Correio da Bahia

Apenas 8% das baianas adotam nome dos maridos

Em dez anos Costume machista caiu em mais de 85% entre as mulheres no estdo

- Maysa Polcri* REPORTAGEM maysa.polcri@redebahia.com.br

A tradição da mulher adicionar o sobrenome do marido após o casamento tem raízes no machismo estrutural. Até 1977, elas tinham a obrigação de carregar o nome dele para mostrar que dali em diante ‘pertenciam’ a esse parceiro. Depois, passou a ser facultativ­o. Em dez anos, a quantidade de mulheres que escolheu mudar o nome despencou em mais de 85% na Bahia. Em 2022, apenas 8% adicionara­m o nome dos parceiros, 92% recusam a prática.

Usar o sobrenome do marido sempre foi desejo da professora e assessora jurídica Solange Barreto, 29. “Foi um gesto simbólico”, conta ela, que casou em 2021. A escolha de Solange, no entanto, tem se tornado cada vez mais rara, como indicam os dados da Associação dos Registrado­res Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (Arpen).

Dos 154,5 mil casamentos realizados nos últimos três anos no estado, somente 13,3 mil mulheres alteraram seus nomes. Em 48,3 mil das uniões (89%), os sobrenomes não foram adotados por nenhuma das partes - desde 2002, o homem pode usar o nome da mulher.

Os dados dizem respeito aos casamentos heteroafet­ivos, mas casais homossexua­is têm o mesmo direito.

Fatos sociais não têm uma única explicação, mas o controle das mulheres sobre suas vidas é um fator a ser considerad­o. “Hoje, as mulheres não se contentam em ser a sombra dos homens. Antes, era filha de alguém e depois virava esposa de alguém”, analisa Márcia Tavares, pesquisado­ra do Núcleo de Estudos Interdisci­plinares sobre a Mulher (Neim/Ufba). Ela lembra ainda que a influência da Igreja Católica é menor, o que contribuiu: “A ideia sempre foi que casamento é um contrato e, sacralizad­o pela Igreja, a mulher passa a ser propriedad­e do homem”.

Enquanto as mulheres deixaram de ser obrigadas a adicionar o nome dos maridos no final da década de 70, a legislação brasileira só permitiu que homens utilizasse­m o nome das esposas em 2002. Mas a moda nunca pegou. Nos 154,5 mil casamentos feitos na Bahia em 2022, só 1.085 homens adicionara­m outro nome. Em apenas 0,2% dos casos, o homem foi o único a fazer a alteração - o que representa 109 uniões.

BUROCRACIA

As mulheres não se contentam em ser a sombra dos homens. Antes, era filha de alguém e depois virava esposa de alguém Márcia Tavares pesquisado­ra do Neim

Nem o amor que a advogada Carla Vitória Santos, 32, sente pelo companheir­o foi suficiente para enfrentar a burocracia para alterar o nome. Isso porque não basta a mudança no dia do casamento. Todos os documentos - RG, CPF, Título de Eleitor, Passaporte e cadastros bancários - devem ser modificado­s. Para isso, é preciso paciência e dinheiro para pagar as taxas. “No meu caso, até o registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o contrato social da empresa que trabalho teriam que mudar ”, diz.

Num mundo em que tempo é dinheiro, a dor de cabeça não vale a pena. Por ser advogada, Carla já conhecia a burocracia envolvida. Renato Almeida, 45, por outro lado, tinha expectativ­a de adicionar o nome da esposa. Mas o espanto com o processo foi tanto que deu para trás.

Apesar de a Arpen não divulgar preços para a alteração dos documentos, casais precisam desembolsa­r, em média, R$ 392. A segunda via do RG custa R$ 46,36 e a da Carteira Nacional de Habilitaçã­o , R$ 89,96. No caso do Passaporte, havendo alteração de dados, é preciso solicitar novo documento, que custa R$ 257.

*COM ORIENTAÇÃO DA SUBEDITORA FERNANDA VARELA.

 ?? ARISSON MARINHO ?? A advogada Carla Vitória Santos, que casou e não adotou o sobrenome do marido, alerta para a burocracia que tem de ser enfrentada para alterar também todos os documentos
ARISSON MARINHO A advogada Carla Vitória Santos, que casou e não adotou o sobrenome do marido, alerta para a burocracia que tem de ser enfrentada para alterar também todos os documentos

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