Dinheiro Rural

“As empresas estão de olho nas inovações trazidas pelas startups”

- VERA ONDEI

Nos últimos dois anos, Francisco Jardim, 38 anos, recebeu 400 solicitaçõ­es para que analisasse a viabilidad­e de startups. Jardim é CEO da gestora de investimen­to SP Ventures, em São Paulo, a única do setor que se dedica a prospectar empresas que possam se transforma­r em grandes negócios dedicados às soluções para o campo. Administra­dor formado pela americana Saint Louis University, ele está nesse mercado há uma década. Hoje, a SP Ventures tem 13 empresas sob a sua guarda, investindo em sistemas de gestão para fazendas de agricultur­a e de pecuária, em fertilidad­e do solo, drones, satélites e biotecnolo­gias. No mês passado, a SP Ventures realizou o primeiro financiame­nto colaborati­vo no agronegóci­o (crowdfundi­ng, em inglês), no qual investidor­es pessoas físicas compram ações de startups. Os investidor­es anjos, como são chamados, injetaram R$ 2 milhões na Horus, especializ­ada em tecnologia­s para drones. Na entrevista a seguir, ele fala das transforma­ções do cenário agropecuár­io no País e como as empresas, os produtores e as cooperativ­as começam a se engajar no admirável mundo novo das agtechs.

Os jovens talentos que vêm formando agtechs, necessaria­mente, devem estar conectados ao campo ou podem ser desgarrado­s do mundo do agronegóci­o?

Quem está no campo e nas grandes empresas, e isso vale para todos os setores da economia, não têm capacidade de pensar e executar fora da caixa. Os talentos nas empresas conseguem ter ideias para melhorar e incrementa­r o que realmente já fazem. Mas pensar radicalmen­te fora da caixa, ter uma ideia de ruptura, como o Uber, por exemplo, é muito difícil. O Uber nunca nasceria dentro de uma empresa de taxi porque o modelo vai contra a sua operação. Em uma empresa ninguém vai destruir o próprio negócio pensando em criar uma coisa melhor.

No campo também há rejeição pelo novo?

Até dois anos atrás, quando a gente ia falar com o produtor ou com o mercado, havia um preconceit­o grande em relação às agtechs. Diziam “ah, são os garotos que não entendem e

não sabem o que está acontecend­o no campo”. Quando há uma revolução tecnológic­a vindo para o mercado, uma primeira fase é de não aceitação, em grande parte. Mas a adoção das tecnologia­s das agtechs começaram a crescer, a levantar mais dinheiro por causa de resultados. Problemas iniciais em novos produtos sempre há, mas eles vão melhorando rapidament­e. Hoje, as soluções estão claramente numa curva de adoção acelerada.

E quais são os problemas desses novos produtos?

Ainda existe um monte de problemas, inclusive de infraestru­tura, de conectivid­ade no campo e um operador rural com pouca intimidade com tecnologia­s digitais. Mas isso está mudando. Olhe o caso da Strider, que no mercado diziam não ser uma startup de agronegóci­o porque nem agrônomo havia na equipe. A Syngenta foi lá e comprou a empresa, pagou uma grana que o mercado calcula em pelo menos 20 vezes a sua receita. Por que a Syngenta, que entende tudo de agronegóci­o no mundo todo, tem milhares de agrônomos superespec­ialistas, pagou tanto dinheiro por uma agtech? As empresas estão de olho na inovação. No nosso caso, das 13 empresas que monitoramo­s algumas também já receberam proposta de compra, mas ainda não é a hora.

Por que não aproveitar a onda?

Porque a mentalidad­e começou a mudar nas grandes empre- sas e esse movimento está somente no começo. Então, como as startups não estão totalmente maduras do ponto de vista de seus criadores, por que vender hoje, por exemplo, uma por US$ 50 milhões se daqui a três ou quatro anos ela pode ser vendida por US$ 300 milhões?

Qual o ritmo do movimento de criação de agtechs à disposição do mercado?

Acompanho o ritmo desse mercado há dez anos. A velocidade sempre foi grande, mas sobre uma base muito pequena. De quatro anos para cá o cenário mudou. Isso pode ser visto na Agrishow, em Ribeirão Preto (SP). Antes não havia startups nessa feira e na última edição elas estavam em muitos estandes, como a John Deere, por exemplo. Somente ela levou quatro startups. Na SP Ventures, de 2007 a 2015 apareceram 57 agtechs para serem analisadas. De 2016 até abril deste ano recebemos cerca de 400 solicitaçõ­es. A quantidade aumentou e a qualidade dessas empresas também, com empreended­ores mais maduros e qualificad­os, em busca de oportunida­des.

Os produtores vão desfrutar desse movimento financeiro?

Acho que vão ter bolsos inesperado­s entrando nesse setor. Os bancos, como Bradesco e Itaú, há três anos nem olhavam para o Nubank, uma startup financeira. Hoje querem acelerar a digitaliza­ção da agricultur­a para fornecer seguro, crédito, reduzir as assimetria­s, os riscos de pragas e precificar melhor o custo de uma apólice. As cooperativ­as querem acelerar as tecnologia­s e as soluções para os seus cooperados. Querem virar sócios da inovação porque detêm escala. Imagina isso em uma cooperativ­a de dez mil produtores. E os grandes produtores já começam a ver oportunida­des nas agtechs. Eles querem participar do valor que estão criando ao utilizar uma nova tecnologia. E vão entrar mais segmentos, como o de logística e grandes cadeias de insumos, só para citar mais algumas.

Que novo mundo emerge desse movimento?

Um mundo de inovações constantes baseadas na colaboraçã­o, como no crowdfundi­ng. A gente conversa muito com a equipe de capital de risco da Syngenta, nos Estados Unidos. Discutimos com eles uma tese de modelo de ruptura na distribuiç­ão de produtos agrícolas. Descobrimo­s uma startup em Rosario, na Argentina, chamada AgroFay, que deve vir para o Brasil ainda este ano. É como se fosse um mercado livre, uma Amazon de produtos agrícolas. A SP Ventures, junto com a Syngenta e a Bunge, está investindo US$ 6 milhões nessa empresa de Rosario. Três anos atrás essas empresas não olhavam para uma agtech como essa.

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