de mulheres em cargos de chefia na defensoria”. O motivo é, também, prático: “São as mulheres que mais reivindicam direitos na Defensoria”.
Durante a gestão, ela espera que o compartilhamento de informações balize um sistema judiciário emancipatório. “Não quero, mais adiante, que as pessoas precisem da Defensoria. Essa é a ideia. Quero que elas sejam capazes de entender, de discutir seus direitos, expor seus problemas e discutir as possíveis soluções para eles”.
Dois dias antes da posse, Firmiane conversou, durante uma hora, sobre os desafios dos próximos dois anos, o lugar que a Defensoria Pública ocupa no Estado e qual é a justiça possível em uma sociedade tão desigual e onde milhares não têm sequer documento. “É fácil? Não. Mas tenho minha utopia”.
Leia a íntegra a seguir:
do sistema de justiça. Precisamos mostrar para a sociedade que o fortalecimento da Defensoria Pública não é exclusivamente para atender interesses corporativos da instituição, mas o interesse público das pessoas que mais precisam. A Defensoria é a que toca mais perto das dores mais terríveis da sociedade. Mas é a estrutura que dá corpo ao fazer instituição.
Então preciso, sim, me preocupar com meus colegas, com os salários deles para que sejam paritários com servidores do sistema judiciário. Tudo isso está ligado com a valorização da instituição. Senão a defesa vai ficar no lugar do favor.
Há previsão de chamar novos servidores?
Sim, mas o dinheiro para pagar vou ter que correr atrás [risos]. Hoje a previsão no orçamento tem, mas as instituições já começam o ano devendo, não é só a Defensoria Pública. Pela forma como a LDO disciplina o orçamento, não há frente para as necessidades das instituições. Vou precisar dialogar com o Executivo estadual. Mas essa sempre foi a luta. E justiça seja feita, temos conseguido essa suplementação. Saímos de 260 defensores, em 2015, para 407. O Executivo estadual praticamente dobrou a quantidade. Não estamos dizendo que o Estado não pensa na Defensoria Pública, mas temos um déficit histórico e há um empobrecimento da população.
Qual a primeira ação que você pretende adotar em meio ao seu projeto de utopia? Quero construir a nomeação do maior número de mulheres em cargos de chefia dentro da Defensoria. Elas não são minoria, mas será o maior da história. E os homens que se segurem [risos]. Aí você pode até me perguntar: ‘Você fez esse cálculo?’. Pura intuição. Quem são as pessoas que enxergo com maior potencial para desenvolver ações em determinados cargos.
Para além da equidade de gênero no mercado de trabalho, colocar mulheres tem razão prática de atuação? Sim. São as mulheres que mais reivindicam seus direitos por meio da Defensoria. Inclusive no crime. Quando o filho está preso, é a mãe, esposa, quem vem procurar. Acho que a Defensoria Pública chega mais às mulheres porque compartilhamos o conhecimento. Esse conhecimento que se faz, não através dos livros, mas do comunitário, da experiência oral, como se diz na teoria feminista. Assim vamos chegando. Esse é o desafio.
O PALACETE TIRA-CHAPÉU
O projeto do Palacete é de autoria do arquiteto italiano Rossi Baptista, e se tornou uma das mais emblemáticas obras do autor em Salvador. Inaugurado em 1917, o edifício foi sede da Associação dos Empregados no Comércio da Bahia, fundada em 1900, e teve uso exclusivamente comercial e administrativo. Tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC-BA), o palacete é um dos poucos remanescentes do estilo eclético em Salvador, com adornos que podem ser identificados desde a arquitetura barroca até o estilo clássico. Na composição da sua fachada, por exemplo, há colunas com fustes canelados e capitéis coríntios, atlantes e esquadrias que formam uma composição bem marcada e ordenada. No interior do edifício, as misturas de referências arquitetônicas são evidenciadas nos pilares, pisos, disposição e forma das escadas, e nos elementos decorativos em estuque nos forros e coroamento das paredes.