Vereador gaúcho pode perder mandato?
Como forma de proteger o sistema democrático, o legislador foi bastante inteligente ao definir limites para a atuação dos representantes ocupantes de cargos eletivos, tudo isso como forma de blindar a sociedade de eventuais abusos cometidos por quem, um dia, teve a confiança de ser eleito democraticamente.
Nas últimas semanas os brasileiros vêm acompanhando, através dos noticiários, a situação crítica das 207 vítimas de trabalho análogo à escravidão em vinícolas, resgatadas em operação no município de Bento Gonçalves, no estado do Rio Grande do Sul.
O vereador do município de Caxias do Sul, Sandro Fantinel, atualmente sem partido, no último dia 28 de fevereiro 2023, protagonizou um discurso xenofóbico, no plenário da câmara de vereadores, em sessão transmitida pela internet para todo o mundo. No referido ato, além de aspectos xenofóbicos, o vereador faz apologia e indução ao trabalho escravo.
As consequências jurídicas do discurso do vereador gaúcho já eram esperadas. Por conta disso, o Superior Tribunal
de Justiça – STJ, passou a considerar, em dezembro de 2022, como racismo, os atos que discriminam brasileiros que vivem no Nordeste.
No âmbito do direito eleitoral, podemos afirmar categoricamente que, além de já ter sido expulso do seu partido, o Patriotas, pelo qual foi eleito, o vereador poderá ter o seu mandato cassado. Isso porque, a conduta xenofóbica de Sandro Fantinel ocasionou na formalização de quatro denúncias por seus colegas vereadores, ao Comitê de Ética da Câmara dos Vereadores de Caxias do Sul, as quais trazem como principal fundamento, a quebra de decoro.
Trocando em miúdos, a cassação do mandato pela câmara de vereadores, por quebra de decoro parlamentar, é uma questão política, haja vista que cabe exclusivamente ao parlamento, impossibilitando o judiciário conhecer sobre o mérito da cassação.
Apesar do Supremo Tribunal Federal entender que a valoração da decisão da Casa Legislativa para a conduta contrária à ética e ao decoro parlamentar é uma questão interna corporis, se vê no âmbito da Justiça Eleitoral parlamentares vencidos na esfera política tentando a perpetuação de seu mandato no judiciário, invocando razões jurídicas para obstar o julgamento político de seus pares.
No entanto, mesmo que haja direitos subjetivos do próprio parlamentar em jogo, levando em consideração a gravidade das suas palavras, a ampla repercussão do discurso preconceituoso e difamatório, ocorrido em espaço público, por agente público, entendo que a cassação do mandato por quebra de decoro pela câmara de vereadores de Caxias do Sul seja medida adequada, como forma de reprimir comportamentos racistas, fortalecer as minorias, inibir o estímulo ao trabalho escravo e preservar a democracia.
No referido ato, além de aspectos xenofóbicos, o vereador faz apologia e indução ao trabalho escravo
ODILON SANTOS É ADVOGADO E CONSULTOR JURÍDICO, GRADUADO PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. PÓS-GRADUADO EM DIREITO ELEITORAL E EM LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS PELA FACULDADE BAIANA DE DIREITO. MEMBRO DA COMISSÃO DE ESTUDOS SOBRE DIVERSIDADE RACIAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO ADMINISTRATIVO – IBDA. AUTOR DO LIVRO “FINANCIAMENTO ELEITORAL: O DESCOMPASSO ENTRE O NOVO SISTEMA DE DOAÇÕES DE CAMPANHA E A CULTURA DE ARRECADAÇÃO VIA FONTES VEDADAS.