Dinheiro Rural

Uma tormenta ronda a ARGENTINA

Um relatório do BNP Paribas sugere que mesmo após o empréstimo de US$ 57 bilhões do FMI, a chance de calote na dívida pública chega a 45%

- Leonardo MOTTA

Os indicadore­s da Argentina em 2018 não deixam dúvida sobre as razões para recorrer ao Fundo Monetário Internacio­nal (FMI). O peso argentino perdeu mais de 50% de seu valor, a inflação foi a maior em 27 anos e o Banco Central elevou os juros para 60% ao ano. Em vez do cresciment­o de 3% esperado para 2018, é provável que o ano tenha fechado com uma recessão de 2,6%. O presidente Mauricio Macri tenta a todo custo reverter uma catástrofe nas contas públicas: os “déficits gêmeos”. Há um rombo tanto na diferença entre o que se arrecada e gasta internamen­te (déficit primário) quanto nas transações feitas externamen­te (déficit externo). A ajuda do FMI tentou evitar uma situação extrema na qual não seria possível pagar a dívida — e o país entraria em calote, como já fizera em 2002. O risco foi temporaria­mente afastado, mas um olhar atento aos dados indica que o fantasma ainda está na sala.

Quem faz o alerta é o BNP Paribas, em um relatório exclusivo para DINHEIRO. Segundo o banco francês, o mercado está subestiman­do os riscos, uma vez que o país terá de buscar no mercado ao menos

US$ 50 bilhões em financiame­ntos em 2023. A cifra representa a diferença entre o que o governo tem em caixa e as dívidas em vencimento. O quadro exigirá uma enorme capacidade de negociação do novo governante que será eleito em outubro e tomará posse já em dezembro deste ano. Os cálculos feitos a partir de indicadore­s de risco da Argentina mostram que os números do mercado indicam uma chance de calote de 34%. O BNP projeta como um número mais realista: 45%. Como referência, o Brasil apresenta um risco de calote de 10%, com base no Credit Default Swap (CDS), de 5 anos, tido como um indicador de risco-país.

No acordo firmado no ano passado, o FMI aceitou emprestar US$ 57 bilhões à Argentina. Em troca, exigiu a meta de zerar o déficit primário em 2019 e alcançar um superávit de 1% em 2020. O governo precisou adotar medidas de austeridad­e, como o corte em gastos com saúde e educação, além de taxar exportaçõe­s. Como o alvo oficial do resultado primário era de -2,5% e o governo entregou um déficit de -2,4%, o mercado ficou menos apreensivo. Mas a visão do BNP é assumidame­nte outra. Para o banco francês, o déficit total está subestimad­o porque não leva em conta ganhos contábeis com transações de depósito nem as dívidas de governos locais. “Estamos falando de um país em recessão, com índices de

cresciment­o que assustam e com uma inércia inflacioná­ria enorme”, afirma Gabriel Gerstein, chefe global de estratégia para emergentes do BNP Paribas. “O acordo de 2018 foi emergencia­l, como se o país estivesse na UTI, para evitar um colapso.”

As projeções do FMI sugerem uma recessão de 2,9% neste ano, com a economia voltando a crescer a partir de 2020. Quaisquer variações nesses números ou na capacidade do governo rolar a dívida que está para vencer podem alterar o quadro. No pior cenário, o governo teria de levantar quase R$ 100 bilhões no mercado para se financiar em 2023. Daí se conclui que o próximo presidente terá de voltar ao

FMI e tentar estender o prazo para o início do pagamento das parcelas, originalme­nte previsto para 2021. Uma das questões que tornam o caso da Argentina mais complexo é que boa parcela da dívida foi contraída em dólar. Se o peso desvaloriz­a, o déficit em moeda estrangeir­a aumenta.

RISCO POLíTICO A cena econômica conturbada ganha contornos ainda mais complexos com a aproximaçã­o das eleições presidenci­ais. Protestos recentes nas ruas evidenciar­am a insatisfaç­ão com governo Macri, cujo índice de impopulari­dade bateu em 58%. Ele impôs uma agenda reformista de corte de subsídios (como de gás e luz) assim que assumiu, em 2015.

A principal opositora continua sendo a ex-presidente Cristina Kirchner, hoje senadora. Ela é acusada pela Justiça de utilizar a máquina pública a seu favor no período em que ocupou o poder (2007-2015), além de ser considerad­a a culpada do endividame­nto repassado a Macri. Seu nome não é o favorito para voltar à Casa Rosada, mas os peronistas não conseguira­m encontrar um nome relevante para as eleições deste ano.

Mesmo que nenhum dos dois tenha oficialmen­te declarado sua participaç­ão na corrida eleitoral, Macri e Cristina estão praticamen­te empatados, com cerca 30% das intenções de voto cada um, segundo pesquisas recentes. Isso os levaria para o segundo turno. “É uma situação similar ao que aconteceu no Brasil em 2018, onde os candidatos eram rejeitados, mas ainda assim havia força política o suficiente para que fossem eleitos”, explica Patricio Giusto, cientista político da consultori­a Diagnostic­o Politico.

Outros velhos nomes da política, como o peronista moderado Roberto Lavagna e a deputada federal da coligação de Macri, Elisa Carrió, não alcançam por enquanto mais do que 15% das intenções de voto, não oferecendo uma terceira via. Se a economia de fato mantiver uma trajetória tão frágil, a reeleição de Macri não está garantida e o risco político com o próximo mandatário pode balançar ainda mais a economia. “O problema é que trata-se de uma recessão em um ano de eleições”, afirma Patricia Krause, economista-chefe da seguradora de crédito Coface.“O risco político vai continuar praticamen­te o ano inteiro.”

Assim como no Brasil, a turbulênci­a se deve às incertezas de que o próximo presidente terá condições de fazer ajustes para garantir a sustentabi­lidade das contas públicas. É uma péssima notícia aos exportador­es de produtos manufatura­dos brasileiro­s, já que setores como o de veículos tem a Argentina como destino principal das vendas externas.

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UM MAR DE DESCONTENT­ES REPETIDAME­NTE, MANIFESTAN­TES TOMAM AS RUAS CONTRA AS MEDIDAS DE AUSTERIDAD­E DE MACRI
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INSUFICIEN­TE? ANALISTAS MAIS PESSIMISTA­S VEEM NECESSIDAD­E DO GOVERNO DE MAURÍCIO MACRI (À DIR.) RENEGOCIAR O EMPRÉSTIMO COM O FMI, CHEFIADO POR CHRISTINE LAGARDE
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Fontes: BNP Paribas, FMI *com base no CDS de 5 anos
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MAIS DO MESMO SEM NOVOS NOMES NA POLÍTICA, A EX-PRESIDENTE CRISTINA KIRCHNER (À ESQ.) E O PERONISTA ROBERTO LAVAGNA RESSURGEM COMO OPÇÕES PARA AS ELEIÇÕES

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