Faroeste em Ilhéus
Eu vou contar uma história, uma história de espantar”, epigrafou assim Jorge Amado em ‘Terras do Sem Fim’, e cito-o para descrever um causo protagonizado por rapazes vindos das terras do além-mar. A disputa pelo controle das terras de Ilhéus e adjacências é um resumo compartilhado por ambas as tramas, mas há uma diferença fundamental – além da nacionalidade dos personagens: Badaró, Silveira e Firmo ambicionavam a mata de Sequeiro Grande; já Magali e seus anglosaxões desejavam controlar toda a Bahia.
Em 22 de novembro de 1907, um grupo de nove homens desembarcou no porto de Ilhéus. Oito deles eram gringos, num misto de canandenses, estadunidenses, irladenses e britânicos, liderados pelo brasileiro Sebastião, de vulgo Magali.
Eles portavam grandes malas [lá ele] e diziam ser artistas de circo para justificar o excesso de bagagem. A presumida lorota não colou entre os ilheenses, que notaram a falta de veia circense dos forasteiros, que, por sua vez, nem faziam questão de propagandear o prometido espetáculo.Suspeitas à parte, a suposta trupe hospedou-se na Fazenda do Pimenta e convenceu um comerciante a repassar três cavalos com pagamento fiado, garantindo que no dia 25 honrariam a dívida.
No dia prometido, nada do dinheiro. Incomodado, o vendedor foi até o subdelegado e dedurou a corja. Retornando a fazenda, foi recebido a balas pelo grupo, que rumou ao centro da cidade. Quando lá chegaram, dispararam à esmo, com a desconfiança da população sanada pelo anúncio de Magali, que se misturava ao bangue-bangue: “eis o circo”.
TURMA DO MAGALI
A empreitada do revolucionário pegou de surpresa as forças de segurança da Bahia, mas não deveria, pois Magali nunca fizera questão de esconder seus planos. Meses antes, o brasileiro circulou pelo Atlântico Norte em busca de recrutas e financiamento para sua trama golpista.
O sem-noção chegou a conceder entrevista ao jornal The Sun, de New York, onde reforçou o estereótipo do Brasil como país incivilizado. “Ali é um dos jardins do mundo. Mas todas as belezas da sua natureza estão às escuras devido à anarquia.
Afora os pequenos distritos, não há governo que valha este nome em todo país", bradou ao periódico, que descreveu o aventureiro como “moreno, de estatura mediana e falante de inglês”.
Vomitando delírios e birutezas, ele confidenciou o objetivo de atrair apoio de militares dos EUA. Nesta fala, até o The Sun, conhecido por seu tom sensacionalista, recorreu à sensatez. "Os Estados Unidos não deixarão sair do seu território nenhum soldado para uma expedição armada contra uma república amiga”, esclareceu.
Magali também telegrafou a bancos, magnatas e até a Embaixada Brasileira uma mensagem detalhando um plano de tomar posse da província de Minas Gerais na base da bala. “Eles não têm condições de me deter. Apenas 80 soldados defendem o palácio do governador em Belo Horizonte”, garantia o megalomaníaco.
Completando o embornal de tolices, Magali alertou que os voluntários deveriam “investir” 150 dólares para a compra de materiais, armas e passagens, pois nenhum capitalista teria topado financiar a aventura.
Oito gringos aceitaram o convite e embarcaram para Salvador, de onde baldearam rumo ao vilarejo de Ilhéus: Cecil Bore, inglês e ex-tenente exercito blanco na guerra civil do Uruguai; Hubert Wilson e George Kincaid, irlandeses, da Polícia Montada do Canadá; Samuel R Parker, engenheiro eletricista; Herbert Pfannebekcer e George H. Vice, estadunidenses; George Gordon, escocês. Todos entre 21 e 30 anos, à exceção de Norl Philp Davies Gruthorp, sexagenário, major da reserva do exército britânico.
FAROESTE ILHEENSE
Eram seis praças de plantão na delegacia de Ilhéus às 11h do dia 25 de novembro de 1907 quando nove homens usando fardas do exército dos Estados Unidos começaram a atirar pela praça da cidade, que ainda não era