Diplomacia, celebração e fé nos orixás
O terreiro Ilê Oba L’Okê, em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), promoveu ontem o seu primeiro Café das Nações, encontro entre representantes de diversas religiões afrobrasileiras, para celebrar o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, instituído pela Lei 14.519/23. Cânticos e danças ancestrais também honraram a data.
A programação teve, ainda, uma caminhada por Lauro de Freitas e, em Salvador, um evento na reitoria da Universidade Federal da Bahia (Ufba). “Esse primeiro momento teve o objetivo de reunir as pessoas e membros do governo para falar o quanto essa data é importante para a gente e sensibilizá-los a nos ajudar a pensar políticas públicas”, explicou Vilson Caetano, babalorixá do Ilê Oba L’Okê e também antropólogo.
Sancionada em janeiro, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a legislação visa celebrar a diversidade religiosa existente no Brasil e prestigiar os valores constitucionais de liberdade e inviolabilidade de crença, de credo e de seu exercício, estimulando, assim, o combate ao racismo religioso.
“Embora nós falemos que o racismo é algo que atinge, de maneira geral, a população negra, nós homens e mulheres negros participantes das religiões de matriz africana somos duplamente fragilizados”, diz Vilson.
Integrante do Axé Jitolu, localizado no Curuzu, Hildelice Benta, mais conhecida como Doné Hildelice, está no candomblé há quase metade de seus 62 anos de vida. Ela, que tem na religião uma herança de família, considera a celebração do Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé como uma conquista. “Estou muito feliz. É mais uma vitória pra gente que é adepta das religiões de matriz africana”, afirma.
Sacerdote do centro umbandista Paz e Justiça, em Luís Anselmo, há 28 anos, Pai Raimundo de Xangô ressaltou que, na ocasião, devem ser celebradas todas as religiões de matriz africana, como a umbanda, e não só o candomblé. “Essa lei veio para bater o carimbo de que nós existimos e merecemos respeito, assim como nós respeitamos todas as outras religiões”, acrescenta ele, que é membro do Conselho Inter-religioso da Bahia.
A mensagem de Pai Raimundo é compartilhada por outros integrante do conselho, como o padre católico
Lázaro Muniz, da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Apesar de ser integrante de religião cristã, ele também prestigiou o Café das Nações. “Para a Igreja Católica, nós entendemos que cada religião precisa ter o seu espaço. Uma pessoa não é minha inimiga porque pertence a outra religião”, destaca. “Cada religião precisa ser respeitada, e não tolerada. Vamos romper com a ideia de tolerância”.
A primeira-dama da Bahia, Tatiana Velloso, esteve no encontro. Para ela, o momento simboliza não só a celebração das religiões de matriz africana mas também a importância de combater o racismo decorrente da colonização. “Isso não é passado, é presente e é materializado nas violências e nas violações de direitos”, declarou a primeira-dama, que foi presenteada com uma ‘joia de crioula [ornamento usado por africanas e crioulas - negras nascidas no Brasil -, escravizadas ou libertas, nos séculos XVIII e XIX, como símbolo de status]; e uma Iemanjá em metal.
A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, mostra que, em 2021, das 571 denúncias de violação às manifestações de diversas religiões, mais da metade eram relacionadas às de matriz africana.
Outro dado, dessa vez do Relatório da Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde (Renafro) - ‘Respeite O Meu Terreiro’ - mostra que de 255 líderes de terreiros e casas de culto de religões africacas, entrevistados em todo o país, 99% alegam ter sofrido alguma ofensa.
Originalmente, a ideia era estabelecer 30 de setembro como Dia Nacional das Tradições das Raizes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. Mas a data foi alterada para 21 de março por sugestão do senador Paulo Paim (PT-RS), para coincidir com o marco das Nações Unidas para instalar a rede intercontinental de conscientização pelo Dia Internacional Contra a Discriminação Racial. A data remete ao Massacre de Sharpeville (África do Sul, 1960), quando 20 mil pessoas protestaram contra a Lei do Passe, que obrigava negros a portarem cartão com os locais onde podiam circular. A repressão ao ato resultou em 69 mortos e 186 feridos.