Poemas de um viajante
Literatura Filho de Waly Salomão organiza coletânea temática de textos do poeta baiano
Omar, filho do poeta baiano Waly Salomão (1943-2003), tinha 12 anos de idade quando recebeu um cartão postal do pai, dando a ele e ao irmão, Khalid, um conselho: “sejam bons viajantes”. A mensagem estava num cartão postal que o escritor enviara aos filhos numa viagem a São Francisco, nos EUA.
Levou quase 30 anos para Omar perceber o quanto o tema da viagem é importante e sempre esteve presente - direta ou indiretamente - nas criações de Waly. Dessa percepção, nasceu a coletânea Jet Lag - Poemas Para Viagem, que reúne poemas já publicados, com organização de Omar. Em comum aos textos, alguma relação com o tema.
Mas Omar diz que o assunto não era o propósito inicial: “O livro não nasceu com uma grande questão ou um tema. Queria uma antologia para as pessoas levarem no bolso. Pensei em poemas importantes dele e comecei a entender o tema da viagem como um processo de transformação”.
No cartão postal citado no início deste texto, Waly deixa clara essa transformação proporcionada ao viajante: “Viajar é se transmudar, é se modificar, é se transmutar”. E o interesse de Salomão pelas viagens tem relação com a história da família, como observa Omar. O poeta era filho de um imigrante sírio com uma baiana sertaneja.
Além disso, Waly viajava muito, principalmente por causa dos convites que recebia para eventos literários. O documentário Pan-Cinema Permanente (2008), de Carlos Nader, amigo do escritor, mostrava essa alma de viajante
Ele era fascinado pelo mundo ‘vivo’ e buscava as raízes ‘baianárabes’, como ele costumava dizer Omar Salomão filho de Waly e organizador do livro da Companhia das Letras
que tinha o baiano nascido em Jequié. O filme foi o vencedor do mais importante festival de documentários do país, É Tudo Verdade.
Para Omar, o que realmente importa é entender o que significa disso: “Viajar não é ser turista e olhar um país como se fosse a vitrine de uma loja. É exatamente o contrário disso, é você se 'sujar', se perder... É não entender algumas coisas e se deslumbrar”.
Entre as viagens que Waly realizou, uma o marcou bastante, que foi a ida à Síria, onde conheceu um tio. Mas na cabeça do poeta, o lugar era muito diferente daquele que conheceu e que experimentou na realidade: “Alguns poemas revelam belamente essa diferença entre o que você tem na memória e o que você vê quando chega ao Oriente Médio”. No poema Tarifa de Embarque, por exemplo, há o trecho inicial que comprova essa ideia: “Não te decepciones/ ao pisares os pés no pó/ que cobre a estrada real de Damasco”.
RAÍZES BAIANÁRABES
Muito ligado ao seu passado árabe, Waly gostava de usar palavras que tinham origem no idioma de seus ascendentes. A palavra ‘tarifa’, por exemplo, é uma dessas. “Vivemos muito a cultura árabe e isso não está só nome que ele deu aos filhos [Khalid e Omar], mas cada vez mais ele buscava essa ascendência. Ele era fascinado pelo mundo ‘vivo’ e buscava as raízes ‘baianárabes’, como ele costumava dizer”.
Waly tinha uma relação muito próxima com a música e dirigiu no palco artistas importantes como Cássia Eller e Gal Costa. Muitos versos dele também resultaram em canções e dois poemas musicados estão em Jet Lag: Alteza que Caetano Veloso musicou e Maria Bethânia gravou - e Vapor Barato, que Gal Costa gravou em 1971, num compacto. Logo depois, no mesmo ano, a canção entrou no álbum Fa-Tal, gravado ao vivo num show dirigido por Waly.
Para Omar, o pai não fazia distinção entre letras para músicas e os poemas que escrevia: “Muitas vezes, ele escrevia o poema e só depois era musicado. E ele fazia questão de publicar as letras em livros, como poemas”. Omar diz que organizou o livro como a estrutura de um espetáculo musical. “Foi uma coisa orgânica e pensei como o roteiro de um show, com diferenças de intensidade: primeira, coloca um hit e, depois, uma música lenta, por exemplo”, revela.