A NOBRE PROFISSÃO
A prostituição é uma das mais nobres profissões do mundo, não que seja profissão, mas sigo, por hábito, a cartilha que criou o estúpido bordão de que a prostituição é a mais antiga profissão do planeta. Nunca foi profissão, sempre foi exclusão, consequência e fruto do machismo que, lá se vão centenas e centenas de anos, milhares na verdade, determinou para a mulher o papel social de dona de casa subserviente, o marido como único provedor. A profissão mais antiga do mundo nunca foi feminina, foi masculina: a de militar. A geopolítica foi construída, nos cinco continentes, na base da conquista de territórios pelas armas.
Quando o chefe da família falecia, de morte natural, ou nas guerras para as quais era convocado, que eram muitas e constantes, a viúva - palavra que é estigmatizada até hoje, provando o quanto o preconceito cria raízes - ficava sem condições de se sustentar. Se rica dava um jeito, ou se recolhia num convento, se pobre só conseguia comer e dar de comer aos filhos, vendendo o corpo, pois a sociedade não a acolhia; na teia social não existia lugar para ela como trabalhadora. Algumas mães abriam mãos dos filhos, os abandonavam, nas Rodas de Expostos das Santas Casas de Misericórdia do mundo ocidental, para sobreviver.
Desastres naturais também contribuíram para que a prostituição se alastrasse pelo mundo. Sabemos que após o terremoto de Lisboa, de 1755, que dizimou 20% da população da cidade, nas ruas perambulava um grande contingente de “mulheres erradas”, eufemismo de prostitutas. Algumas vieram para a Bahia. Séculos antes, “mulheres erradas” vieram para cá por sugestão do Padre Nobrega, para frear o assédio dos portugueses às índias e resolver o problema da falta de mulheres em Salvador. O jesuíta foi atendido. Casaram-se aqui. Direta, ou indiretamente, somos todos filhos de puta, por legado de sangue, ou por omissão.
Na Bahia, as prostitutas por necessidade de sobrevivência foram mais excluídas do que em outros estados e outros países, pagaram o preço da miscigenação. As casas que exploravam a prostituição, em Salvador, inicialmente controladas pelos sírios e mais tarde por cafetinas - algumas delas “laranjas” de picaretas do Sul do país - não aceitavam mulheres mulatas ou negras. A estas restava ficar na rua e vender o corpo por mixaria. O brega, casa de lenocínio identificada com a luz vermelha na porta, era frequentado por brancos que preferiam as “polacas”; na verdade eram francesas. Diz o folclore que elas ensinaram aos baianos todas as “safadezas” que praticam na cama. Há controvérsias.
E quando as mulatas foram aceitas no brega já tinha os usuários que preferiam as escurinhas, mulheres mais ardentes no imaginário machista -, o serviço de bondes cancelou o ponto da Praça Castro Alves; passava direto no horário matutino quando embarcavam várias mulheres de volta para a casa, para não constranger os outros passageiros.
A prostituição nunca foi profissão, foi meio de sobrevivência para as mulheres e um lucrativo ramo de negócios para os cafetinos e cafetinas de todos os tempos.
Alguns dicionários definem profissão como vocação. Mais um argumento para desmistificar a cartilha, o impróprio e injusto bordão. Nenhuma mulher tem vocação para puta, não faz sentido para ninguém vender o corpo todos os dias até quando a idade permitir.
Séculos antes, “mulheres erradas” vieram para cá por sugestão do Padre Nobrega, para frear o assédio dos portugueses às índias e resolver o problema da falta de mulheres em Salvador