As 25 Horas de Interlagos, de dentro do carro
Expedito Marazzi conta como foi
“Quando sentei ao volante do Chevette n.° 39, ajustei o cinto de segurança e comecei a acelerar, fiquei pensando em como era grande a minha responsabilidade em mantêlo na liderança da classe A, posição que até aquele momento nós mantínhamos nas 25 Horas de Interlagos de 1974. Por isso, afundei o pé direito no acelerador, com decisão, e, apesar da escuridão — eram quase 22h00 —, cheguei no fim do retão a mais de 160 km/h. Uma leve encostada no freio, bem depois da placa dos 50 metros, e o carrinho fez os pneus rangerem. Afinal, eu não podia decepcionar meus parceiros Ricardo Ciuffi, que havia feito uma ótima largada, e Edmilson Santilli, que, pilotando em seguida, havia mantido um bom trem de corrida. Apesar de estar acostumado a pilotar carros de maior potência, como o Opala 4.100 da Equipe Dragão, a qual eu fazia parte, não estava me saindo mal em manter os tempos de meus parceiros, mais acostumados com o Chevette. Para isso, tive de modificar minha trajetória usual, encurtando o caminho, uma vez que o Chevette era mais lento. Quando passei em frente ao boxe e o sinalizador levantou o polegar, indicando que ia tudo dentro do previsto, finalmente minha tensão diminuiu.
Os Mavericks e os Opalas, mais velozes nas retas, eram também mais lentos em algumas curvas. Quando um deles, ou um grupo em disputa, conseguia me ultrapassar para, logo em seguida, frear na minha frente por causa da proximidade da curva, eu era obrigado a apelar, passando-os por dentro ou por fora, como fosse possível, para manter as tempos previstos. Mas isso, naturalmente, significava arriscar um pouco, tirando partido da excepcional estabilidade do Chevette, para compensar sua pouca potência.
Infelizmente, como dizia Fangio, “carreras son carreras”, e o Chevette, de repente, começou a falhar, bem no meio da subida do lago, que eu fazia no limite, deixandome em dificuldades. Pouco depois, o motor recomeçava a funcionar, para, mais adiante, parar novamente.
Resolvi, então, parar no boxe e fui logo avisando o mecânico Rondelli que o problema parecia falta de gasolina. Mas ele preferiu trocar o platinado, coisa que fez em poucos instantes, mandando-me voltar à pista.
Saí esperançoso, mas logo adiante a falha recomeçou. Daí para a frente, foi um rosário de paradas no boxe e saídas sem sucesso. Foram trocados, além do platinado, a bobina, o condensador e a bomba de gasolina, até que alguém se lembrou de verificar o filtro de gasolina. E o defeito residia exatamente aí: um simples assoprão e o carro voltou a funcionar bem. Ironicamente, a causa era uma simples sujeirinha.
Nessa altura, nosso carro não mais liderava a classe A e chegou a hora de devolvê-lo ao piloto Ricardo Ciuffi. Aos poucos, o Chevette foi tentando recuperar a diferença, tarefa nada fácil, pois ele não estava conseguindo fazer
tempos melhores do que 4m17 ou 4m18, mesmo tendo sido o mais rápido na classificação, com 4m13 (foi divulgado um Chevette com 4m02, mas tratava-se de erro de cronometragem).
Mesmo assim, nossa equipe não esmorecia, sendo que Santilli voltou a pilotar e, em plena madrugada, passou novamente o carro para mim. De repente, senti que o motor cantava mais alto e, ao passar novamente pelos boxes, foi sinalizado que os tempos começavam a baixar.
Tudo indicava que o carro tinha ficado bom e, na chuva fina que começava a cair, talvez fosse possível recuperar a diferença. Passei de forma relativamente fácil por um Maverick e um Opala na curva do Sol, pois esses carros sofriam mais com a pista extremamente escorregadia do começo da chuva.
Volta após volta, nossa posição ia melhorando, até que começou a clarear o dia, renovando nossas esperanças. Mas um outro Chevette, disputando a posição comigo sem necessidade, visto que faltavam ainda muitas horas para o término da corrida, acabou por me dar um totó (encostada proposital, assim batizada na gíria dos pilotos) sem maiores consequências aparentes. Pouco depois, entretanto, o carro começou a fumacear e a pressão de óleo caiu. Por sorte, eu estava próximo aos boxes, de forma que encostei imediatamente.
Nossos mecânicos, furiosos, diagnosticaram que alguma coisa da suspensão havia furado o cárter, sem possibilidade de reparo. Nessa altura, extra-oficialmente, estavámos outra vez liderando a classe A, de forma que todo o pessoal da equipe, eu inclusive, fazíamos força para não chorar. Por isso, fui andar um pouco pelos boxes, para me distrair, quando encontrei Wilson Fittipaldi, que explicava numa rodinha: “A principal diferença entre um Fórmula 1 e um Divisão 1 é que este cisca até na reta. Além disso, em cada curva a gente vê o céu. E preciso aprender a guiar de novo, para fazer, por exemplo, o que o Edgar Melo Filho estava fazendo, enquanto liderava a corrida, até seu motor fundir.”