Livro Cancioneiro Geral, que reúne a poesia do tropicalista José Carlos Capinan, tem lançamento nesta quinta (16), na ABL
O fluxo poético-musical do baiano José Carlos Capinan, 83, adentrou as camadas do Brasil em suas canções de amor, de amigo e de bem querer. Itinerante, empática e sonora, sua poesia não faz diferença entre os meios. “Eu acho que a letra de música não é inferior à poesia do livro. Eu trabalho com esse espírito. Quando decidi utilizar mais a música como suporte, alguns poetas recriminaram a minha opção, achando que era inferior em termos de poética. Mas o ato de criar, tanto para o livro quanto para suporte musical, exige o mesmo comportamento de mim. É como se fosse um transe, em que meu orixá é a palavra, e eu recebo a minha poesia”, explica.
A única questão prática, que para Capinan se apresenta mais como exceção do que regra, é na música que já tem melodia, em que se orienta por ela para compor. Foi o caso da consagrada Papel Machê (1984), parceria com João Bosco, ou ainda Ponteio, com Edu Lobo, que ganhou o Festival de Música Popular Brasileira de 1967. Dois exemplos, entre as mais de 200 composições, da lírica que sedimentou a música moderna brasileira nas décadas de 60 e 70.
A um trovador da Tropicália, nada mais justo que um Cancioneiro Geral. Esse foi o nome escolhido por Capinan para sua antologia artística que será lançada nesta quinta (16), às 18h, na Academia Baiana de Letras (ABL). O livro, organizado por Claudio Leal e Leonardo Gandolfi, reúne sessenta anos de atuação em livros de poesia, poemas esparsos e uma seleção de canções.
SEM FORMALIDADES
O relacionamento de Capinan com a produção literária começa a partir da década de 1960, motivado por sua atuação no Centro Popular de Cultura (CPC). Na época, já havia escrito seu primeiro livro de poemas, o Inquisitorial (1966). Além dele, o autor assina ainda Confissões de Narciso (1995); Poemas: Antologias e Inéditos (1996) e Balança mas Hai-Kai (1996), todos presentes integralmente em Cancioneiro Geral.
Numa obra repleta de elementos da cultura baiana e brasileira, chama a atenção o título e os poemas com inspiração dos haicais japoneses. Capinan explica que conheceu os escritos orientais através da revista O Cruzeiro e veio escrevê-los anos depois, porém ao seu próprio modo.
“O haicai tem uma métrica. São três versos, um de cinco, um de sete e outro de cinco sílabas, compondo uma espécie de síntese. Eu não faço um haicai tão formalmente correto, tenho essa qualidade, ou defeito, de trabalhar sem respeitar a forma. Como eu também não respeito em outras situações da poesia. Sou um poeta um pouquinho rebelde e acho que deu certo”, explica.
A ousadia de Capinan diante de certos temas extrapolou o domínio das palavras. Destaque para a cultura afro-brasileira, que ganhou volume em seus poemas e composições a partir do contato com o candomblé. “A aproximação do universo afro-brasileiro me fez entender a importância de ser neto de uma filha de escravos e de um mascate. Minha poesia foi construída com esse sentimento”, afirma.
NOVAS IGUARIAS
“Eu acho que a música é um suporte ágil, faz a poesia entrar em contato mais facilmente com o público. Percebi que a música era de alcance universal e quando eu tive que fugir da Bahia [para o Rio de Janeiro], em 1964, por conta desse envolvimento com o movimento de cultura popular, comecei a fazer parcerias musicais”, relembra. São dezenas de colaboradores acumulados: Paulinho da Viola, Edu Lobo, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Geraldo Azevedo, João Bosco, Tom Zé .... “O que não me falta é parceria”, brinca.
Para Capinan, o maior desafio do livro foi
Minha escrita é porque acredito nessa capacidade de alterar rumos. Acho que a gente não tem somente que facilitar, mas também oferecer um prato que ainda não tenha sido saboreado e que possa agradar Capinan Escritor
Autor José Carlos Capinan
Organização Claudio Leal e Leonardo Gandolfi
Editora Círculo de Poemas
Preço R$ 95 (392 páginas) e R$ 66,40 (e-book) exatamente a seleção dos textos, chegando em 48 canções que considera representativas da multiplicidade que marca sua obra. Não faltam clássicos como Soy Loco Por Ti América, Viramundo e Moça Bonita. Estão presentes também composições mais recentes, como A Arte de Não Morrer e Amor in Natura, ambas em parceria com Jards Macalé.
O poeta defende que a relação das letras e sua importância para a Tropicália ainda pode ser mais explorada e valorizada em estudos que não sejam apenas críticos, mas também contextuais. Com o livro Cancioneiro Geral, ele espera conectar-se não só com o público já familiarizado com sua obra, mas também ofertá-lo para a nova geração. “Minha escrita é porque acredito nessa capacidade de alterar rumos. Acho que a gente não tem somente que facilitar, mas também oferecer um prato que ainda não tenha sido saboreado e que possa agradar”, diz.
CANCIONEIRO GERAL