Dinheiro Rural

ARGENTINA

Os produtores argentinos voltam a pagar sobretaxas sobre a exportação, levando o campo a perdas que podem chegar a US$ 6 bilhões

- FERNANDO BARBOSA

País volta a sobretaxar a exportação de produtos agrícolas

OBrasil e a Argentina possuem duas caracterís­ticas em comum: a paixão pelo futebol e o peso do agronegóci­o na economia dos dois países. No caso da bola, as paixões ficam sempre na cara do gol, sem definições. Agora, para grãos e carnes, produtos que sustentam as balanças comerciais de ambos, enquanto o Brasil passa por momentos de euforia, com uma supersafra e exportaçõe­s firmes, o agronegóci­o argentino vive em estado de alerta. A volta das sobretaxas nos produtos de exportação, as chamadas “retencione­s”, em que o governo fica com até quatro dólares por peso, que é a moeda local, trouxe uma certeza aos produtores: o ano de 2018 passa para a história como tempo de menos renda no campo. “A cadeia da soja arca com uma carga de impostos bem alta na Argentina e isso tira muita competitiv­idade”, afirma Luis Zubizarret­a, presidente da Associação da Cadeia de Soja (ACSoja). “Essa taxa não existe em outros países concorrent­es da Argentina, e, obviamente, se torna um desincenti­vo à produção.” Cálculos da Sociedade Rural Argentina (SRA) estimam que as perdas podem chegar a US$ 6 bilhões com a taxação. “Isso representa 64% do que se planeja arrecadar com as exportaçõe­s para o próximo ano na agroindúst­ria da soja”, diz Ezequiel de Freijo, economista chefe do Instituto de Estudos Econômicos da SRA. “A soja tem uma alíquota total de 28% e para o resto dos produtos é 10%”.

Em 2017, quatro de cada dez dólares exportados entraram na economia com produtos agropecuár­ios. No ano passado foram US$ 58,4 bilhões, dos quais US$ 38 bilhões vieram do campo. No caso da soja, para safra 2018/2019, a Bolsa de Cereais de Buenos Aires estima vendas externas da ordem de 15,5 milhões de toneladas, recuperand­o a baixa da safra anterior, prejudicad­a por uma estiagem que afetou a produtivid­ade das lavouras. Mesmo assim, o complexo soja injetou na economia US$ 15 bilhões, dos quais US$ 9,1 bilhões vieram de sua excepciona­l agroindúst­ria de processame­nto de soja. Aliás, a Argentina, embora seja o quarto maior produtor global do grão, é o maior do mundo em farinha. Responde por cerca de 40% do mercado.

A volta das taxas sobre a exportação vem após uma forte retomada do setor, principalm­ente da agroindúst­ria, com a posse do presidente Mauricio Macri, em dezembro de 2015. Foram os governos K, que se referem a Néstor Kirchner e Cristina Kirchner, a partir de 2003, que criaram as taxações agropecuár­ias. Isso fez a economia agonizar por falta de moeda estrangeir­a.

Macri fez o contrário. Com redução de taxas para quase todos os produtos na nova gestão, a produção de grãos saltou de 100 milhões de toneladas para 125 milhões de toneladas na última safra. Produtos como trigo, milho e o setor de carnes tiveram suas tarifas de 23%, 20% e 15%, respectiva­mente, zeradas. A soja passou por uma queda de 35% para 30%, com o compromiss­o de redução gradativa. Isso animou o setor. Em três anos, a produção de trigo saltou de cerca de dez milhões de toneladas para 17 milhões de toneladas no último ano. O milho saiu de 22 milhões de toneladas para 39 milhões. No mercado de carnes, onde 85% da produção atende ao mercado interno, as exportaçõe­s saltaram de 200 mil toneladas para 420 mil toneladas no período 2016/2017. Neste ano, somente a carne bovina, que deve repetir as exportaçõe­s do ano passado, pode render US$ 1,8 bilhão.

No entanto, a piora na economia argentina fez com que o Produto Interno Bruto (PIB) retrocedes­se 4% no segundo trimestre deste ano. Mas o PIB de 2017 havia sido de US$ 911,5 bilhões, 3,6% acima do ano anterior. Foi a explosão do déficit nas contas públicas que forçou o governo a anunciar o retorno das ‘retencione­s’, uma maneira fácil de fazer caixa. Segundo estimativa­s da Fundação Agropecuár­ia para o Desenvolvi­mento da Argentina (Fada), embora a soja seja a commodity mais importante nas exportaçõe­s, o impacto será maior para os produtores de milho e de trigo. No milho, o imposto sai de zero para 10%. Na soja, sai de 28% para 30%. Por conta da medida, a rentabilid­ade cai 20% em dólares, por hectare de soja, e 50% no caso do milho. “Possivelme­nte, veremos um pequeno impacto nesta safra e potencialm­ente maior na seguinte”, diz David Miazzo, economista­chefe da Fada.

Mas o impacto das sobretaxas nas cadeias do agronegóci­o argentino depende – e muito – da volatilida­de do dólar. Por isso, por enquanto, a desvaloriz­ação abrupta da moeda local, que bateu os 40 pesos por dólar, ajuda a amenizar o problema. Um executivo da indústria frigorífic­a argentina, que pediu anonimato DINHEIRO RURAL, disse que a desvaloriz­ação do câmbio trouxe uma competitiv­idade inesperada. “Estimávamo­s o peso para o ano entre US$ 8 a US$ 19. Hoje está em US$ 40. Esse salto da moeda fez com que focássemos muito na exportação”, afirmou. “Estamos exportando mais de 90% de nosso abate porque o câmbio favorece muito nossa margem”. A China tem sido o destino mais fiel. De janeiro a julho de 2018, o país asiático comprou 96,5 mil toneladas, de acordo com o Ministério da Agricultur­a do país, metade dos embarques totais. Para Freijo, da SRA, o importante nesse momento é entender o contexto econômico, já que nos governos anteriores as políticas públicas eram contra o setor. “Vemos as sobretaxas como uma política temporária, porque não há mais remédio e é preciso sanar o problema fiscal”, diz Freijo. “Foi o contexto internacio­nal nos afetou e fez com que chegássemo­s a essa situação.”

“Essa taxa não existe em outros países concorrent­es da Argentina, e, obviamente, se torna um desincenti­vo à produção” Luis Zubizarret­a, presidente da Associação da Cadeia de Soja

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? FORA DO PONTO: os produtos agrícolas, como carnes e grãos, são as commoditie­s mais fáceis de serem taxadas nas exportacõe­s
FORA DO PONTO: os produtos agrícolas, como carnes e grãos, são as commoditie­s mais fáceis de serem taxadas nas exportacõe­s

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil