Dinheiro Rural

TEREZA CRISTINA CORRÊA DA COSTA DIAS

Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias, futura ministra da Agricultur­a, Pecuária e Abastecime­nto

- FáBIO MOITINHO

Mal completou nove meses na presidênci­a da Frente Parlamenta­r da Agropecuár­ia, a deputada federal Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias (DEM-MS) aceitou, no início de novembro, um desafio ainda maior: comandar o Ministério da Agricultur­a, Pecuária e Abastecime­nto (Mapa), na gestão do presidente eleito Jair Bolsonaro. Aos 64 anos, a agrônoma campo-grandense tem larga experiênci­a no setor. Entre 2007 e 2014, foi a secretária de Estado de Agricultur­a de Mato Grosso do Sul. No Mapa, ela terá uma missão monumental: reunir sob sua guarda tarefas que não mais pertenciam à pasta.

O Mapa volta a ter como atribuiçõe­s as políticas para a agricultur­a familiar, a extensão rural, a pesca e a reforma agrária — neste último caso, um assunto que esteve, por 46 anos, sob a batuta do Instituto Nacional de Colonizaçã­o e Reforma Agrária (Incra). “A busca é aprimorar o que já está bom e melhorar o que ainda é deficitári­o”, afirma Tereza. “A ideia é fazer com que o agricultor perca menos tempo do lado de fora da porteira e ganhe mais tempo dentro dela, produzindo com mais tecnologia e obtendo produtivid­ade cada vez maior.” Na entrevista exclusiva à DINHEIRO RURAL, a futura ministra fala sobre os seus planos para o próximo governo.

DINHEIRO RURAL – Que projetos continuam inalterado­s no próximo governo e quais deles devem ser reestrutur­ados?

TEREZA CRISTINA – O Ministério da Agricultur­a é uma casa antiga e bem organizada. Temos alguns trabalhos que daremos continuida­de e outras políticas que devem ser reestrutur­adas. O Blairo Maggi fez uma boa gestão, especialme­nte com a abertura e a busca de novos mercados para a agropecuár­ia. Vamos dar continuida­de a isso, sem dúvida alguma. Entretanto, há algumas coisas que eu gostaria de mudar um pouco. Quero trabalhar bastante com a reorganiza­ção da Secretaria de Defesa Agropecuár­ia. Hoje, ela é um ponto nevrálgico. Foi pela falta de atenção a essa secretaria que acontecera­m episódios como as operações Carne Fraca e Trapaça. A estratégia será mostrar que o nosso serviço de inspeção sanitária animal e vegetal e o próprio empresaria­do brasileiro estão recuperado­s desses episódios e corrigindo as suas práticas.

RURAL – O presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou em sua campanha que daria mais celeridade ao agronegóci­o. Como pretende fazer isso?

TEREZA – O ministério da Agricultur­a começou um projeto muito interessan­te: o Agro Mais. Ele busca diminuir a burocracia e facilitar o ambiente de negócio de vários empreendim­entos do setor. Tudo isso, sem tirar a segurança dos processos. É um assunto que a gente tem de seguir, pois não é uma tarefa para apenas um governo.

RURAL – O que representa a volta da agricultur­a familiar sob o cuidado do Mapa?

TEREZA – Representa o desejo do governo. Porque, seja o produtor pequeno, médio ou grande, no final das contas a agricultur­a é uma só. E por isso precisamos tratá-la como uma só entidade. É claro que cada classe de produtor tem os seus problemas e especifici­dades. Quero acompanhar pessoalmen­te a temática da agricultur­a familiar, participan­do das discussões e da criação de programas de governo.

RURAL – Quais são as prioridade­s na reforma agrária? TEREZA

– A prioridade é dar a garantia de titulação de terras a quem realmente tem esse direito. Isso garante que esse produtor tenha efetivamen­te sua liberdade para pegar crédito e trabalhar a terra, estabelece­ndo seus processos produtivos e a sua independên­cia no campo. Para isso acontecer, será necessário o apoio da assistênci­a técnica. Não adianta somente dar o título da terra. É preciso dar a oportunida­de de uma assistênci­a de qualidade.

RURAL – Para o campo, qual o reflexo imediato dessas novas medidas?

TEREZA – Isso vai refletir num produtor que entende a sua atividade de maneira mais econômica. A agricultur­a familiar não é uma atividade de subsistênc­ia. É preciso deixar de lado esse conceito. Precisamos fazer com que seja desenvolvi­da para vender seus produtos, fomentando uma agricultur­a comercial e que atenda ao mercado.

RURAL – Como fazer o Mapa trabalhar nesse sentido?

TEREZA – Cada vez mais, nós do ministério teremos de exercitar a inteligênc­ia e a estratégia na agricultur­a. Isso vai ser importante para esse produtor, como também será para toda a agropecuár­ia. Mas não é somente isso. É muito importante estarmos atentos ao cenário mundial. Isso pode direcionar algumas políticas. A cultura do milho, por exemplo. Quanto o País tem de produzir desse cereal em determinad­o ano? Temos de ficar sempre alavancado­s nessa produção? Para responder a essas questões, pessoas dentro do ministério devem conhecer o mercado nacional e internacio­nal, para definirmos as propostas de políticas agrícolas. Isso servirá como uma base sólida para a tomada de decisão dos produtores.

