Reforma Onde ficam os professores no novo Ensino Médio?
Professores que conversaram com a reportagem relataram o surgimento de outras eletivas como Leitura e Escrita de Mundo, Saberes e Sabores, Ciência com a Palavra, Quintal Vivo, Cultura Popular e Patrimônio Cultural Corporal, Meio Ambiente, Energia e Sociedade, Os Números e suas Relações, Projeto de Vida, Ciências em Cena, Matemática para além dos Números.
Entre os impactos diante da reforma, os educadores enfrentam redução de carga horária de matérias generalistas, ou seja, menos aula de Língua Portuguesa, Matemática, História, Física, Biologia, Geografia. E falta material didático específico para muitas das novas disciplinas eletivas, laboratórios e estrutura. Para o doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), Fernando Cássio, o trabalho dos professores mais que dobrou.
“De três disciplinas agora, você tem 50. São os mesmos professores, não mudaram as condições de trabalho, a estrutura da carreira, formação e salário. Nada contra fazer horta, ter uma formação profissionalizante, mas essas coisas precisam fazer sentido. Tem que estar ali a mais, um ganho além da aula de Física. Quantas horas de física foram perdidas nas escolas particulares? Nenhuma”, opina.
Outro ponto crítico está no aumento do fosso de desigualdade entre a educação ofertada na rede pública e privada, como argumenta ainda Cássio. “Na prática, a reforma reduz o ensino médio dos estudantes mais pobres a uma base medíocre de Português e Matemática, o que vai aumentar barreiras de acesso ao ensino superior. Mais um efeito colateral é o risco de desmontar o sistema unificado de seleção nas universidades, construído a duras penas. Na hora que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) mudar para atender ao novo currículo, teremos instituições que vão começar a recriar os vestibulares próprios”.
DESAFIOS
Professor de Física há 15 anos,
é preciso pegar várias turmas em várias séries para completar as horas”.
Consultor educacional e professor de Filosofia e Projeto de Vida, Saulo Dourado dá aulas em 25 turmas. Ele reconhece as críticas e problemas do modelo, mas enxerga o surgimento de novos componentes como uma oportunidade para que o educador possa fazer diferente. “Se existe essa autonomia, que o professor se aproveite dela para criar. Por exemplo, eu posso em um colégio estadual criar uma eletiva? Pode. Que a gente escolha as possibilidades mais críticas e criativas para habitar nas lacunas desse modelo”.
CAMINHOS
Esvaziamento do currículo, novos componentes dos itinerários formativos que não suprem as lacunas. Diversidade de desenhos curriculares e distorções geradas entre o que é ensinado em cada escola. Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e professora da rede estadual de ensino, Catarina Cerqueira ressalta que a reforma permite que pessoas não licenciadas ministrem aulas, o que a médio e longo prazo vai acarretar uma desvalorização mais acentuada da carreira docente. “Os efeitos disso para as licenciaturas é muito perigoso, pois torna os currículos muito mais enxutos e de pouca densidade para a formação específica”, pontua.
Efeito que atinge diretamente a formação do senso crítico dos estudantes, acrescenta Catarina: “Não há como remediar uma reforma que terá um grande impacto nas gerações. Quando existe um modelo que condiciona o jovem a escolher apenas um itinerário - que na realidade tem a oferta definida pelas secretarias de educação - você priva o estudante do conhecimento socialmente construído pela humanidade”.
Qual a saída? Para a professora de História na rede particular e doutora em Educação pela Universidade Estadual da Bahia (Uneb) Heloisa Helena Tourinho, mais que uma reforma é preciso a valorização do trabalho docente. “Melhores salários, formação, adequação das salas de aula e das escolas. É preciso investimento nisso para que os estudantes possam ter de fato uma educação formativa”.
Heloisa insiste que cada escola está fazendo o que bem entende. “As mudanças curriculares são bem-vindas quando elas se apropriam da realidade que ocorre na educação, o que não é o caso do Novo Ensino Médio. O que acontece com o novo ensino médio é a fragmentação do conteúdo, a fragmentação da área e o esvaziamento do que seriam as ciências humanas. Efetivamente isso representa um retrocesso”, completa.