UM PLANO PARA ENTRAR NOS TRILHOS
As medidas imediatas que podem trazer mais competitividade ao campo passam pelo escoamento da produção • POR ERICA TEIXEIRA
As filas de caminhões atolados na BR-163, a rodovia que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), são emblemáticas para mostrar como o Brasil ainda é frágil em sua estrutura logística. A estrada, de 1,7 mil quilômetros, dos quais 900 quilômetros estão em asfaltamento desde 2008, finalmente pode ficar pronta em 2019, no trecho que vai da capital mato-grossense até o porto de Miritituba (PA), no rio Tapajós. Na safra 2018/2019, o transporte de grãos por ali deve ficar próximo de 11 milhões de toneladas, 3 milhões acima da safra passada. O volume escoado poderia ser bem maior caso a Ferrogrão, uma ferrovia paralela à BR-163, também fosse uma realidade. Com os tilhos operando em sua capacidade plena poderão ser escoadas até 40 milhões de toneladas. Porém, a licitação da obra, prevista para ocorrer no segundo semestre deste ano, foi adiada para 2019.
O governo do presidente eleito Jair Bolsonaro, que toma posse em 1º de janeiro, tem uma agenda intensa de retomada de políticas destinadas a destravar a logística, incluindo no pacote também as hidrovias. “Não adianta sermos eficientes apenas dentro da porteira. Também temos de ser competitivos da porteira para fora”, diz João Martins, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
O Brasil é dono da quarta maior malha rodoviária do mundo, com 1,8 milhão de quilômetros de extensão, por onde passam 75% da produção geral do País. Em seguida vem o transporte marítimo (9,2%), o aéreo (5,8%), o ferroviário (5,4%), a cabotagem (3%) e, por fim, o hidroviário, com apenas 0,7%. Os dados fazem parte da pesquisa Custos Logísticos no Brasil, da Fundação Dom Cabral, e podem ser facilmente utilizados como exemplo do nó logístico também no agronegócio. Além da BR-163, há três outras com o mesmo peso para o setor, mas paradas em
seus projetos de melhoria: a BRB-158, também ligando Mato-Grosso e Pará; a BR-153, em trecho do Pará; e a BR-364, ligando Comodoro (MT) a Porto Velho (RO). Já em ferrovias, o País possui 29,9 mil quilômetros, menos da metade do que tem a Índia. No caso das hidrovias, embora o Brasil conte com 42 mil quilômetros potencialmente navegáveis, só 19 mil são economicamente viáveis. E a participação desses três modais no transporte de produtos agropecuários é irrisória. Apenas 4% do volume de soja e de milho são movimentados em trilhos, o que significa 8 milhões de toneladas na safra passada, ciclo no qual foram colhidas 119,3 milhões de toneladas de soja e 80,7 milhões de toneladas de milho. O transporte por hidrovias segue a mesma métrica: apenas 4% de participação agrícola.
Para Elisângela Pereira Lopes, assessora técnica da Comissão de Logística e Infraestrutura da CNA, algumas ações podem ser tomadas imediatamente, a partir do próximo semestre. “Acreditamos que o presidente Jair Bolsonaro fará um governo voltado à livre iniciativa e ao empreendedorismo”, diz Elisângela. “Isso significa destravar algumas amarras que estão em todos os modais de transporte, sendo que há medidas que não precisam de recursos à sua implantação.” No caso das ferrovias, a medida estaria nos novos contratos e na renovação daqueles em andamento.
Um mecanismo para aumentar a competitividade seria a adoção do direito de passagem a operadores ferroviários independentes, o que tiraria o monopólio das atuais linhas férreas. A proposta está num documento assinado por várias entidades do agronegócio, lideradas pela CNA. Entre as obras de longo prazo, a Ferrogrão é a menina dos olhos do setor. Seu traçado está em meio à produção de grãos, numa região de fronteira que vem sendo consolidada há duas décadas. A obra pode ajudar a reduzir os custos dos alimentos, ao promover a competição entre portos. Estima-se uma diminuição do preço de transporte de grãos de até 40%, juntando a BR-163 e a hidrovia dos rios Teles Pires e Tapajós. “Trabalhar para escoar grãos de forma mais barata e rápida não é um desejo. É uma tarefa que precisa ser feita”, diz o agrônomo Normando Corral, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato). “Precisamos promover uma corrida para viabilizar os projetos.”
Há outras duas ferrovias que podem entrar em um pacote de concessões imediatas. A Ferrovia de Integração Leste-Oeste, com 1,5 mil quilômetros, com trechos em construção e outros embargados, e a Ferrovia de Integração Centro-Oeste, de 1,6 mil quilômetros, que é um braço da ferrovia da Norte-Sul. As duas obras poderiam transportar 27 milhões de toneladas de grãos. Sem contar trechos que podem ser recuperados da atual malha ferroviária. Do total de linhas, cerca de 20 mil quilômetros concentrados nas regiões Sul e Sudeste estão sucateados ou paralisados, com trechos que servem apenas como material de ferro velho. “Esses trechos podem não ser interessantes para as grandes concessionárias, mas para o operador independente faz sentido”, diz Elisângela, da CNA. “Sem muito custo, também seria possível reativar essas linhas.” Está em fase de finalização, previsto para fevereiro, um mapeamento desses trechos pela Câmara Temática de Logística e Infraestrutura do Ministério da Agricultura.
No caso das hidrovias, a tarefa imediata é tornar os rios brasileiros de fato hidrovias. De acordo com Elisângela, isso significa dar condições de navegabilidade durante todo o ano nos trechos que já recebem cargas. “O Brasil não tem hidrovias, mas trechos navegáveis”, diz ela. “Ouvimos falar na hidrovia do Paraná-Tietê, do Madeira, mas na verdade elas não podem ser chamadas de hidrovias.” Basta lembrar que, em 2015, o leito Paraná-Tietê ficou 8 meses sem receber barcaças, em função de uma seca. Caso fosse uma hidrovia, assim como as rodovias, ela receberia reparos de dragagem e de sinalizações. O mesmo vale para rios como o Madeira e o Tocantins.