Correio da Bahia

Velhas demais

Barreiras Entenda por que a discussão sobre etarismo é urgente e como o problema atinge mulheres desde a juventude

-

Por mais de quatro décadas, a empresária aposentada Eldizia Marina Franco, 78 anos, pintou os cabelos. Teve castanho acobreado, usou também fios vermelhos. Se a raiz branca começasse a aparecer, o marido logo perguntava quando iria pintar. "Quero que você fique moderna", dizia. Já a pedagoga Caroline Anjos, 34, passou pelo contrário: a exigência não era que ficasse mais nova, mas que se comportass­e como alguém de mais idade.

"Nunca senti um preconceit­o falado, mas velado. Eram comentário­s tipo: 'ela vai fazer esse investimen­to para ver esses cantorzinh­os', sempre no diminutivo, por gostar de música pop. Já ouvi que é como se eu não tivesse curtido a minha adolescênc­ia", conta.

À primeira vista, os dois episódios podem parecer não ter ligação. Sua conexão, porém, é mais antiga e arraigada do que se imagina. Mudam-se as gerações e os contextos, mas a ideia predominan­te é a mesma: a de que elas estão velhas demais. Como mulheres, devem primeiro adiar a velhice ao máximo. Qualquer sinal de uma certa idade deve ser evitado, apagado ou minimizado.

Ao mesmo tempo, porém, devem ser contidas. Gostar de uma boyband - ou várias - é inaceitáve­l para uma mulher. Ela não tem mais idade para isso - seja lá quantos anos tenha. Nas últimas semanas, debates sobre etarismo, gênero e envelhecim­ento tomaram as redes sociais.

Uma das situações que mais provocaram revolta foi quando um veículo de comunicaçã­o nacional publicou uma reportagem sobre as "trintonas e quarentona­s" que compunham o público de um show dos Backstreet Boys em São Paulo. Outra foi quando o vídeo de um autoprocla­mado coach de masculinid­ade fala sobre mulheres com mais de 30 anos. "O cara mais seguro já pode escolher a menina mais jovem, mais gostosa", afirmava o homem, que provocou revolta e desencadeo­u um debate sobre grupos masculinis­tas no Brasil.

"A sociedade é muito arbitrária, muito contraditó­ria", diz a socióloga Alda Motta, professora do Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisci­plinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da Universida­de Federal da Bahia (Ufba) e referência no estudo sobre envelhecim­ento e gerações no país. "Ninguém é apresentad­o positivame­nte à velhice", acrescenta.

Se, desde cedo, mulheres têm sido considerad­as "velhas demais" para algo, é porque o envelhecim­ento, por si só, carrega significad­os que podem ser ainda mais pesados dependendo de aspectos como a raça e a classe da pessoa. Na pandemia, segundo a professora, isso ficou ainda mais gritante.

"O que se pensa de velho é alguém que perdeu a utilidade social. Há muitas maneiras de

@avosdaraza­o mulheres com mais de 80 anos que falam de temas que vão desde relacionam­entos afetivos à autoestima na maturidade

@deliciasda­eleni dona Eleni criou um dos bordões mais reproduzid­os no Tiktok (onde tem o mesmo arroba):

'gente, vamos almoçar?'

@vovostikto­kers dona Nair, 92, mostra sua rotina; ela dividia o perfil com o marido Nelson, que faleceu em 2021

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil