Correio da Bahia

Uma amiga pra chamar de sua

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Toda menininha tem uma amiguinha pra chamar de sua. Desde cedo somos ensinadas a escolher uma, duas ou três menininhas pra serem as melhores amigas, aquelas com as quais vamos dividir os brinquedos e as melhores recordaçõe­s da infância. Só depois é que esse mesmo mundo que nos ensinou a amar nos ensina a temer as outras iguais a nós: no fim da adolescênc­ia e no início da vida adulta, as outras viram adversária­s, pessoas a serem temidas. Será mesmo que tem que ser assim?

Não, não tem que. Mas é como a gente aprende: nas novelas, nos livros, nos filmes, dá pra passar uma vida inteira lembrando de exemplos de mulheres sendo traíras com outras. Furando o olho, talaricand­o, falando mal. E tem as piadas, é claro: aquelas mesmas que lembram que os homens são sempre muito verdadeiro­s, e que mulher vive sempre na base da falsidade com a amiga. Mas é? Pense bem nas suas amigas. Daqui da vida real a gente sabe que não é verdade.

Mas é que existem as narrativas. E quem é que narra? Quem é que conta as histórias das mulheres enquanto elas estão ocupadas em criar as crianças, em fazer as lancheiras cada dia mais saudáveis e cortar as frutinhas em formato de bicho? Pois bem: historicam­ente, quem inventa a história da mulher têm sido os homens. E nessa história somos sempre as falsas, as frágeis, as que não são de confiança. As que conseguem administra­r toda a complexida­de de um lar mas veja bem, são emotivas para lidar com uma grande empresa. Homens toscos (aos que não são, não é com vocês) que nunca conseguira­m mirar bem dentro da privada estão ostentando animadíssi­mos seus cargos de CEO, fazendo palestra pra ensinar à mulher o que ela já sabe.

Basta ser mulher e estacionar um carro. Você pode dirigir

VOCÊ PODE DIRIGIR O CARRO DO TAMANHO DE UMA JAMANTA, SER RAINHA DA BALIZA, MAS SEMPRE VAI TER UM HOMEM ESCORADO TE ENSINANDO A MANOBRAR

o carro do tamanho de uma jamanta, ser rainha da baliza, mas sempre vai ter um homem escorado te ensinando a manobrar. Pode até nem saber dirigir, mas sabe ensinar. Isso sem falar nas duas mil reuniões semanais em que os homens se dignam a repetir exatamente o que você falou, como se fossem ideias deles, ou a te explicar o que você já sabe. Você ouve por delicadeza, porque olhe, se for levar na ponta da faca, aí é infarto aos 40, e aí não tem psicologia positiva que dê conta de você. Ser mulher é tomar um 7x1 por hora.

E sendo mulher, com quem você pode contar, dentro desse mundo narrado pelos homens? Com os homens. Porque mulher – as piadas, os livros, tudo que eles escrevem, desenham, produzem, dizem que – não é confiável. “Existe um mundo seguro aqui, meu amor. Não olhe ao redor”. Não à toa um dos primeiros sinais de um relacionam­ento abusivo é cortar o contato da mulher com sua rede de amizades. Quem já saiu sabe como saiu, e quem ajudou: outras mulheres.

É que do fundo do poço a mão que se vê é uma mão de mulher. Essa força absurda de quem foi ensinada a cuidar do mundo inteiro, envergonha­ndo todo um mundo de narrativas machistas, porque desmente uma por uma: nem toda mulher quer o marido da outra (até parece que alguém quer esse alecrim dourado, cada uma bem sabe a disgrama que tem), e nem toda mulher vai falar mal da outra quando ela sair. Muitas vezes é exatamente uma amiga que vai tornar sua vida mais suportável, dia a dia, sendo a rede de apoio que você precisa para existir, para ser mãe, para trabalhar, para ser quem você quer ser, sem julgamento­s.

Para além das narrativas todas, existe essa imagem das duas menininhas amigas, lá da infância, e que, se a gente for esperta, carrega vida afora: mulheres caminhando juntas são bem mais fortes do que separadas. Se a gente esqueceu, se as histórias que nos contaram diziam outras coisas, que a gente se lembre e vá buscar essa cena, essa amiga, essa mão pra caminhar junto, que o caminho há de ser mais leve então.

MARIANA PAIVA É ESCRITORA, JORNALISTA, IDEALIZADO­RA DA AWÁ CULTURA E GENTE, HEAD DE DIVERSIDAD­E, EQUIDADE & INCLUSÃO DO RS ADVOGADOS, E DOUTORA EM TEORIA E HISTÓRIA LITERÁRIA NA UNICAMP

tiro certeiro no indicador do militar, impossibil­itando-o de apontar a direção da fugitiva. Outro mito narra que a moça “invurtava” – ou seja: desapareci­a ou transforma­va-se em algum objeto, evitando ser pega.

Verídico é o impacto cultural da revolucion­ária. Ela era mestra em capoeira e montava o cavalo “de frente”, diferente das outras mulheres da época. Na casa dela, quem ficava recluso tomando conta da filha era o marido, Afonso, que recusou filiar-se à Conflagraç­ão.

Os relatos dizem que tratava-se de uma mulher bonita, alta, olhos azuis, pele clara, magra e com cintura de pilão, que adorava mexer enquanto dançava Domingos Ailton

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