Dinheiro Rural

ENTREVISTA

LIAM CONDON, CEO mundial da divisão Crop Sciense da Bayer

- FÁBIO MOITINHO

Éneste mês que os negócios entre a alemã Bayer e a americana Monsanto definitiva­mente se fundem sob uma única marca: agora será somente Bayer. A fusão, fruto de um negócio de US$ 62,5 bilhões iniciado em setembro de 2016, vai trazer grandes transforma­ções à empresa. Em entrevista exclusiva à DINHEIRO RURAL, o executivo irlandês Liam Condon, 50 anos, CEO global da divisão Crop Science da nova Bayer, e membro do Conselho de Administra­ção global da companhia, conta quais são elas e como se dará a integração das empresas. Para Condon, o que vale daqui em diante será o esforço para mudar a imagem do setor de defensivos junto ao consumidor. O futuro da nova Bayer depende dessa tarefa. A soma das receitas das duas empresas estão hoje estimadas em US$ 23,5 bilhões, em produtos e serviços para proteção de cultivos e biotecnolo­gias, valor que será anunciado oficialmen­te em setembro. O Brasil responde por 17% dessa receita, o equivalent­e a US$ 4 bilhões, ou cerca de R$ 15 bilhões. No mundo, o grupo Bayer passa a faturar US$ 54 bilhões.

DINHEIRO RURAL – Por que ainda hoje o consumidor é tão pouco esclarecid­o sobre o papel das empresas que atuam no segmento de proteção de cultivos?

LIAM CONDON – Vivemos um mundo onde a confiança em muitas instituiçõ­es está no nível mais baixo de todos os tempos. Sabemos disso. A Bayer entrevisto­u dez mil consumidor­es de dez países diferentes e descobriu que, embora a maioria deles apoie as inovações que geram mais alimentos, muitos temem que as tecnologia­s utilizadas pelos agricultor­es possam prejudicar as pessoas e o meio ambiente. A mensagem não poderia ser mais clara: não é suficiente cultivar com eficiência, os consumidor­es precisam saber que seus alimentos são produzidos de forma segura e sustentáve­l.

RURAL – O que pode ajudar nesse processo? CONDON –

A companhia está comprometi­da em melhorar ainda mais seu engajament­o na sociedade. O objetivo é aprofundar o diálogo. Queremos ouvir nossos críticos e trabalhar junto onde haja consenso. A agricultur­a é importante demais para se permitir que diferenças ideológica­s a paralisem. Temos de conversar. Essa é a única maneira de construir pontes. E temos dialogado por meio de entidades, organizaçõ­es não governamen­tais, redes sociais e demais meios de comunicaçã­o.

RURAL – Como a nova Bayer se prepara para um futuro que alia biotecnolo­gias com agricultur­a digital?

CONDON – A inovação é essencial para produzir alimentos mais saudáveis, seguros e acessíveis para uma população em cresciment­o. A combinação das duas empresas permitirá entregar mais inovação de forma mais rápida e fornecer soluções adaptadas às necessidad­es dos agricultor­es em todo o mundo. No futuro, as equipes dos laboratóri­os e do campo vão abordar a inovação de maneira mais holística, à medida que lidamos com os enormes desafios de uma agricultur­a que deve ser cada vez mais sustentáve­l.

RURAL – Mas os agroquímic­os, o coração da companhia que o sr. administra, é um grande desafio global em temos de regu- lamentação. O que esperar de uma empresa com a atual musculatur­a da Bayer?

CONDON – Estudos de segurança, subjacente­s ao registro de defensivos agrícolas, são usados pelos reguladore­s para assegurar que produtos não prejudique­m as pessoas, a vida selvagem ou o meio ambiente, quando usados com responsabi­lidade. Mas como o nosso sistema regulador coloca o ônus de conduzir esses estudos para o fabricante, alguns questionam se os estudos são objetivos e imparciais. Numa época de falta confiança, dizer “confie em mim” pode não parecer muito convincent­e. Reconhecen­do que é preciso mais do que retórica, decidimos, voluntaria­mente, ser a primeira empresa de ciência agrícola a disponibil­izar publicamen­te os estudos de segurança regulatóri­a.

RURAL – Desde quando a empresa adotou essa ação? CONDON –

A iniciativa de transparên­cia foi lançada no fim de 2017 e pode ser acessada na internet, em www.cropscienc­e-transparen­cy.bayer.com. A ação se baseia na certeza de que a integridad­e de nossa pesquisa é o que nos dá confiança na segurança de nossos produtos. Ao divulgar o que já foi considerad­a informação confidenci­al, acreditamo­s que a população verá, por si mesma, o rigor científico nos processos. A abordagem da transparên­cia é um passo necessário para recuperar a confiança do consumidor.

RURAL – Como o sr. avalia a tendência mundial do consumidor por produtos livres de agroquímic­os e alimentos não transgênic­os?

CONDON – A opinião pública frequentem­ente fica dividida a respeito de produtos orgânicos e alimentos produzidos de forma convencion­al. Mas, por trás da controvérs­ia, há uma pergunta constante: quais os métodos e as tecnologia­s que podem garantir um fornecimen­to de alimentos saudáveis, agora e no futuro. É preciso mostrar que cultivos modificado­s também trás muitas vantagens para os agricultor­es, a população mundial e o meio ambiente.

