FAZENDA MAIS SAUDÁVEL
Por que a saúde animal, que é a base da segurança alimentar, ainda precisa ganhar maior relevância no manejo dos rebanhos • POR ERICA TEIXEIRA
Duas boas notícias tomaram as dependências do bloco D da Esplanada dos Ministérios, onde funciona a pasta da Agricultura e Pecuária, em Brasília, desde a eleição presidencial, já em meio aos trabalhos de transição de governo: uma veio da Rússia e a outra, da China. Os russos, depois de quase um ano sem comprar carne bovina e suína do Brasil, suspenderam os embargos. A China, que avança sobre tudo o que o País produz, quer retomar um protocolo assinado em 2004, e que não prosperou, sobre o comércio de pescados entre os países. Além das proteínas, está a caminho um protocolo para frutas. “É difícil abrir um mercado, mas é fácil perder. Mas é muito mais difícil reabrir um mercado”, disse Blairo Maggi, ministro da Agricultura e Pecuária, que dará lugar à sul-mato-grossense Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias, a partir de janeiro.
Cuidar da sanidade animal dos principais rebanhos com peso nos mercados nacional e internacional de carne é um dos maiores desafios da agropecuária. Isso porque ambos são imensos. São 200 milhões de bovinos, 41 milhões de suínos e 6,2 bilhões de pintinhos de corte alojados por ano. Para Élcio Inhe, presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Saúde Animal
(Sindan), saúde animal não é só produto, mas também o manejo sanitário do rebanho. Ele também é diretor de relações institucionais da americana Zoetis, no Brasil, companhia que faturou no mundo US$ 5,3 bilhões no ano passado e que tem o País como seu segundo mercado global, com US$ 300 milhões. “Com produtos mais eficientes, o produtor pode utilizar menos antibióticos e antimicrobianos, por exemplo”, diz Inhe.
“Esse vai ser um tema dos mais relevantes no próximo período, porque é uma demanda global.” No ano passado, o setor de saúde animal movimentou R$ 5 bilhões, de acordo com o Sindan. Para este ano, o crescimento estimado é de até 7%. E a tendência permanece firme para
2019. “É esperado uma reação positiva da economia e isso se reflete no campo”, destaca.
“Além disso, o que é mais prejudicial do que um ano sem exportar para a Rússia?”, questiona.
Detecção de resíduos nocivos usados para o maior crescimento da massa muscular dos animais foi o motivo alegado pelo Rosselkhoznadzor (Serviço Federal de Vigilância Veterinária e Sanitária, na tradução do russo) para que, em dezembro de 2017, o país fechasse as portas para o Brasil. Até aquele momento, o País havia enviado à Rússia 151,6 mil toneladas de carne bovina, por US$ 487 milhões, 8% do mercado exportador desse segmento, e 259 mil toneladas de carne suína, por US$ 693 milhões. Inhe diz que cabe também à indústria de saúde animal o papel de educação no campo. “Existe um arsenal grande de vacinas e de produtos inovadores que precisam se alastrar na base da criação animal”, afirma. “No caso da pecuária, acreditamos que apenas 30% das propriedades podem ser consideradas de alta tecnologia e utilizam todas as ferramentas disponíveis.” Inhe se refere, por exemplo, às vacinas contra uma série de doenças causadas por bactérias do gênero clostridium, como botulismo, carbúnculo sintomático, entre outras, e que podem ser evitadas e controladas. “Na área de bovinos, e também em suínos e aves, são as vacinas que dão peso à segurança alimentar”, afirma. “O produtor rural precisa se habituar a usar os produtos no tempo certo e na forma correta. Se são três doses recomendadas, é isso que deve ser feito”.
Para Luís Adriano Teixeira, presidente da central holandesa de genética CRV Lagoa, em Sertãozinho (SP), uma das maiores do setor na venda de sêmen bovino, há três áreas que precisam de atenção imediata nos próximos dois anos. “Tudo o que afeta a criação interfere no nosso negócio, porque os produtores deixam de investir”, diz Teixeira. “A saúde animal está cada vez mais em evidência. Não há como fugir que ela é um dos pilares, junto com a nutrição e a genética.” O País comercializa, por ano, cerca de 12 milhões de doses de sêmen, um mercado estimado em R$ 600 milhões. Teixeira diz que é preciso resolver a mão-de-obra para a fiscalização e controles sanitários, repensar como fazer a fiscalização sanitária e, por último, como será administrada a retirada da vacinação contra a febre aftosa. “São temas que interessam, porque afetam diretamente a sanidade animal”, destaca ele.
No caso da fiscalização sanitária, feita em cerca de 5 mil estabelecimentos com inspeção federal, está em discussão um novo modelo, no qual a iniciativa privada entra com parte do trabalho. Um exemplo que funciona no setor é o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação Bovina (Sisbov), destinado a rastrear os animais à exportação para a Europa, no qual as empresas fazem o controle do sistema e passam por auditorias periódicas do Governo. “O Sisbov controla um pequeno número de animais, mas é um modelo que poderia servir de inspiração.” Já a retirada da vacinação contra a febre aftosa começa no próximo ano para os 200 milhões de bovinos, em etapas da suspensão por região. “Erradicar a febre aftosa do País é uma necessidade. E, como já está decidida pelo Governo a retirada da vacina, essa administração precisa ser prioridade para o Poder Público”, afirma.