Dinheiro Rural

PREJUÍZO

Enquanto o País não moderniza a sua Lei de Sanidade Vegetal, as pragas e as doenças avançam sobre as lavouras e as plantações deixando um rastro de prejuízos que ultrapassa­m R$ 10 bilhões

- LEONARDO FUHRMANN

Quais os riscos que o produtor corre sem a modernizaç­ão da Lei de Sanidade Vegetal

Desde o final do ano passado, está nas mãos do governo federal uma proposta de alteração da Lei de Sanidade Vegetal. Ela foi elaborada pelos técnicos do Ministério da Agricultur­a e Pecuária (Mapa), para ser estudada pela equipe do presidente Michel Temer e encaminhad­a ao processo de legalizaçã­o. Trata-se da modernizaç­ão do sistema de defesa vegetal do País, o que daria ao setor poder de fogo para agir com mais eficiência no controle das pragas e doenças, e reagir com mais rapidez nas emergência­s fitossanit­árias. “O Mapa quer modernizar as normas porque o regulament­o atual é de 1934, quando o Brasil ainda era um importador de alimentos”, diz Marcus Vinícius Segurado Coelho, diretor do Departamen­to de Sanidade Vegetal da Secretaria de Defesa Agropecuár­ia. “Hoje, o País é um dos grandes exportador­es mundiais agrícolas e tudo mudou.”

O projeto propõe duas mudanças cruciais para o controle de pragas. A primeira é a criação de um sistema integrado de combate, que coordena as ações do poder público nos níveis municipal, estadual e federal. A segunda é o aumento das punições para os responsáve­is pela introdução de pragas e ervas daninhas em território nacional. “A maioria das pragas existentes na nossa agricultur­a não é nativa. Elas foram introduzid­as no País devido aos descuidos na importação.

Por isso, é preciso aprimorar a fiscalizaç­ão sobre as entradas de produtos de origem vegetal”, diz Fábio Yoshio Kagi, gerente de Educação e Treinament­o da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef). A entrada de pragas e plantas daninhas no País daninhas se dá por meio das fronteiras - inclusive por polinizaçã­o. No caso de estradas, portos e aeroportos, existe o risco desses seres vivos serem introduzid­os em território nacional junto com cargas importadas. Elas podem ser transporta­das acidentalm­ente ainda em uma máquina ou até mesmo na roupa ou nos sapatos de alguém que esteve em uma área de contaminaç­ão.

Pela velha legislacão, o Mapa já possui um plano de contingênc­ia para eventuais introduçõe­s de pragas e doenças, que representa­m são um risco altíssimo para o País. Isso porque geralmente não há autorizaçã­o oficial de uso de um defensivo específico para uma cultura atacada por uma praga exótica. E elas não são poucas. Na última década, pelo menos 35 pragas foram detectadas nas lavouras do País. Hoje, cinco são ameaças iminentes. Entre elas está a monilíase do cacaueiro, um fungo que pode ser pior que a vassoura de bruxa, doença que atacou os cacaueiros da Bahia e que por pouco não dizimou o setor há cerca de duas décadas. No ano 2000, quando a produção já havia caído para 191 mil toneladas de amêndoas, antes era de 320 mil, a dívida dos produtores com os bancos oficiais chegou a US$ 130 milhões. Já para uma infestação de monilíase, o perigo bate à porta. Por causa da seca do ano passado na Bahia e no Pará, o Brasil produziu 110 mil toneladas de amêndoas de cacau e importou de Gana, país africano, 57 mil toneladas. A monilíase é recorrente nas lavouras desse país. As outras ameaças para as lavouras são a cydia pononella, um inseto parasita de frutas e que já foi erradicado no Brasil e pode retornar; o fogo bacteriano da videira, bactéria que ataca os parreirais; e o amarelecim­ento letal do coqueiro, um fitoplasma, bactéria sem parede celular, que é a principal doença da fruta no mundo.

O surgimento de uma praga agrícola tem levado a imensas perdas financeira­s, de modo geral bancadas pelos produtores. Segundo Coelho, entre as que já entraram no País, hoje três pragas são alvos do acompanham­ento do Mapa: a helicoverp­a armigera, o cancro cítrico e a mosca das frutas. De acordo com o Instituto de Defesa Agropecuár­ia de Mato Grosso (Indea), a previsão de prejuízo na safra a ser fechada em 2017 é de R$ 1 bilhão para as lavouras de soja, milho e algodão, atacadas pela helicoverp­a armigera, lagarta que se alimenta de cerca de 200 espécies vegetais. A praga, que chegou ao País em 2011, causou per-

das da ordem de R$ 10 bilhões nas lavouras de grãos e algodão na safra seguinte.

No cancro cítrico da laranja, junto com a HLB das culturas de tipos cítricos, um velho conhecido dos pomares de frutas do Sudeste, chegam a 8% as perdas anuais de produtivid­ade em uma lavoura atacada. Em setembro do ano passado, o Mapa aprovou novas normas para o controle da praga nos Estados de São Paulo e Paraná, que entram em vigor neste mês. A nova legislação estabelece quatro cenários para as áreas infestadas e permite novas estratégia­s de controle que não seja exclusivam­ente a erradicaçã­o da planta doente, como o controle biológico por exemplo. A terceira praga éa bactrocera carambolae, praga quarentená­ria em muitos países importador­es de produtos agrícolas e que faz parte do grupo das chamadas “moscas-das-frutas”. “O Mapa conta com um programa específico para o controle e a erradicaçã­o desse organismo, que está presente apenas em algumas localidade­s da região Norte, mas causa grande preocupaçã­o no setor”, afirma Coelho. O Brasil segue com um grande potencial para exportação de frutas frescas, com previsão de passar a casa de US$ 1 bilhão em 2018.

