Correio da Bahia

A resiliênci­a da Receita Federal

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computador com a ordem recebida pelo “sr. Julio Cesar”, que vinha ser secretário da Receita. O auditor da Receita não se abalou. O sargento escalou na hierarquia militar, chamou um “coronel” e pediu ao funcionári­o que conversass­e com o coronel. Ele, de novo, disse não.

O caso das joias sauditas mostra o quanto Bolsonaro usava as Forças Armadas como se fosse seus ajudantes de ordem. A FAB vai buscar os bens retidos, manda um sargento, que telefona para o coronel. Todos da ativa. Eram as Forças Armadas trabalhand­o para os interesses particular­es do presidente. Há muito a esclarecer nesse absurdo episódio. Por exemplo, como um dos pacotes de presente ao ex-presidente entrou no país e não foi intercepta­do pela Receita, como informou a “Folha de S. Paulo".

A Arábia Saudita é governada por uma família tirânica, corrupta e sanguinári­a. O próprio príncipe Mohammad bin Salman, maior autoridade de fato do país, foi o mandante do assassinat­o e esquarteja­mento do jornalista Jamal Khashoggi. Esse governo opressor de mulheres manda pelo almirante Bento Albuquerqu­e um presente milionário para Michelle Bolsonaro.

Nada faz sentido na versão bolsonaris­ta dessa história. Como disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad: “Ninguém ganha um presente de R$ 16 milhões”. Mas o episódio em si esclarece muita coisa. Bolsonaro governou todo o tempo sem conhecer limites entre o público e o privado, entre os interesses do estado, e os da sua família. Nesse caso, com impression­ante desfaçatez, o governante desrespeit­ou o procedimen­to padrão de recebiment­o de presentes diplomátic­os dados de um governo para outro. Bolsonaro nunca quis entregar ao acervo, todos se comportara­m como se fosse mesmo um presente particular de Michelle. Aliás, foi o que disse o almirante Bento Albuquerqu­e.

Houve outras tentativas de interferên­cia na Receita Federal durante o governo Bolsonaro. Em agosto de 2019, o subsecretá­rio geral da Receita, João Paulo Fachada, foi exonerado depois de pressões para trocar o chefe da unidade da Receita no Porto de Itaguaí. Como essa é uma região, no Rio, dominada pela milícia, sempre foi difícil controlar o contraband­o. Em 2016, haviam sido nomeados servidores de São Paulo que se mudaram para o Rio para criar o que se chamou na Receita, na época, de “armadura”. Pois foi essa armadura que foi atacada. Fachada acabou sendo exonerado por Marcos

Cintra.

Em dezembro de 2021, o então secretário da Receita Federal, José Tostes Neto, foi demitido com uma ordem seca do então ministro Paulo Guedes: “o presidente quer o seu cargo”. Isso depois de o Palácio ter vetado o escolhido para a corregedor­ia da Receita. Tostes já estivera no noticiário em 2020 por ter se reunido com as advogadas do senador Flávio Bolsonaro, investigad­o pelo caso das rachadinha­s.

O acesso indevido, pelo próprio chefe de inteligênc­ia da Receita, aos dados fiscais do então procurador geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, que investigav­a as rachadinha­s é outra evidência da tentativa de Bolsonaro de usar o Fisco. Foram espionados também Paulo Marinho e Gustavo Bebbiano, ex-bolsonaris­tas ferrenhos, que ajudaram a vitória do ex-presidente em 2018, mas depois se tornaram desafetos.

Bolsonaro conseguiu cooptar alguns na cúpula da Receita para o projeto de uso do Estado para interesses privados, mas encontrou uma muralha entre os servidores que impediram esse escandalos­o caso de corrupção.

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