Correio da Bahia

Doméstica denuncia agressões da patroa

Rio Vermelho Gleide das Graças, 53, não tinha férias e nem carteira assinada

- Maysa Polcri* REPORTAGEM maysa.polcri@redebahia.com.br

A empregada doméstica Gleide das Graças Idalan de Jesus, 53, relata ter vivido momentos de terror na casa da patroa, localizada no Rio Vermelho, na última sexta-feira (17). Por ter faltado ao trabalho no dia anterior, a funcionári­a conta ter sofrido agressões físicas e verbais, além de ter sido ameaçada de morte pela advogada Mary Wichs Cabus, que nega as acusações. Nesta terça-feira (21), o Ministério Público do Trabalho (MPT-BA) instaurou inquérito civil para apurar as denúncias.

Quando Gleide das Graças chegou ao apartament­o na manhã da última sexta, levou um susto. Havia dezenas de talheres sujos espalhados pelo chão, um copo quebrado em um dos quartos e muitos objetos fora do lugar. A empregada doméstica, que há três anos trabalha no local, também foi surpreendi­da pela forma como foi tratada pela advogada.

“Quando eu fui explicar porque não tinha

Março de 2021: Madalena Santiago da Silva, 62, vítima de trabalho análogo à escravidão por 54 anos em casa de Lauro de Freitas, na RMS, foi resgatada pelo Ministério Público Trabalho (MPT);

Agosto de 2021: A babá Raiana Ribeiro da Silva, 27, pulou do 3º andar de um prédio no Imbuí, após ser mantida em cárcere privado pela patroa, Melina Esteves França;

Série do CORREIO: No auge da pandemia, jornal publicou série que revela ameaças sofridas por domésticas em Salvador, que foram proibidas de sair das casas dos patrôes na quarentena ido trabalhar no dia anterior, ela começou a gritar e disse que não queria saber dos meus problemas”, relata.

No dia anterior em questão, a quinta-feira (16), Gleide levou a companheir­a ao médico e precisou se ausentar. Por isso, a patroa decidiu que iria descontar R$ 200 do seu salário - composto de um mínimo e um acréscimo de R$ 200. Apesar de ter sido recebida aos gritos, a funcionári­a diz que realizou as tarefas da casa, mas a situação ficou tensa ao longo do dia.

Depois de já ter mandado Gleide recolher as fezes do cachorro de estimação, Mary Wichs teria ordenado que ela limpasse todos os móveis do apartament­o de três quartos e quatro banheiros. “Eu disse que estava sentindo muitas dores e que não tinha condi

Comecei muito nova e sofri muito. Não tenho dentes hoje porque as patroas davam murro na minha boca Gleide das Graças Empregada doméstica

ções de fazer. Aí ela começou a me xingar e eu pedindo para ela parar”, relata. Logo depois, a advogada teria partido para a agressão física enquanto as duas estavam na varanda do apartament­o.

“Ela jogou óleo de peroba no meu rosto e eu comecei a me afastar. Corri para a cozinha, ela entrou também e trancou a porta. Aí começaram as agressões de murros e eu só segurei ela para me defender”, conta.

Foi quando a patroa teria quebrado o óculos da funcionári­a e jogado seu celular no chão. Os objetos passam por perícia. Gleide diz ainda que foi ameaçada de morte pela advogada e que precisou se trancar no banheiro para se proteger. Quando enfim conseguiu despistar a patroa, a funcionári­a pediu socorro aos vizinhos, que indicaram que ela fosse à polícia.

No mesmo dia, ela prestou queixa na 7ª Delegacia Territoria­l. Logo após dar seu depoimento, ela conta que foi procurada por uma pessoa próxima à família, que ofereceu dinheiro para que ela não desse continuida­de ao processo. “Ela disse que era para eu voltar ao apartament­o que eles iriam pagar o que me devem e um dinheiro a mais, mas eu não aceitei. Quero justiça por tudo que fizeram comigo”, afirma.

IRREGULARI­DADES

Além de agressões anteriores – o caso da sexta, 17, foi o primeiro de violência física - que segundo Gleide, ela relevou por medo de perder o emprego, a relação entre a patroa e funcionári­a seria marcada por irregulari­dades. Desde janeiro, a funcionári­a trabalha sem ter a carteira assinada e diz que nunca teve direito a férias nos três anos de trabalho. A empregada doméstica conseguiu tirar seis dias de folga no Carnaval, mas só porque a patroa viajou.

Márcio Tinoco, advogado que representa a vítima, analisa que havia entre elas uma relação de trabalho “viciada”, em que os direitos da funcionári­a eram constantem­ente deixados de lado. “Pelo relato da senhora Gleide, já houve assédio moral e psicológic­o, danos morais e imateriais no ambiente de trabalho. É o que chamamos de danos extrapatri­moniais. Além de buscarmos as verbas rescisória­s, vamos buscar o dano extrapatri­monial”.

Mary Wichs Cabus foi procurada, mas não retornou as ligações e nem indicou o contato de defesa. No depoimento prestado ontem, ao qual o CORREIO teve acesso, a advogada afirma que nunca agrediu a funcionári­a e diz que Gleide das Graças “surtou” e faltou seis vezes.

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PAULA FRÓES Gleide das Graças conta que a patroa a agrediu fisicament­e após ela faltar dia de serviço
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REPRODUÇÃO Apartament­o no Rio Vermelho onde a vítima trabalha há três anos para advogada

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