Efeito nocivo do estado paralelo
A manhã da última quarta-feira em Plataforma pode parecer, à primeira vista, reprise de cena antiga, mas não é. Trata-se de mais um dos frequentes episódios em que escolas públicas são forçadas a suspende as aulas por medo dos reflexos provocados pela guerra entre múltiplas facções do narcotráfico que atuam na capital. Dessa vez, foram quase mil alunos da rede municipal afetados pela interrupção das atividades nas duas unidades de ensino situadas no bairro do Subúrbio de Salvador, a imensa maioria crianças de até 12 anos. Pode-se tentar reduzir o problema a um curto período sem contato com a rotina estudantil, mas seus efeitos vão muito além de datas.
A começar pelos prejuízos sociais e pedagógicos aos estudantes proibidos de ter acesso às aulas e tarefas extraclasse por imposição da criminalidade, que age como Estado paralelo em bairros pobres e periféricos da capital relegados a segundo plano pelo Poder Público,
ou seja, o Estado real. No lugar em que o segundo falha, o primeiro nasce, cresce, prolifera, mata, morre e renasce também, em um círculo infinito vicioso. A escola é justamente o único caminho sustentável de saída para gerações de crianças e adolescentes que convivem com a violência como se fosse hóspede indesejável e ao mesmo tempo impossível de ser expulso.
Quando toques de recolher fecham a porta de entrada para a educação, ainda que por um ou dois dias, a mensagem é a de que não há muito por onde escapar. É inaceitável que a sociedade assista escolas com a entrada cerrada por receio da reação de criminosos incomodados com o descumprimento de suas ordens em comunidades nas quais são, simultaneamente, juízes, governantes e executores, exercendo o papel de braço armado, sem qualquer ação de fato efetiva das forças de segurança pública do estado da Bahia, a quem compete a missão de combater organizações criminosas em suas divisas.
A suspensão das aulas em Plataforma seria mais fácil de compreender se fosse fato isolado. Não é o caso. Pelo contrário. É só a nova gota em um balde já cheio delas.
Moradores de bairros de regiões populosas como Subúrbio, Cajazeiras e Valéria e de localidades às margens da BR-324 conhecem bem isso há pelo menos meia década, assim como sabem os responsáveis por cuidar das crianças e adolescentes que dependem dos estudos para sonhar com uma vida bem diferente da que salta dia a dia aos seus olhos. Cada vez que a escola fecha, quem precisa cuidar tanto dos menores quanto do sustento perdem um importante suporte, mesmo que de modo provisório.
É fundamental que as autoridades estaduais garantam o mínimo de normalidade nos lugares em que ela se tornou exceção à regra. Em vez de deixar que o toque de recolher entre em curso para depois tentar abafá-lo, o ideal seria agir antes dos criminosos, reforçando o policiamento nas áreas sob guerra campal, para que a o sentimento de ser cidadão e refém não se propague das gerações atuais para as futuras.
O toque de recolher que suspendeu as aulas de quase mil alunos em Plataforma prova que, quando o Poder Público falta, a violência define o destino até dentro das escolas