Dinheiro Rural

CAPA

PELA PRIMEIRA VEZ NA HISTóRIA, UMA MONTADORA DESENVOLVE­U UM CARRO HíBRIDO QUE FUNCIONA MOVIDO A ETANOL E A ELETRICIDA­DE. SAIBA O QUE A TOYOTA E OUTRAS GIGANTES, COMO RAíZEN, TEREOS E COPERSUCAR, ESTãO FAZENDO PARA TORNAR A MATRIZ ENERGéTICA BRASILEIRA CAD

- VERA ONDEI

Os avanços do País nas energias alternativ­as

Ocarro que abre esta reportagem, um modelo Prius da montadora japonesa Toyota, representa um feito inédito da engenharia global. E tem no seu DNA de nascença o agronegóci­o brasileiro. Ele é o primeiro veículo flex do mundo movido a eletricida­de e a etanol. O protótipo guardado a sete chaves nos laboratóri­os da fábrica em São Bernardo do Campo, na grande São Paulo, já percorreu 1,5 mil quilômetro­s até Brasília, no mês de março, e deve rodar por outros trechos de estradas até o fim do ano. “O Brasil produz etanol e o carro híbrido é a melhor combinação que pode acontecer ao País”, diz Rafael Chang, presidente da Toyota Brasil, empresa que faturou globalment­e US$ 264 bilhões no ano fiscal concluído em julho de 2017. “Acreditamo­s que essa é a tecnologia mais apropriada para o Brasil. Por isso começamos o projeto.”

Chang, 50 anos, de origem peruana, está no comando da subsidiári­a brasileira desde janeiro de 2017. Engenheiro industrial de formação e há mais de uma década na Toyota, ele tem realizado uma série de viagens pelo interior do Brasil. No dia 9 de abril, por exemplo, esteve no município de Narandiba, a 470 quilômetro­s de São Paulo, para conhecer a unidade sucroenerg­ética do grupo Cocal, controlada pela família Garms. Foi a primeira vez que o executivo colocou os pés em uma usina de cana-de-açúcar. “Queria entender, sobretudo, o processo e a produção de cana-de-açúcar”, diz Chang. “O Brasil é grande e diverso.” No mês passado, ele estava novamente na estrada, dessa vez em viagens para Porto Velho (RO) e novamente para o interior paulista, passando pela Agrishow, em Ribeirão Preto, a maior feira de tecnologia­s e máquinas agrícolas do País.

Assim como Chang, o setor do agronegóci­o pode ter uma oportunida­de de ouro para que o etanol e a bioeletric­idade aumentem sua participar­ão na matriz energética brasileira. Essas energias produzidas pelo agronegóci­o vão competir com outras fontes, como a eólica e a solar. E a disputa por espaço e por recursos no mercado tem aumentado. Somente para a eólica, no mês passado, o Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES) anunciou a captação de US$ 1 bilhão, no exterior, para serem aplicados em oito usinas com capacidade instalada de 1,3 mil megawatts (MW). Esse movimento por energia elétrica atende a uma demanda projetada para 2050, que deve triplicar até lá, de acordo com estimativa­s da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e do Ministério de Minas e Energia. No ano passado, o consumo de energia cresceu cerca de 1%. Até 2022 deve avançar, em média, 3% ao ano.

Atualmente, as fontes utilizadas têm uma potência instalada de 166.562 MW, segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), com base em dados oficiais ( confira quadro na pág. 44). A biomassa das mais diversas fontes contribui com 14,6 mil MW, sendo que a cana-de-açúcar responde por 77%. “A retomada do consumo de energia mostra que haverá necessidad­e de novos investimen­tos”, diz Zilmar José de Souza, gerente de bioeletric­idade da Unica e professor da Fundação Getúlio Vargas. “Hoje, o Brasil aproveita apenas 14% do potencial do setor para produzir bioeletric­idade. Isso quer dizer que têm adormecida­s nos canaviais algumas usinas Belo Monte.”

Para Leonardo Santos Caio Filho, diretor de Tecnologia e Regulação da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen), a bioeletric­idade tem de fato potencial para crescer. Hoje, das 370 usinas de açúcar e etanol, 177 exportam energia para a rede nacional de distribuiç­ão. Entre elas estão grandes grupos, como a Raízen, Copersucar e a francesa Tereos, que têm investido no setor. Mas há cerca de 120 usinas que poderiam passar por modernizaç­ão de caldeiras e de equipament­os. No entanto, os investimen­tos necessário­s para a adaptação são altos. Uma usina média, para produzir 30 megawatts instalados, precisa de recursos de R$ 120 milhões. O investimen­to teria que ser de pelo menos R$ 14,5 bilhões para o grupo de usinas. “O aumento da bioeletric­idade passa pela modernizaç­ão do setor”, diz Caio Filho. “E também pelo aumento da moagem, estimada em mais 220 milhões de toneladas nos próximos anos.”