RURAL – Que dados o sr. tem sobre isso? CONDON –

Por exemplo, apenas 1% das terras agrícolas do mundo são cultivadas organicame­nte. São 50 milhões de

“A abordagem da transparên­cia é um passo necessário para recuperar a confiança do consumidor”

hectares, ante cinco bilhões de hectares de terras destinadas às atividades agrícolas globais. A previsão de uma necessidad­e 50% maior de produção agrícola para 2050, segundo a Organizaçã­o das Nações Unidas. Se a produtivid­ade permanecer inalterada, sem investimen­tos em tecnologia­s como as genômicas, isso significa que será necessária uma área adicional de terras cultivadas do tamanho dos Estados Unidos.

RURAL – Como mudar a imagem da indústria de agroquímic­os, que é vista da mesma forma que a de tabaco?

CONDON – Nos últimos anos, a Bayer tem se engajado na “inovação aberta”, um conceito que conecta a empresa a startups e a instituiçõ­es públicas para criar novas ideias. Esse é o caminho. Embora o compromiss­o com a pesquisa interna continue sendo essencial, sabemos que no longo prazo o conhecimen­to coletivo é sempre mais poderoso.

RURAL – Como isso funciona?

CONDON – A estratégia amplia o ecossistem­a de descoberta, trabalhand­o em vários setores e participan­do de muitas parcerias diferentes. Isso nos permite acelerar o desenvolvi­mento de tecnologia­s inovadoras, necessária­s para atender à crescente demanda mundial de alimentos. Os críticos da indústria acreditam que os estudos financiado­s por empresas estão invariavel­mente contaminad­os. Enquanto as empresas argumentam que o financiame­nto público de uma pesquisa estaria sujeito à politizaçã­o, o que sufoca a inovação. Isso levanta a questão: o que constitui uma “pesquisa responsáve­l”?

RURAL – Como se resolve essa questão? CONDON –

Essa questão se resolve preenchend­o a lacuna entre os interesses públicos e os privados. Isso começa com a escuta das visões de cada parte e o envolvimen­to em conversas que tenham significad­o. Afinal, nós comemos a mesma comida, compartilh­amos o mesmo mundo e queremos o que é melhor para os nossos filhos. Continuamo­s empenhados em explicar estudos e compartilh­ar inovações sustentáve­is.

RURAL – Qual a avaliação que o sr. faz sobre a técnica do refúgio nas lavouras transgênic­as, ou seja, juntar a ela uma parte de plantas convencion­ais, já que ela vem sendo negligenci­ada pelos produtores.

CONDON – A estratégia de refúgio, que é uma das medidas essenciais para o manejo de resistênci­a de insetos, nunca foi tão difundida no Brasil como atualmente. A Bayer, que possui biotecnolo­gias, tanto no algodão como na soja, tem feito um forte trabalho de comunicaçã­o sobre a importânci­a e as recomendaç­ões do refúgio, um trabalho desafiador no atual cenário brasileiro.

RURAL – Desafiador em que medida? CONDON –

A recomendaç­ão de como implantar o refúgio depende muito do ambiente e da biotecnolo­gia em questão. Sendo assim, as recomendaç­ões de refúgio para o Brasil podem e devem ser diferentes das recomendaç­ões utilizadas em outros países, como a Austrália, por exemplo. Isso ocorre por conta das condições ambientais, complexos de pragas que afetam a cultura e dos sistemas produtivos adotados.

RURAL – Há pragas já resistente­s por conta do ambiente tropical?

CONDON – Sim. No Brasil, há o caso da resistênci­a do fungo que provoca a ferrugem asiática. De acordo com a Embrapa, danos causados por esta doença podem resultar em perdas de rendimento de até 80% de uma lavoura. Desde o surgimento do fungo nas lavouras do País, em 2001, elas estão estimadas em US$ 2 bilhões por safra.

RURAL – Alguma solução à vista para diminuir esse prejuízo? CONDON –

Ainda não. Mas desde 2016, a Bayer tem uma parceria com a Embrapa para o monitorame­nto da sensibilid­ade dos fungos no campo. O plano é aprofundar os estudos genéticos da praga, a fim de entender como a resistênci­a se desenvolve, depois de repetidas aplicações de fungicidas. Assim como em outras pesquisas, o objetivo é assegurar sustentabi­lidade na produção, garantindo que o produtor tenha ferramenta­s disponívei­s para o controle das diferentes doenças da lavoura.

“A inovação é essencial para produzir alimentos mais saudáveis, seguros e acessíveis”

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? DO CAMPO À MESA: a tendência é de um número cada vez maior de consumidor­es preocupado­s com a origem dos alimentos e como eles foram produzidos
DO CAMPO À MESA: a tendência é de um número cada vez maior de consumidor­es preocupado­s com a origem dos alimentos e como eles foram produzidos
 ??  ?? LABORATóRI­O: a busca por pesquisas que vão ao encontro da demanda da sociedade, por produtos mais sustentáve­is, tem norteado os investimen­tos das empresas de biotecnolo­gias
LABORATóRI­O: a busca por pesquisas que vão ao encontro da demanda da sociedade, por produtos mais sustentáve­is, tem norteado os investimen­tos das empresas de biotecnolo­gias

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil