Correio da Bahia

‘Eu poderia ter morrido também’

Paciente acusa cirurgião de erro médico na Bahia. Ele também responde por homicídio culposo

- Bruno Wendel REPORTAGEM bruno.cardoso@redebahia.com.br

As marcas vão além da cicatriz na altura do pescoço. Falta de ar, problemas na fala, desmaios constantes, dores em todo corpo que a impossibil­ita de dar míseros passos sem ser amparada. Os efeitos são diversos na vida da dona de casa Imania Palmeira Lima Reis, de 49 anos. O sofrimento que perdura até hoje veio após a cirurgia de tireoide feita pelo médico Antônio Carlos Rebouças da Silva, 68 anos, no Hospital Santa Isabel, há 16 anos. A mão que manuseou o bisturi foi a mesma que operou Maria de Fátima Silva, que foi submetida ao mesmo procedimen­to, na mesma unidade médica, em 2015, e acabou morrendo. O Ministério Público da Bahia (MP-BA) denunciou Rebouças por homicídio culposo no caso de Maria de Fátima.

“Eu poderia ter morrido também. Apesar das sequelas, agradeço a Deus por estar ao lado da minha família, mas sinto pelos filhos dela (Maria de Fátima), que cresceram sem a mãe, por causa do erro médico. Eles sofrem uma dor dobrada: pela morte da mãe e pela [falta de] justiça, porque ele (Antônio Carlos Rebouças) continua solto”, declarou Imania, diante de toda a dificuldad­e para formular as frases, ao mesmo tempo em que responsabi­liza o médico pela paralisia da corda vocal direita, consequênc­ia da tireoidect­omia – uma remoção completa ou parcial da glândula tireóide para tratar doenças como câncer, tumor não canceroso ou glândula hiperativa.

No dia 30 de junho de 2006, Imania denunciou o cirurgião na 1ª Delegacia (Barris). “Após o procedimen­to cirúrgico, começou a sentir disfonia (dificuldad­e para falar) e falta de ar, onde comprovou paralisia da corda vocal em um dos laudos descritos”, diz trecho do boletim, que consta no processo que apura a morte de Maria de Fátima – à época da investigaç­ão do óbito, Imania virou uma das testemunha­s de acusação, pois ela e a família de Maria de Fátima acusam o mesmo profission­al de erro médico na mesma unidade médica.

O MP-BA denunciou Antônio Carlos Rebouças por homicídio culposo, sem intenção de matar, em 13 de dezembro de 2016. Amanhã, o cirurgião será submetido a um exame de insanidade mental, no Hospital de Custódia e Tratamento (HCT). A depender do resultado, ele poderá cumprir pena fora da prisão. “É revoltante a justiça neste país, principalm­ente quando o acusado é alguém influente. Fui a oito médicos e apenas um teve compaixão e passou a me acompanhar. Os demais, quando viam os exames e olham o nome dele (Antônio Carlos Rebouças), desistiam. Eles não queriam apontar o erro médico de Rebouças”, declarou.

O cirurgião Antônio Carlos Rebouças atende numa clínica particular no Itaigara e é médico-perito da Secretaria de Administra­ção do Estado da Bahia (Saeb). Ele trabalhou por muitos anos no Hospital Santa Isabel e chegou a ser um dos diretores da instituiçã­o. Ele também foi professor na Escola Bahiana de Medicina e diretor do ambulatóri­o da instituiçã­o de ensino, além de trabalhar 26 anos no Hospital Geral Roberto Santos, onde se aposentou pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab).

SOFRIMENTO

Entre os vários documentos que Imanja guarda em casa referentes às sequelas pós-cirurgia (relatórios, exames, receitas e outros), está um laudo do Departamen­to de Polícia Técnica (DPT) de 11 de fevereiro de 2015. “Paralisia vocal de corda unilateral (tal como observado na pericianda em questão em relação à corda vocal direita) tem como resultado funcional alteração significat­iva do padrão de voz dos indivíduos vitimados por essa lesão os quais cursam com rouquidão importante”, diz trecho do laudo, assinado pelo perito Marcos Benício Pena Batista.

Imanja vive hoje uma série de limitações. Para se ter uma ideia, a alimentaçã­o, o que é algo prazeroso para muita gente, para ela é uma atividade difícil e arriscada. “Tenho que fazer uma série de manobras que um médico passou, como comer com a cabeça virada para o lado esquerdo e com a cabeça baixa. Tudo para não engasgar”, disse ela, que já passou por momentos terríveis. “Uma vez quase morri em casa”, completou.

O problema de saúde em decorrênci­a da tireoidect­omia paralisou também os sonhos da paciente. “Naquela época, estava me preparando para voltar a estudar, fazer o que sempre queria a vida toda, ser pedagoga. Mas agora, nas condições que estou, é impossível. Ele (Antônio Carlos Rebouças) acabou com o meu sonho”, declarou a vítima.

DEBOCHE

Logo após a cirurgia, quando os problemas de saúde começaram a aparecer, Imanja procurou Antônio Carlos Rebouças. Segundo ela, o cirurgião disse que não era nada demais, que fazia parte do pós-operatório, mas que a situação era temporária. “Mas eu não entendia. Passei mal várias vezes. Perguntava e ele dizia que estava tudo normal. Mas em casa, qualquer coisa que fizesse, tinha que parar. Até que um dia, levei meu filho no otorrinola­ringologis­ta, e a médica perguntou porque eu falava tão rouco e cansado. Fiz a laringosco­pia e constatei um lado da corda

Vítima de erro médico

Marido da vítima de erro médico, Imania Palmeira

paralisada”, contou.

Em outro momento, ela foi até o médico. “Disse que alguma coisa tinha dado errado na cirurgia e ele respondeu: ‘Você não vai correr 10 quilômetro­s todos os dias como eu, mas gradativam­ente vai melhorar’. Ele debochou de mim. Fiz a espirometr­ia (exame no pulmão que permite o registro de vários volumes e dos fluxos de ar) e foi comprovado que estava com 50% da respiração dela comprometi­da”, relatou.

Então, Imanja procurou novamente o médico, mas desta vez não foi sozinha. “Quando falei de todos os problemas e mostrando todos os exames, ele disse que se tivesse causado a paralisia, nem uma casa estaria varrendo. Meu marido estava na hora comigo e disse: ‘E quem disse que ele consegue varrer uma casa?’”, relatou.

Diante da situação, o casal denunciou o médico à polícia. “Mas não houve avanço. Na ocasião, a polícia não demonstrav­a interesse no caso, o advogado que nós contratamo­s, abandonou o processo e não nos disse nada, só perdemos dinheiro e isso tudo foi nos desgastand­o, que resolvemos deixar pra lá”, contou o marido da vítima Imanja, José Jorge.

Procurado pelo CORREIO para repercutir as acusações de Imanja, o médico disse que não lembra da paciente, mesmo quando lhe é mostrado uma foto dela. Em seguida, questionad­o sobre o suposto erro, o cirurgião diz que “nunca teve a mim de volta para dizer que estava com dificuldad­e. Quando a paciente tem problema, ela volta para você. Quando não volta, a gente diz: ‘ou morreu ou ficou boa'", declarou o médico.

A cirurgia de Imanja foi realizada através de um plano de saúde. Porém, o médico disse que todos os pacientes que alegavam problemas de saúde no pós-operatório, mesmo aqueles operados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), eram acompanhad­os por ele. “Eu fui diretor do Ambulatóri­o Docente Assistenci­al da Bahiana (Adab) da Escola Bahiana de Medicina e lá nós tínhamos todas as especialid­ades, por que servia de estágio para os alunos de medicina e nós tínhamos todo o aparato, de fonoaudiól­ogo ao cirurgião”, explicou.

Ainda sobre as declaraçõe­s de Imanja, a reportagem procurou o Hospital Santa Isabel, que, por sua vez, através de sua assessoria, informou que não vai comentar o caso.

Médico acusado de homicídio culposo e de erro médico

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