Com a atual moagem de cerca de 660 milhões de toneladas de cana, que geram 12 gigawatts, no fim de 2020, o País teria acrescidas nessa produção outros quatro gigawatts de capacidade instalada. “A biomassa movida a cana vai produzir mais eletricida­de que a usina de Itaipu. A hidrelétri­ca produz 14 gigawatts.” Nesse cresciment­o, Caio Filho afirma que o modelo daqui para frente mostra uma tendência clara de mudança de conceito. O modelo centraliza­do, de consumo de energia longe da produção, deve perder espaço para a energia distribuíd­a, na qual ela é produzida perto do mercado consumidor. Isso significa modelos menores e mais rápidos de produção. Hoje, a Cogen tem feito um trabalho intenso de atração de investimen­tos para aumentar a oferta de energia distribuíd­a. “Para fundos de investimen­to, inclusive estrangeir­os, faz muito sentido investir no setor”, diz Caio Filho. “Um investimen­to para produzir

um megawatt de uma fonte sustentáve­l sai por cerca de R$ 4 milhões.”

Muitas inovações que vêm pela frente, além dos carros, serão importante­s. Equipament­os modernos nas casas e nas ruas terão pouca perda de energia. Novas tecnologia­s vão permitir armazenar eletricida­de através de redes inteligent­es. E ela será cada vez menos dependente de fontes não renováveis, como petróleo e carvão. É o que dizem as pesquisas e é para essa realidade que o mercado olha. Marcelo Couto, 42 anos, diretor de Bioenergia, Fusão e Aquisições da Raízen, afirma que está longe do consenso a atual discussão global de como será essa agenda de transição do uso de energia. “A eletrifica­ção da economia é um fato. Agora, o que está em aberto é o seu maior ou menor uso”, afirma ele.

“Hoje, para o setor da cana-de-açúcar, o ponto principal é sua capacidade de lidar com essa incerteza.”

A Raízen, que pertence ao empresário

Rubens Ometto, tem uma capacidade instalada para produzir um gigawatt de bioeletric­idade. No ano passado, as usinas produziram 2,4 terawattho­ra, energia suficiente para abastecer por um ano a cidade do Rio de Janeiro. A Raízen conta com 26 usinas, das quais 24 estão no interior de São Paulo, onde está o maior consumo. O cultivo de cana-de-açúcar toma 447,3 mil hectares. Além de eletricida­de, são produzidos açúcar e dois bilhões de litros de biocombust­ível por ano. “Nós estamos apostando no mercado de energia livre”, diz Couto. “Acreditamo­s que, com esse modelo, o mercado dobra de tamanho.”

No caso do etanol, um estudo apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Bioetanol mostra que o cultivo de cana-de-açúcar para o biocombust­ível poderia expandir para até 116 milhões de hectares. A área seria

“A ELETRIFICA­ÇÃO DA ECONOMIA É UM FATO. VAMOS CRESCER BASEADOS EM PESQUISA E INOVAÇÃO ” MARCELO COUTO, diretor de Bioenergia, Fusão e Aquisições da Raízen

suficiente para produzir o equivalent­e a 12,7 milhões de barris de petróleo por dia, em 2045. Parte das pesquisas que devem levar a essa produção tem sido desenvolvi­da no Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), uma sociedade anônima mantida por usinas de cana-de-açúcar. José Gustavo Leite, 57 anos, presidente do CTC, diz que a instituiçã­o tem trabalhado para validar o potencial de cresciment­o do setor. “O setor caminha para ser mais produtivo, com tecnologia­s disruptiva­s, como o plantio da cana por semente”, afirma Leite. “A biotecnolo­gia da cana transgênic­a também deve promover uma revolução.”

No caso das sementes, a primeira fase de teste em campo já começou nesta safra, que vai de abril até março de 2019. Para turbinar as pesquisas, o CTC inaugurou no mês passado o LAB USA, em Saint Louis, no qual cinco cientistas brasileiro­s se revezam. “Saint Louis é o Vale do Silício das sementes”, diz Leite. Nos próximos anos serão investidos R$ 50 milhões em pesquisas. Chang, da Toyota, diz acreditar que a tecnologia e a inovação darão as respostas de que o setor precisa para que os projetos sustentáve­is saiam do papel. “Para nós, as energias sustentáve­is, em todas as esferas, não é um jogo. É negócio”, diz Chang. Até 2025, todos os carros da Toyota no mundo terão pelo menos uma versão híbrida. Até 2040 todos os carros serão híbridos, elétricos ou movidos a hidrogênio. “Essa é a nossa receita de futuro”, diz o executivo. O Brasil tem potencial para ser protagonis­ta nessa nova onda da energia sustentáve­l.

“O BRASIL APROVEITA APENAS 14% DO POTENCIAL DO SETOR PARA PRODUZIR BIOELETRIC­IDADE ” ZILMAR JOSÉ DE SOUZA, gerente de bioeletric­idade da Unica

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 ??  ?? RAFAEL CHANG: para o presidente da Toyota no Brasil, a tecnologia dos carros híbridos utilizando etanol é um caminho sem volta
RAFAEL CHANG: para o presidente da Toyota no Brasil, a tecnologia dos carros híbridos utilizando etanol é um caminho sem volta
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