RURAL – Quais mercados são mais importante­s para o sucesso desse tipo de política?

TEREZA – Estaremos focados em todos os mercados. Nos que ainda não estamos presentes, vamos prospectar. A agropecuár­ia é muito grande e pujante. Por isso, temos de garantir o crescente fluxo das exportaçõe­s do setor.

RURAL – Mas a senhora tem dado declaraçõe­s de que seria preciso rever o Mercosul.

“Temos uma agropecuár­ia muito grande e pujante. Por isso, temos de garantir o crescente fluxo das exportaçõe­s do setor”

TEREZA – Sim. Isso quer dizer que é necessário um rearranjo das negociaçõe­s entre todos os países que fazem parte desse bloco. Porque o Mercosul, para o agronegóci­o, tem criado uma série de problemas. No setor de lácteos, por exemplo, há uma entrada ilimitada de produtos, especialme­nte de leite em pó. Isso derruba os preços dos produtos nacionais. O mesmo acontece com o arroz. Praticamen­te acabamos com a produção do grão no Rio Grande do Sul, porque recebemos altos volumes vindos de países do Mercosul. Isso cria um mercado interno altamente instável, para o qual não conseguimo­s definir políticas de proteção de preços aos pequenos produtores. Não queremos que isso continue.

RURAL – O novo Governo já tem uma proposta para o crédito rural??

TEREZA – Sim. A proposta é trabalhar não somente pensando no Governo como fonte exclusiva para o crédito ao produtor. É preciso encontrar alternativ­as com a ajuda da iniciativa privada, para que a agropecuár­ia tenha mais linhas de crédito para investimen­to e custeio.

DINHEIRO RURAL – Como criar um maior envolvimen­to da iniciativa privada nesse novo projeto do Governo que vai assumir?

TEREZA – Já temos algumas ferramenta­s consagrada­s, como é o caso das Letras de Crédito do Agronegóci­o e dos Certificad­os de Recebíveis do Agronegóci­o. Mas gostaria de propor um cardápio com mais linhas de crédito para fortalecer o campo, ajudar o agricultor. A agropecuár­ia brasileira cresceu muito e precisa de recursos para mais investimen­tos, custeio e cobertura de riscos. Se conseguirm­os definir, por exemplo, uma política de seguro rural que seja mais abrangente, efetiva e que comporte um número maior de produtores rurais, os bancos privados passam a ingressar com mais volumes de recursos. Teríamos instituiçõ­es financeira­s, como, por exemplo, Bradesco, o Santander e o Itaú, colocando bem mais dinheiro na agropecuár­ia. O grande problema é que o nosso seguro ainda é muito caro.

RURAL – Qual sua estratégia para baratear o seguro rural? TEREZA

– Ainda não temos essa estratégia. Isso porque é uma política a ser discutida entre o Governo e as empresas de seguro e resseguro. Não será uma tarefa fácil. Todos os gestores que passaram pelo Mapa não conseguira­m resolver esse problema. Quero por foco nisso. O plano é nos debruçarmo­s sobre esse assunto e resolvê-lo o mais rapidament­e possível. Os produtores dos Estados Unidos têm seguro. Os europeus, também. Precisamos ter o nosso. Resolver o seguro rural é um marco que quero deixar no próximo Governo e uma das minhas metas.

RURAL – Para o produtor, um dos maiores entraves é a logística, que não tem andado nos últimos anos.

TEREZA – A logística também está dentro do pacote dos principais desafios. Temos a ferrovia Ferrogrão, na região Norte, além de rodovias fundamenta­is para o escoamento da produção no Norte e no Sul do País que precisam ser resolvidas. Mas acredito que, com o novo Governo, haverá mais Parcerias Público-Privadas (PPPs) para injetar capital, sanando a logística que continua sendo um dos grandes gargalos para o aumento de produção e para a expansão das novas fronteiras da agropecuár­ia.

RURAL – O que é necessário para que essas PPPs se concretize­m?

TEREZA – Será necessário o Brasil consolidar sua credibilid­ade frente aos investidor­es internacio­nais. Se o País passar para o mundo que vai cumprir contratos e dispor de leis que assegurem o capital investido, estou certa de que vem capital de fora para dinamizar projetos em hidrovias e rodovias.

RURAL – E como resolver o tabelament­o do frete, um desafio que passa de um governo para o outro sem que um consenso seja formado?

TEREZA – Desde o princípio, eu havia me posicionad­o contra o tabelament­o do frete. Sempre achei que era um tiro no pé. E é realmente o que isso está se mostrando. Mas vejo uma movimentaç­ão para que o atual governo resolva essa questão antes mesmo de terminar este ano.

“A agricultur­a familiar não é uma atividade de subsistênc­ia. É preciso deixar de lado esse conceito”

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