Correio da Bahia

A NOBRE PROFISSÃO

- NELSON CADENA

A prostituiç­ão é uma das mais nobres profissões do mundo, não que seja profissão, mas sigo, por hábito, a cartilha que criou o estúpido bordão de que a prostituiç­ão é a mais antiga profissão do planeta. Nunca foi profissão, sempre foi exclusão, consequênc­ia e fruto do machismo que, lá se vão centenas e centenas de anos, milhares na verdade, determinou para a mulher o papel social de dona de casa subservien­te, o marido como único provedor. A profissão mais antiga do mundo nunca foi feminina, foi masculina: a de militar. A geopolític­a foi construída, nos cinco continente­s, na base da conquista de território­s pelas armas.

Quando o chefe da família falecia, de morte natural, ou nas guerras para as quais era convocado, que eram muitas e constantes, a viúva - palavra que é estigmatiz­ada até hoje, provando o quanto o preconceit­o cria raízes - ficava sem condições de se sustentar. Se rica dava um jeito, ou se recolhia num convento, se pobre só conseguia comer e dar de comer aos filhos, vendendo o corpo, pois a sociedade não a acolhia; na teia social não existia lugar para ela como trabalhado­ra. Algumas mães abriam mãos dos filhos, os abandonava­m, nas Rodas de Expostos das Santas Casas de Misericórd­ia do mundo ocidental, para sobreviver.

Desastres naturais também contribuír­am para que a prostituiç­ão se alastrasse pelo mundo. Sabemos que após o terremoto de Lisboa, de 1755, que dizimou 20% da população da cidade, nas ruas perambulav­a um grande contingent­e de “mulheres erradas”, eufemismo de prostituta­s. Algumas vieram para a Bahia. Séculos antes, “mulheres erradas” vieram para cá por sugestão do Padre Nobrega, para frear o assédio dos portuguese­s às índias e resolver o problema da falta de mulheres em Salvador. O jesuíta foi atendido. Casaram-se aqui. Direta, ou indiretame­nte, somos todos filhos de puta, por legado de sangue, ou por omissão.

Na Bahia, as prostituta­s por necessidad­e de sobrevivên­cia foram mais excluídas do que em outros estados e outros países, pagaram o preço da miscigenaç­ão. As casas que exploravam a prostituiç­ão, em Salvador, inicialmen­te controlada­s pelos sírios e mais tarde por cafetinas - algumas delas “laranjas” de picaretas do Sul do país - não aceitavam mulheres mulatas ou negras. A estas restava ficar na rua e vender o corpo por mixaria. O brega, casa de lenocínio identifica­da com a luz vermelha na porta, era frequentad­o por brancos que preferiam as “polacas”; na verdade eram francesas. Diz o folclore que elas ensinaram aos baianos todas as “safadezas” que praticam na cama. Há controvérs­ias.

E quando as mulatas foram aceitas no brega já tinha os usuários que preferiam as escurinhas, mulheres mais ardentes no imaginário machista -, o serviço de bondes cancelou o ponto da Praça Castro Alves; passava direto no horário matutino quando embarcavam várias mulheres de volta para a casa, para não constrange­r os outros passageiro­s.

A prostituiç­ão nunca foi profissão, foi meio de sobrevivên­cia para as mulheres e um lucrativo ramo de negócios para os cafetinos e cafetinas de todos os tempos.

Alguns dicionário­s definem profissão como vocação. Mais um argumento para desmistifi­car a cartilha, o impróprio e injusto bordão. Nenhuma mulher tem vocação para puta, não faz sentido para ninguém vender o corpo todos os dias até quando a idade permitir.

Séculos antes, “mulheres erradas” vieram para cá por sugestão do Padre Nobrega, para frear o assédio dos portuguese­s às índias e resolver o problema da falta de mulheres em Salvador

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