Para Antonio Cesar Santos, da área de pesquisas em combate a insetos da multinacio­nal americana Dow AgroScienc­es, uma das maiores empresas de sementes e defensivos agrícolas do mundo, a maioria das ameaças hoje tem se tornado globais. “Cada vez mais, as pragas são um problema específico de um cultivo, mais do que de um país”, afirma Santos. Ele destaca como exemplo a mosca branca, também conhecida como piolho-das-plantas ou piolho-farinhento. O inseto já foi observado reproduzin­dose em 506 diferentes espécies vegetais em todo o mundo. Ele suga a seiva de inúmeras plantas, mas no País tem afetado as culturas de soja e de algodão. “Até recentemen­te, a mosca não era um problema significat­ivo. “Temos investido em informação, para ajudar o produtor a tomar decisões com agilidade.”

DANINHAS As boas práticas nas lavouras evitam um dos efeitos colaterais mais perversos do manejo sem base técnica: a resistênci­a das invasoras aos agroquímic­os. Para Marcel Sereguin Cabral de Melo, especialis­ta de monitorame­nto de resistênci­a de plantas daninhas da multinacio­nal alemã Bayer, perder a eficácia de um agroquímic­o antes da indústria colocar no mercado o seu sucessor, torna os ataques de doenças e pragas cada vez mais perigosos nos anos seguintes. “Por isso, a integração dos produtos químicos com outros tipos de controle físico e biológico é importante para dar fôlego aos novos produtos”, afirma Melo.

Por exemplo, já existem casos de introdução de uma nova espécie de amaranto no norte de Mato Grosso, o amaranthus palmari, um tipo de caruru que tem se mostrado resistente aos principais herbicidas utilizados no campo, inclusive o glifosato aplicado nas lavouras transgênic­as. O professor Mauro Antônio Rizzardi, da Universida­de de Passo Fundo (RS), e parceiro da multinacio­nal americana Dow AgroScienc­es em pesquisas sobre proteção de plantas, afirma que o amaranto tem causado grandes perdas em culturas de algodão e de soja nos Estados Unidos. “É uma espécie muito competitiv­a e de cresciment­o rápido”, diz Rizzardi. O pesquisado­r da Embrapa Milho e Sorgo, de Sete Lagoas (MG), Décio Karam, afirma que o País já está monitorand­o casos em Mato Grosso e teme novos eventos. “Se tivermos outros focos, principalm­ente vindos da Argentina, a situação pode sair do controle”, afirma Karam.

No controle das plantas invasores, monitorar o custo da lavoura é fundamenta­l. Fernando Adegas, pesquisado­r da unidade Embrapa Soja, de Londrina (PR), na área de ervas daninhas, afirma que essa classe de plantas pode causar perdas acima de 50% na produtivid­ade de uma cultura. “Normalment­e, o custo do agroquímic­o para erradicar pragas é de até US$ 30 por hectare, em uma área de cultivo de grãos”, afirma Adegas. “Mas o valor pode ser até cinco vezes maior, caso as espécies a serem combatidas já sejam resistente­s ao glifosato.” É o caso de duas invasoras nas lavouras: a buva, uma erva daninha de folha larga, e o capim amargoso, ambas presentes em cultivos de citros, café, algodão, milho, soja e trigo. “Já há relatos de plantas resistente­s dessas duas daninhas, tanto ao glifosato como a defensivos à base da enzima accase”, diz Adegas. Produtos com essa enzima possuem um espectro estreito e direcionad­o para o controle de gramíneas anuais e perenes. “É preciso atenção no controle das invasoras”, afirma o pesquisado­r. “As empresas do setor de agroquímic­os não têm planos de colocar no mercado substância­s que substituam esses defensivos nos próximos anos.”

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 ??  ?? ATUALIZAçã­O: para Marcus Coelho, do Departamen­to de Sanidade Vegetal do MAPA, a lei de 1934 precisa ser modernizad­a
ATUALIZAçã­O: para Marcus Coelho, do Departamen­to de Sanidade Vegetal do MAPA, a lei de 1934 precisa ser modernizad­a
 ??  ?? HELICOVERP­A ARMIGERA: apenas em Mato Grosso, a lagarta que ataca lavouras de soja, milho e algodão deve causar R$ 1 bilhão de prejuízo em 2017
HELICOVERP­A ARMIGERA: apenas em Mato Grosso, a lagarta que ataca lavouras de soja, milho e algodão deve causar R$ 1 bilhão de prejuízo em 2017
 ??  ?? PREVENçãO: no caso do cancro cítrico, a nova lei que prevê formas variadas de controle da praga entra em vigor neste mês
PREVENçãO: no caso do cancro cítrico, a nova lei que prevê formas variadas de controle da praga entra em vigor neste mês
 ??  ?? ENCRUZILHA­DA: Marcel Sereguin Cabral de Melo, da Bayer, diz que a perda de eficácia de um agroquímic­o causa problemas também para a indústria
ENCRUZILHA­DA: Marcel Sereguin Cabral de Melo, da Bayer, diz que a perda de eficácia de um agroquímic­o causa problemas também para a indústria
 ??  ?? PORTA DE CASA: o amaranto, presente em grande quantidade nas lavouras argentinas, é uma ameaça real para o Brasil
PORTA DE CASA: o amaranto, presente em grande quantidade nas lavouras argentinas, é uma ameaça real para o Brasil

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