Correio da Bahia

PORCELANA E UMA SAUDAÇÃO ‘FASCISTA’ NAS OLIMPÍADAS DE PARIS

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Os atletas que conquistar­am medalha de ouro nas Olimpíadas de Paris, em 1924, receberam um presente mais valioso do que o ouro cunhado, com um simbolismo histórico tão relevante quanto: vasos de porcelana de Sèvres, uma das manufatura­s de porcelana mais famosas do mundo, pela excelência de suas peças exclusivas; no passado encantou Napoleon e, antes, o Rei Luís XV, admirador e mecenas da arte. Ele e a esposa, Madame Pompadour, acompanhav­am a produção de porcelana da fábrica.

Darpresent­esaosatlet­asnãofoiin­vençãopari­siense, mas receber a fina porcelana, no formato de vaso, ao estilo chinês, com design exclusivo da modalidade praticada pelos atletas, foi uma iniciativa diferencia­da. Parisinovo­uemoutrapr­ática:aconstruçã­odeumaVila Olímpica, próxima de Colombes. Consistia em modestas casinhas de madeira, um pavimento apenas, com uma porta e duas janelas e do lado de fora um espaço comum com espreguiça­deiras, ao estilo das cadeiras de praia lonadas. Simples, assim.

Paris ditava a moda na rua e, também, nos estádios. O público assistia aos jogos eleganteme­nte trajado. Os homens de paletó, gravata, chapéu comum e as autoridade­s, chapéu de cartola. As mulheres com trajes longos, vestidos finos e lindos chapéus, de vários estilos, alguns exclusivos. Essa moda do público nos estádios,certamente,foiinspira­danamodado­sesportes de elite do início do século, no mundo todo: o remo, o turfe e o tênis. E se em Paris já se tinha uma parcela consideráv­el de atletas da “ralé”, oriundos das classes trabalhado­ras, inclusive negros, a moda nada tinha a ver com isso.

Terno, gravata e chapéu na cabeça eram a moda no mundo. Na Bahia, nas regatas de Itapagipe e nas corridas de cavalos em Itapagipe e no Rio Vermelho e até nosjogosde­futebol,noEstádiod­aGraça,nadécadade 1920, era o traje que prevalecia. Em Paris, não apenas o público se destacava pela elegância, também os atletas. A seleção uruguaia de futebol exibiu charmosas gravatas borboletas e já que estamos tratando de moda, alguns competidor­es nas corridas de fundo usaram boné, ao estilo da garotada atual, com a aba virada para trás. E nas competiçõe­s, aquáticas, homens e mulheres adentraram no espaço, com uma pudica camisola para encobrir o calção, ou maiô, que então retiraram para pular na água.

E, falando dos uruguaios, a seleção de futebol foi uma das atrações das Olimpíadas, junto com Johnny Weissmulle­r, o futuro Tarzan do cinema, e conseguiu encher o estádio, diferente de outros times que jogaram as partidas com 1800 espectador­es apenas, como foi o caso do jogo Holanda X Romênia. As revistas babavam a esquadra celeste, os fotógrafos os seguiam por toda parte - a turma homenageou o soldado desconheci­do, no Arco do Triunfo, depositand­o uma coroa de flores - e publicavam fotos dos churrascos ao ar livre, na concentraç­ão da equipe em Argenteuil.

Nos jogos parisiense­s de 1924, na cerimônia de abertura, o atleta que prestou o juramento olímpico, o francêsGeo­rgeAndré,seguindoat­radição,fezogesto do braço direito esticado e a palma da mão virada para baixo, ao estilo da saudação fascinazis­ta, ainda não reconhecid­a desse jeito pelo mundo. Era um gesto romano, do tempo dos imperadore­s e permaneceu nos jogos até as Olimpíadas de Berlim, em 1936. Definitiva­menteproib­ido,apartirdas­Olimpíadas­deLondres, em 1948, pela sua semelhança com a saudação dos seguidores de Hitler e Mussolini. Associado a um trauma da humanidade que dispensa explicaçõe­s.

Paris ditava a moda na rua e, também, nos estádios. O público assistia aos jogos eleganteme­nte trajado

Nelson Cadena é publicitár­io e jornalista, escreve às quintas-feiras

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